30 de dezembro de 2023

 TEXTO LIMPO, INFORMAÇÃO PRECISA


Jornalismo é entregar o ouro na primeira frase. A informação mais preciosa, a sacada mais importante, a revelação mais contundente.


Fazer suspense, fingir mistério, anunciar para mais adiante, jogar para o próximo bloco: isso não é jornalismo, é dramaturgia barata.


O texto precisa ser limpo, com informação precisa, e não seco, burocrático, duro, repetitivo. A leitura deve escorrer, mas não como incontinência verbal.


O texto precisa ser reescrito até se tornar claro em relação ao que o jornalista conseguiu apurar e esclarecer. Não se passa enigma ao leitor.


Aconselhamento jornalistico cai na tentação de fazer média com novas gerações malhando veteranos. Diga a que veio e pronto. Dá trabalho.


Dois neurônios seriam suficientes para costurar textos das hard news se eles interagissem. Mas Tico e Teco agem por conta própria em direções opostas.


O que há é empilhamento de frases que repetem a informação já dada no título. Fica uma gosma.


Precisa ter mestre dentro da redação. A linhagem rompeu-se com a soberba dos paraquedistas que pousaram no jornalismo.


Nei Duclós

28 de dezembro de 2023

IMPULSO

Nei Duclós 


Poesia é o refúgio da palavra

Seu reduto antes da batalha

Do impulso que apaga o susto


Nessa gruta se crucifica

Implodindo em si mesma

Quando então se ressuscita


Poesia é quando a alma humana se cansa

E do próprio olhar se sustenta

Como águia no alto da montanha


De lá vislumbra o desespero em carne viva

Do teu passo torto na planície 

Que procura a superfície onde Deus respira


Nei Duclós

FICAR

 Nei Duclós 


Fico por ter dito coisas

Com valor ou não

Lembradas ou esquecidas

Mas terei um lugar 

Depois do dilúvio 

Que será de mar ou fogo 

Mas que virá 


Fico mesmo assim

Pois faço parte do vento e do pó das estrelas

Porque me dedico à criação 

Desde o princípio

E não será o fim que decidirá o destino


Fico porque essa é a missão 

De quem insiste

Em repartir o pão com toda gente


Fico porque ninguém e nada existe em vão 


Nei Duclós

23 de dezembro de 2023

JOGOS

 Nei Duclós 


Marcamos o tempo com a mutação do corpo 

Sabemos de que século somos 

Quantas estações navegam em nosso rosto

E a migração dos ventos batidos em antigas roupas


Tudo se cansa  com o avanço dos anos

Novas gerações são a cura para a idade doente da terra


Carregamos a herança que um dia recebemos

E passamos adiante

Como fazíamos na infância

Nos baldios jogos que nos treinavam para a vida


Nei Duclós

20 de dezembro de 2023

GERAÇÃO

 Nei Duclós 


Idosos ficamos todos com a mesma cara

O cabelo ralo a pele lavada

O corpo redondo

As pernas finas

Olhos mortiços granulados

Ombros caídos gestos escuros


Disfarçamos tudo com a mesma indumentária 

Bermuda e chinelo, camiseta regata

Óculos de praia pose de veterano


Lá vai o velho dizem os moços

Que perdem as garotas por serem brutos

Somos a última geração humana


Nei Duclós

18 de dezembro de 2023

AMANHECE

 Nei Duclós 


Amanhece o meu amor com seus olhos dormidos

Tanto tempo longe e agora está comigo

Serena dorme firme nos lençóis de linho 

Ocupa a nossa cama outrora tão vazia 


Amanhece o meu amor, já não corro mais perigo

De viver só de ilusão refém da poesia

Ela é real como tarde de domingo

Em que íamos ao cinema na sessão das cinco

Para ver as palhaçadas dos pares românticos 

Bobos como nós, de profundo visgo 


Amanhece o meu amor que reencontrei por descuido

Numa foto perdida no oceano das mídias

Logo vi que eras tu, beldade do abismo  

Que um dia foi embora com frieza de granizo


Choveram muitos anos até o apocalipse

E quando todos os sinais eram excessivos

Surgiste de repente sem nenhum aviso


Amanhece o meu amor, acorda já é dia

Diga que o sonho enfim se realiza

Aí posso sorrir o que jamais tinha esquecido


Nei Duclós

14 de dezembro de 2023

FORA DO CÂNONE

 Nei Duclós 


Descobrimos, tardios, que todos os ídolos

