24 de outubro de 2004

IMPRENSA É ATOLEIRO


Viajei para dentro de três jornais neste fim de semana, Globo, Folha e Estadão. Duas unanimidades culturais, o escritor Marçal Aquino (que desfia suas inúmeras leituras) e a atriz Leandra Leal (que por ser correta destaca-se entre tantas péssimas) convivem com o atoleiro Brasil: o problema mal resolvido da mudança de regime (1985), do qual o revival Herzog e a matança que se aproxima no Haiti são os exemplos mais notórios. Saímos da ditadura e inauguramos uma esquizofrenia, uma democracia que não mexeu no principal, a segurança e as forças armadas, tornando-se portanto apenas uma continuidade. No Mais!, a intensificação da idiotia internacional em relação aos países do nosso continente, com um artigo do inglês Martin Amis sobre Maradona, em que o craque serve apenas de insumo para alimentar a fábrica de besteiras sobre o que argentinos ou brasileiros são de verdade.

COLUNISTAS - Sobram colunas de todos os tipos. Afora os percalços de Paulo Coelho numa viagem de Paris a Viena, a maioria aborda o Brasil. LFV é, como sempre, o melhor, ao falar sobre a má figura que fazemos com nossa imagem internacional. Ele diz que prefere sempre acrescentar Clarice Lispector aos estrangeiros que gritam Pelé ao saberem que ele é daqui. É uma ironia funda, pois Clarice, apesar de escritora brasileira e orgulho do país, não nasceu aqui, mas na Ucrânia. Se ele dissesse Carmen Miranda, cairia no mesmo problema, pois Carmen é portuguesa de nascimento. Veríssimo mudou o pai, Erico, da editora Globo para a Companhia das Letras, o que deu chance a bobalhões deitaram bobagens sobre o grande escritor. Erico disse um dia que era apenas um contador de histórias. Queria dizer com isso que era um escritor clássico, que não tinha a pretensão de revolucionar linguagens nem posar de radical, e que estava a serviço da literatura e não da ideologia ou de qualquer movimento. Era, portanto, livre. Isso não o tirava da reta política, pois sempre foi firme em suas posições, marcando presença contra a ditadura. Pois não é que os imbecis adoraram essa frase dele e a usam para dizer que ele realmente não passa de um contador de histórias, veja só. Até teve gente graduada como Moacyr Scliar que assegurou na Ilustrada de sábado que Erico sempre será lido pois sempre as histórias serão bem vindas para os leitores. Erico é eterno porque é grande escritor, e não por ser um mero contador de histórias. Senti um ranço na cobertura dada pela cultural oficial (autocentrada em Sampa), que parece estar permitindo uma colher de chá para o gaúcho Erico, dizendo: vá lá, ele é um grande escritor, mas... é apenas um contador de histórias. Quanta bobagem. Nem falo na obra-prima que é o Continente. Falo de suas memórias como Solo de Clarineta, em dois volumes, que são meus livros favoritos. Erico dá banho nos escritores que hoje pululam na mídia com suas poses de grandes literatos. Era um tremendo intelectual, um escritor de primeiríssima água, uma figura de renome internacional, que construiu não apenas uma grande obra literária, mas também uma obra como homem público, a favor do Brasil como país soberano.

CANECO - Martin Amis faz parte de um cultura que enxerga o corpo humano como uma coisa abjeta. Não pára de falar da barriga de Maradona, acusando-o de populista e se locupletando com o que chama de decadência do herói. O que atemoriza o inglesinho barata-branca é a tatuagem de Che no braço de Diego, é o corpo que não obedece a nenhuma regra, é o olhar mortal de desafio de um homem que fez História e hoje vive seu tormento de maneira transparente, já que tentou mas não conseguiu esconder-se. Diego é a contradição em pessoa. Tudo faz para demolir o mito que sua arte criou, mas continua firme no imaginário popular. Nada tem a ver com a ditadura Argentina nem serviu aos propósitos dela. Quem serviu e serve a ditadura latino-americanas são os americanos e os ingleses. Estes, ensinaram as polícias do nosso continente as técnicas mais sofisticadas de tortura, que eles desenvolveram ao colocar na cela os militantes irlandeses. A Inglaterra não é um país, é um pedaço de terra cercado de ódio que domina seus vizinhos e os massacra. Por ter amealhado grande fortuna na pirataria, desenvolveu alta cultura, mas o melhor escritor inglês é polonês de nascimento, Joseph Conrad. Os ingleses mandam seus filhos para morrerem no Iraque e não escutam os gritos de misericórdia dos que tornam-se prisioneiros graças a essa política suicida. Martin Amis deveria olhar para dentro do seu país antes de dizer tanta bobagem sobre a Argentina e o que eles chamam de Terceiro Mundo. No fundo é ressentimento, pois a Inglaterra não domina o esporte que inventou e só ganhou uma Copa porque roubou descaradamente, em 1966. Dieguito eliminou todo mundo e ganhou o caneco. Calai a boca, anglo-saxões safados.

DEMOROU - José Arbex Junior, na página três do primeiro caderno deste sábado da Folha, explica o que está acontecendo no Haiti e porque somos tão colonizados ao enviar tropas para lá. Arbex demorou em entregar esse lance. O Haiti faz parte de um gigantesco paga-pau do governo Lula para os gringos e o envio de tropas tem um link com 1965, quando a ditadura brasileira chegou mais na República Dominicana a serviço da ONU depois de um golpe de estado comandado pela CIA. Agora foi a vez do Haiti ver derrubado seu presidente eleito. Isso conflagrou o país. As tropas brasileiras são de ocupação. Está tudo no artigo de Arbex. Estarrecedor.

RETORNO - 1. Graças aos gentis e competentes jornalistas Ricardo Kotscho e Ivan Marsiglia, comunicadores lotados em Palácio, consegui uma entrevista exclusiva com o presidente Lula, que já está publicada na edição de outubro da revista Empreendedor, um veículo que comemora este mês dez anos de vida e que agora tenho o privilégio de editar, sob a direção do veterano jornalista Acari Amorim. Veterano, mas mais moço do que eu. Até meu irmão Elo, que festejou seu aniversário ontem, foi considerado mais moço. Estou com 80 anos, digo para a jovem caixa do supermercado. E ela acredita! Deve ser essa exaustão, esse excesso de Brasil. 2. Quando a gente passava na frente de casa alheia, cumprimentava. Quando entrava, dava um abraço. Quando saía, se despedia. Hoje passam, entram, saem e nem deixam um comentário. É duro não ser um líder.

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