Nei Duclós
Cada
capítulo da série (inteira no Netflix) Mad Men (2007-2015) é a relação entre a
conta publicitária e a vida pessoal dos personagens, os profissionais de uma
agência. Exemplo: o bilionário do aço quer uma campanha que coloque seu produto
como a essência e a estrutura das cidades. Há uma briga interna entre os
executivos da agência. E vence a ideia de que o aço é a espinha dorsal da
América. Só que o capítulo mostra que a verdadeira essência da cidade, no caso
Nova York, e mais especificamente Manhattan, são as relações humanas pautadas
pela riqueza . Dinheiro e tradição dão as cartas, colocando todos na mesma
armadilha, e não o aço, que é apenas coadjuvante.
Em outro
capítulo, procura-se batizar uma conta bancária privada, que o executivo possa
manobrar sem que a família interfira. É uma porta aberta para a liberdade fora
da jaula conjugal e todos os homens envolvidos na criação e na clientela gargalham
dizendo que o esquema já existe, faltava apenas oficializá-lo. Pois bem. Don
Draper, o personagem principal da série, é uma criação publicitária de um ex-soldado
que roubou a identidade de um companheiro. Ele precisa usar seu dinheiro
escondido numa gaveta para fazer calar o irmão que cresceu e surge do nada para
desmascará-lo. A conta executiva, tão charmosa nos anúncios, serve para a
fraude.
Don Draper é
uma criação publicitária, encarnando o modelo que fuma Lucky Strike, o cirgarro
que ele inventou de chamar de toasted, para alegria do cliente. De pele
tostada, atlético, fuma sem parar, o que não o impede de fazer cem flexões
antes de dormir e arrancar suspiros como se fosse participante de uma
olimpíada. Uma fantasia dos anos 60, a época em que se passa a série, quando
não fumar não era proibido e o vício era incentivado pela indústria do
espetáculo - cinema e propaganda.
Psicanálise,
neste mundo machão, é coisa para criaturas fracas, as mulheres. Elas tem
tremores nas mãos e falam para dentro, com pânico de perder o status
matrimonial, e por isso aturam todas as traições dos maridos. Você não
encontrou o amor da sua vida, diz Don Draper para uma cliente que ele está a fim de transar,
porque o amor não existe, ele foi inventado por nós para vender meias. Está
além do cinismo e do poder masculino. Faz parte da cultura da América, é seu
nicho mais profundo, em que as pessoas são projeções das fantasias criadas em
salas fechadas.
Os
americanos são admiráveis. Ao mesmo tempo em que a publicidade é sua principal
obra, a que a define o Império que se impõe pela força , o dinheiro e o
convencimento, faz uma obra como esta em que derruba todos os mitos de um falso
charme e expõe, num clima de um filme noir, as verdades que compõem esse poder.
Nosso negócio é comprar e alugar espaços da mídia, diz um publicitário. A
criação é dada de graça, serve apenas para preencher este espaço.
Estou
revendo a série. Perfeita em todos os detalhes. A concorrência devoradora não
só no mercado, mas principalmente entre as pessoas que o alimentam. O papel
triste e limitado das mulheres no meio de um ambiente de hositilidade
masculina. Os objetos, utensílios, roupas, móveis que cercam esse universo da
ficção que, por isso mesmo, captura a realidade de uma maneira que nenhuma
outra arte consegue atingir.
Nei
Duclós