7 de julho de 2019

DORSO DE LOUÇA E OUTROS POEMAS


Nei Duclós


DORSO DE LOUÇA

Não conteste o poema
Não porque seja fruto de certezas
Mas porque os anjos sopram
Suas sílabas sobre o vento

E as velas levantam em direção ao norte
Com o tempo fechado em todas as comportas

Deslize em seu dorso
Navio gigante que aporta numa louça
E consome a fome de perguntas



Se a política foi o motivo
Da ruptura depois do conflito
É porque não prestava o vínculo
Cultivado pelo sentimento

Dói assim mesmo, inconsequente

Não faço estardalhaço
Não chuto o balde
Nem digo que vou viver no anonimato

Não posso fugir
flor de cacto

Moro no sonho desfeito
no moinho abandonado

Tenho tantos livros
Um dia não estarão mais comigo
Farão parte do teu pão, teu abrigo
E nem lembrarás
que fiz sangrando

PASSAGEIRA

Você melhora a cada dia
Renova o sonho, fica na sua
Escreve ensaios e compartilha
Viaja ao Butão depois à India
Volta só para ver a família
Quer outro mundo e por ele briga

E eu?
Eu espero
De guarda chuva aberto o fim do inverno
Quando virás trazendo sementes
Que plantaremos em terras de conflito

Por enquanto leio tuas cartas
Passageira noturna




EUCARISTIA

Ficamos mais próximos de Deus conforme a idade avança
Não íntimos porque não existe espaço doméstico no paraíso
e ninguém toca a tunica da divindade para saber de que pano é feita

Ficamos como irmãos do Senhor a jogar dominó com os anjos
E imagino que ao chegar aos cem O trataremos como Filho

O filho que se foi na faixa dos 30 anos
Teu Filho, Senhora
Tende piedade de nós, almas desamparadas
Que roçam a heresia por viverem muito
E tudo se reduz à essência do Espirito

Desça com suas linguas de fogo
Terceira pessoa que conduz a Eucaristia
Ficamos mais religiosos
À medida que o tempo avança

Sobe aos céus a Poesia



O POÇO

Teu coração agora é de pedra
A política sepultou o teu poema
No fundo desse poço o verso grita
Mas não se salva, sonho nas correntes

Nem viste teu punho cortando as asas
Achavas que a razão te segurava
Mas és apenas um peão, uma aldrava
Fechas a ilusão sobre o penhasco

Diga uma oração, quebre o que mata
Volte à poesia, mãe de toda água
Sagrada comunhão que te resgata

Deixe o crime sem tua vocação a segurar as pontas
Veja como fogem quando despertas



TERRA FOGO ÁGUA AR

A Terra é plena
Plena de mar

O mar é a Terra
Solta no ar

O ar é o poema
Fogo de estrela



XANGRILÁ

Tua beleza me adoece
Não possuo acesso à cura
O que sinto convalesce
Nas curvas de uma aventura

Mantenho perto as bagagens
Para subir a montanha
Até a estação das neves
Xangrilá das tuas trilhas

Enquanto percorro as pedras
A tempestade do clima
Que manténs com tua conduta
Se abate em meus domínios

Ligo para alguém, o destino
Para descobrir a armadilha
Em busca de uma esperança
Que devolva a minha vida

Desça que o tempo está feio
Me diz o deus que me expulsa
Ela pertence ao império
Dos compromissos divinos

Embaixo do mau Olimpo
Toco a lira e te cultivo
Quem sabe a flor que carrego
Não me seja devolvida



BONECO DE PALHA

Você diz perdoa mas não se arrepende
Diz que não está e se esconde
Sarça ardente, leão de bronze
És personagem, cavaleiro andante
Na companhia de saltimbancos
Cuidas dos guizos, boneco de palha
Tua acrobacia é a palavra



MIGRAÇÃO

Migrei para ter outra vida
E a mesma foi na bagagem
Fugi mas precisei voltar
Ficar foi minha ruína

Fora disso
Vivi feliz onde tua flor
encontrou abrigo



MARESIA

Não importa o que digo
Mas a música que eu produzo
Palavra é melodia
Composta pelo uso

O conteúdo é datado
Pode ir para o lixo
Já a canção fica
Nova a cada crepúsculo

Cante
Aprenda a sonhar
De ouvido
Leia o som deste violino
Toco para ti, maresia




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