31 de agosto de 2025

SEGREDO

Nei Duclós Há segredo quando é pecado E as atenções vão para outro lado E agimos indiferentes aos cuidados Porque o desejo é mais forte dentro Do que em tosco território Não somos flagrados com a cara de paisagem A não ser pela besteira de uma fala Quando dás bandeira cansada dos olhares Que a desconfiança plantou em nosso agarro Confessas, achando que está limpo O espaço que cavamos em nossa volta Mas é uma armadilha, beldade sem reparos Estavas proibida com teu rosto raro E o corpo que é um arraso e por motivos misteriosos Era prometido para o crime organizado Ou talvez um príncipe de cabelos sedosos Eu sou carta fora do baralho Por isso avancei a mão com mais coragem Hoje cresceste e sentes falta Do que ocultamos na louca e tenra idade Nei Duclós

25 de agosto de 2025

REGISTROS

Nei Duclós Escrevo escondido para ninguém saber o que eu digo. Minha literatura sofre de insônia . Durmo na poesia. Publiquei quando decretaram a morte dos livros. Viver é uma atividade irreconhecível. Lembro só o que não repito. Cobro de mim as dívidas que ainda não contraí. Perdi o momento certo porque não era divertido. Aprendi quando deixei a lição de lado. Caminho em oposição à ventania. Exagerei na loucura ao fingir que estava vivo. Confesso que voltei quando deveria ir. A palavra é o principal disfarce. Nei Duclós

24 de agosto de 2025

CONVÍVIO

Nei Duclós É difícil o convívio O que você diz contradizem O que você fez duvidam O que lembra não é bem assim Se você concorda implicam Se fala sério debocham E nunca entendem uma ironia Treinam você para ficar sozinho Evitar conflito para não correr perigo E não se trata de ditadura, política Mas de sobreviver no mesmo lotado abrigo Onde falta dinheiro, falta comida É estranhar quem se aproxima Bater de frente e oferecer espinhos Vocação de criatura arrependida De ser humana Natureza esquecida Nesse clima o amor é palavra vazia Sobra só o sentimento De pertencer a uma flor profunda A que cultivamos no exílio Nei Duclós Imagem enviada por Alitta Reis .

23 de agosto de 2025

IMPTOVISO

Nei Duclós Às vezes é colo Outras contra a parede Cama improvisada na areia Gente embolada na rede A fantasia manobra o desejo Perto, longe, ou fora do tempo Por baixo da roupa Ou com a roupa mesmo Tudo acontece em segredo Faz de conta que é normal teu biquini mínimo Não se fala disso nas rodas carentes Pode também ser explicito ou tudo entre quatro paredes Às vezes de vidro transparente Mas é onde mora o desassossego Somos reféns do prazer intenso Desde pequenos até a hora extrema Nei Duclós

22 de agosto de 2025

RELÓGIOS

Nei Duclós Não abracei o poema épico O de convocação e bandeiras Adotei o poema lírico Até o amor fazer agua Evitei a vanguarda de transgressão e inventos Por ser fiel à minha vocação silábica Não cultivei a poesia seca A engenharia civil do verbo enxuto Fugi do poema de autoajuda Pois cada leitor sabe dos seus erros Não compactuei com versos mínimos Vindo de outros continentes Visitei o parnaso e o simbolismo E tentei voar como os condores A tudo passei ao largo Pois só havia palavras Areia fina nos relógios do Tempo Nei Duclós

19 de agosto de 2025

ENIGMAS

Nei Duclós Minha experiência não tem voz. Fiquei mudo. Desapareço como campo de trigo não amadurecido. Recuso o reconhecimento, cereja no bolo amanhecido, que não veio, como os amores sonhados em travesseiros antigos. Essa foi minha sina, companheiro de infortúnio. Somos como pedras irremovíveis, que sugerem enigmas para o futuro. Nei Duclós

17 de agosto de 2025

BEM CAPAZ

Nei Duclós Fui capaz de tudo Morar sem ter abrigo Casar no desemprego Decidir pelo desvio Impor mancha em currículo Viver no desperdício Cair só pelo vício Andar em precipício Fui bem capaz de tudo Pegar carona em caminhão Calçar coturnos no pampa De jeans em baile granfino Terno limpo em pescaria De linho quando estava frio Fugir de alguns municipios Cansar porque dá preguiça Hoje não sou capaz de nada A não ser fazer café Sem ter dinheiro para isso Nei Duclós

16 de agosto de 2025

OFÍCIO

Nei Duclós Não preciso fazer nada Todos já fizeram o serviço Derrubaram o governo Prenderam os bandidos Invadiram o infinito Recuperaram o deserto São médicos engenheiros estadistas Viveram sem limites Casaram com as estrelas Ficaram ricos A mim cabe apenas a poesia A que não tem cacife E serve só para exercer o ofício De oferecê-la em forma de flor Para teu olhar triste Nei Duclós

10 de agosto de 2025

CHANCE

Nei Duclós Ninguém viveu o suficiente Todos querem pular do barco de Caronte Casar desta vez com a bailarina Ou namorar na praça Barão do Rio Branco Terminar o curso de Jornalismo E não cair nas garras dos farsantes Viajar para a França Candidatar-se à Presidência Para evitar o governo analfabeto Somar ao já feito novas esperanças Jamais perder um filho E conviver com os pais ainda vivos Amar sem arrepender-se Querer o que é certo E não desperdiçar a idade em desavenças Ser professor de crianças E aluno atento às mudanças Ninguém perde por esperar a chance De driblar a morte, meu amor Só por um instante Na duração de um beijo na boca da princesa Nei Duclós

FERIDO

Nei Duclós Fui ferido pela lua Grua no céu noturno Clima de uma loucura Sem estrelas no veludo Atingiu-me como um tiro Neste agosto sem saída Avisou-me de algo vivo Talvez amor, quem diria Esparramei pela rua A luz que ganhei aflito Virei cidadão contrito Na pobreza desta rima Nei Duclós

5 de agosto de 2025

PLÁSTICO

Nei Duclós Só tenho duas você A que vejo na tela E a que está fora dela Na mente inquieta Você mesmo nem chego perto Vivo na trégua entre a idade e a tragédia Amor que não existe em remoto assédio E parece real como flores de plástico Ofereço o que não disponho Tempo disponível Bárbaro sonho Nei Duclós

4 de agosto de 2025

AS QUATRO ESTAÇÕES

Nei Duclós O inverno amanhece torto E à noite se precipita Venta durante o dia Num frio que ninguém aguenta Depois vem a primavera Traz alergia de poeira O verão custa a chegar Fritura na frigideira Nenhuma estação funciona Na combinada agenda Traição do calendário Até o outono é suspeito Muda a temperatura Em qualquer fase da lua Um casaco não te abriga Não te veste uma bermuda Saio de guarda-chuva Quando não avisto nuvem Fico se o rádio avisa Que o céu é de brigadeiro Deus, como brasileiro Não atenta nos detalhes Prefere fazer anúncios Seguro em base nenhuma Nei Duclós

INÚTIL

Nei Duclós É inútil o poema Obscuro leão na arena Escrito em corpo ferido Difuso em perdas e danos É inútil o poema Bruta dose de veneno Guardado em cofres de vento Coberto só por neblinas É inútil quando começa A ser o que não compreende Estrela de oculta vela Sombra sobre a cabeça É inútil o poema Amor ainda na pedra Poeira sob o sapato Quarto e sala do futuro Nei Duclós