eram falsos e a História era outra

e que desperdiçamos fé e vidas em ideias

que não vingaram. E que ninguém tinha razão

pois em cada evento havia apenas osso,

pele e sobrevivência, e a sesta intercalada

pelos latidos das tardes sem sentido


E o mais trágico é que não soubemos

o que fazer com essa súbita revelação

e decidimos escolher o de sempre, a ilusão

de nos enxergar como criaturas lúcidas

quando nunca passamos de seres unicelulares

estimulados por luzes elétricas

em telas assistidas por monstros


Esquecemos que poderíamos virar o jogo

amarrando os sapatos das nuvens

beijando o vento, pintando flor de modo preciso

como fazem os técnicos quando erguem pontes

Poderíamos apenas amar nossos ofícios

e não debater jamais com ogros, e se definir

por rodas de verbos em sintonia, como no cosmo


Descobriríamos a chance de ignorar as armadilhas

e dar crédito a quem foi escolhido gênio

mas jamais é reconhecido, aquele professor maldito

o peão que sabia mecânica quântica sem decorar

as fórmulas, ou mesmo um menino, escritor

de versos em asas de borboletas e que usava o pólen

para inaugurar a perspectiva fora do cânone


Nei Duclós

10 de dezembro de 2023

IMPACTO

 Nei Duclós 


Amor não tem conversa

Não discute relação 

Amor é tiro e queda


Projeto de trem bala  

Trilha na cordilheira

Lavagem de vulcão 


Você diz corta essa

Quando falo do futuro

Amor nunca se importa


Impacto de gigante

Lixo da solidão 

É namorador de rua


Amor fica por fora

Vive só por um instante

Depois passa pelo espaço 


Nei Duclós

4 de dezembro de 2023

CAVALEIRO

 Nei Duclós 


Só ao amor presto juramento

Por ser sagrado e precisa tempo

Não que eu vá assinar um documento 

Basta o dever de segurança 

a quem ponho debaixo do braço 


Ando miudinho com passo arisco

Atento à princesa, quase rainha

Não sou príncipe, não tenho berço 

E ser consorte não me reserva o trono

Melhor assim, vivo de brisa

Qualquer poesia é o meu sustento


Por isso ela me quer, entre tantos

Porque não faço questão de promessas

Basta o amor, a quem dou o exemplo

Primeiro entre os pares, sou firme veterano

Cavaleiro de letras e romance

Dono de si, mas servo de quem amo


Nei Duclós

DESCOBERTA

Nei Duclós 


Segunda feira de febre na cidade vazia

Tarde de domingo sem ninguém por perto

A não ser tua presença no mesmo quarto


Cama de suor, corpo em desalinho

Memória de um tempo de calor extremo

Sou o verão que passa tremendo

de olho o tempo todo

em teus íntimos recatos


Maiô inocente, convite à vontade

Saída do banho, toalha molhada

Metro e meio de pernas no moço covarde 


Poço de mel na descoberta

Depois da tesão a cara mais séria 

Uma aula de tango apertando a cintura

Do que é feita a mulher, delicia e tortura?


Nei Duclós

1 de dezembro de 2023

MAJESTADE

 Nei Duclós 


Quando te conheci

Fui habitado por um anjo

Não cometi mais meus erros comuns

E minhas palavras abraçaram a virtude 


Rias de mim

E isso te conquistou 

Princesa de um reino inexistente

Já que o poder fugiu da tua família 

És herdeira de um trono de sonho

E eu o consorte temporão 


A corte está em pânico, mas sem motivos

Não há mais nada a roubar a não ser o prestígio

E esse defenderei sem usar uniforme

Apenas sendo teu, majestade 


Nei Duclós

ESTRELA

 Nei Duclós 


Há tempos não via uma estrela

Estrela é um

sinal depois das tormentas

Dessas que duram semanas e esquecemos

Do teu brilho firme que existe

Desde antes da invenção do fogo 


São poucas estrelas

porque ainda há nuvens

E pontificam em pontos extremos

Lá no poente, onde o céu se curva

para tocar a terra

Ou a pino

seguindo a rota dos aviões de carreira


Muito prazer, digo meio tonto

Sou aquele de cabeça baixa

Envolvido em pesadelos


Olho para cima e te vejo

Estás distante, mas nunca indiferente

Iluminas nosso corpo 

te devemos um presente 


Toma, um poema

Ora, direis

Essa arte eu conheço 


Nei Duclós