30 de outubro de 2012

MÁSCARA



Nei Duclós

Limitei-me a ti e fizeste bom proveito
agora voas conforme te ensinei
esqueces que um dia fui teu alimento
mulher sem compaixão filha do breu

Brilhas no cânone aberto por meu estro
vejo-te com clareza em pleno fingimento
 eras a tocaia mascarada de respeito
Estavas perto demais, com a mão no trinco

É para eu aprender, mas nunca aprendo
divido o acervo por ser minha vocação
depois me vejo só, como num deserto

Enquanto sobes, luar de prata nobre
por teus próprios méritos, eu é que sei
mas o amor ainda é a prova dos nove


RETORNO - Imagem destra edição: Kim Novak.

28 de outubro de 2012

CÍMBALO



Nei Duclós
 
Colho-te, perfume no horizonte.
Árvore de paisagem itinerante.
Migração de corpos. Lenços ao longe.
Beijos em papéis sonâmbulos.

Voas como se estivesses perto
planura do cosmo. Nave pêssego
Boca de alimentar começos
Não tenho pressa de tocar-te

Venha coração de feltro. Vime sonoro
címbalo ausente. Troque de posição
ao ler-me. Vetor de encantos

Sonhe como quem se manda
viagem de véspera. Rosto vibrante
Jogue a pele sob o meu comando


RETORNO – Imagem desta edição:  Elizabeth Taylor em 1957.

27 de outubro de 2012

PRESENÇA



Nei Duclós
 
Levo para Deus vossa presença
a graça dos contemporâneos
amigo sem fé, mulher, criança
andorinhas a todo pano

Da palavra fiz meu arrimo
e do coração a carruagem
vivi teu tempo, amor sublime
e por tuas mãos a eternidade

Não me permiti ser distraído
a vertigem está por toda parte
todo andar é palmilhar o abismo

Ao cruzar o rito de passagem
no destino que por fim me habita
serei a luz que recebi na origem


RETORNO – Imagem desta edição: foto de Cartier-Bresson.

26 de outubro de 2012

ALGUMA COISA ESTÁ ERRADA



Nei Duclós
 
Alguma coisa está errada quando a indignação legítima acaba sempre numa impostura, num vazio gerado dentro da barriga de um monstro.

Alguma coisa está errada num sistema de comunicação que privilegia a estética de bordel e alimenta toda espécie de crime de comportamento.

Alguma coisa está errada quando a cidadania é tratada como sintoma de debilidade mental por cretinos indiferentes.

Alguma coisa está errada numa República que está cheia de Palácios suntuosos nos 3 poderes enquanto cresce o favelamento turístico do país.

Alguma coisa está errada quando políticos gerados pela maré alta da indignação popular viram mafiosos da pior espécie.

Alguma coisa está errada quando condenam as Forças Armadas enquanto escancaram as fronteiras e o subsolo para o vampirismo estrangeiro.

Alguma coisa está errada quando a verdadeira oposição não tem representatividade e está engessada pelos truques da lei.

Alguma coisa está errada quando condenações judiciais não interferem no resultado das eleições.

Alguma coisa está errada quando desmoralizam o mito do entendimento racial e o substituem pela divisão em guetos fundados na cor da pele.

Alguma coisa está errada quando gestos honestos viram manchete.

Alguma coisa está errada quando a Justiça que quer trancafiar quadrilha pretensamente de esquerda é acusada de ser uma quadrilha de direita.

Alguma coisa está errada quando o governo se livra de todos os encargos e paga superfaturamento para qualquer serviço ou obra pública.

Alguma coisa está errada quando os assassinatos cxrescem geometricamente nas vésperras das eleições.

Alguma coisa está errada quando os apagões coincidem com o anúncia de menos impostos para o setor.

Alguma coisa está errada num sistema que o emprego depende do entupimento absurdo de automóveis nas ruas lotadas do país.

Alguma coisa está errada quando pobretões viram latifundiários graças à posse de cargos públicos e nada se faz para acabar com a festa.

Alguma coisa está errada quando um alguém deposto por corrupção é liberado dos crimes e volta na boa aliando-se a seus ex-adversários.


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Cassius Coolidge.

ESPLENDOR



Nei Duclós
 
Naufraguei dez anos numa ilha
voltei com uniforme da Marinha
me esperavas braba com sorriso
cobravas a traição com a sereia

Amnésia levou-me ao desespero
Doutores me deram por perdido
história revelava em cicatrizes
que eu me mudara para o limbo

Mas insististe, tu, que me querias
e da memória tinhas o consenso
bastou o amor como exercício

Voltei a mim, enfim, num belo dia
quando me condecoravam por bravura
e teu olhar de esplendor tocava o hino



RETORNO - Imagem desta edição: Greta Garbo. 

25 de outubro de 2012

TROVADOR

Nei Duclós


Sofri a vida toda de esquecimento
Agora lembrei: sou poeta da praça
e do vento. Obra de monumento
estátua de sal, portal do tempo
Imóvel , vejo o incêndio
que prova Deus mas não me vence

Ninguém diz o mesmo, é puro
voluntarismo, mania de querer
sem que aconteça. Inventei a lenda
dos versos que geram primavera
Estranho, sou mendigo de letras
no mercado absurdo  dos compêndios

Colecionei estrelas jogadas fora
foscas de uso, cinco marias de anjos
com elas bato calçada em ritmo tonto
trago de volta o que perdi dizendo
quando ninguém escutava e era noite
Sou trovador sem eco, muda montanha

Sobrevivo porque esqueço, assim começo
todo dia como pastor de espantos
meu rebanho são expressões de medo
que cansam da dor e viram escândalo
Quando me for, haverá conserto
o mar lembrará de todos os poemas


RETORNO – Imagem desta edição: eu em 1969, foto de Juarez Fonseca.

RASCUNHO



Nei Duclós
 
Como pode um viver assim tão rude
que é quase um morrer de tanta dor
solidão que combina com o escuro
dura rotina, rito sem sentido, religião

Ficavas aqui, compartilhada musa
domínio da luz vertida em chão da Lua
não havia em teu abraço a ruptura
nem no peito o adeus que não se foi

Dizer que estás ausente num minuto
quando olhei para o lado e se perdeu
o motivo do laço, sonho que machuca

Partiste assim, na imposição deste destino
sem que eu pudesse trocar a foto do perfil
para o poema que passa o amor a limpo


RETORNO – Imagem desta edição: Ingrid Bergman.

24 de outubro de 2012

BAÍA NORTE



Nei Duclós
 
Entre o mar e a música o longo vidro
onde me posto olhando a chuva fina
a baía anoitece oferecendo barcos
os carros pintam luzes na avenida

Sinto o que há tempos não me via
num momento de perfeita estrutura
o corpo no lugar, o respirar tranquilo
no último andar de uma paisagem nua

Diante de mim montanhas que rendilham
a cidade feita de imaginação, som e granito
o tempo mergulha na mágica segura

O que vivo agora verte num olhar lúcido
voo imóvel, viajo pensando a eternidade
vim até aqui e o universo enfim me cabe


RETORNO – Imagem desta edição: foto de Dauro Veras.

FAZIDA



Nei Duclós

Se faz de desentendida, fazida. Mal consegue segurar esse vestido.

Difícil enquanto insisto. Se ameaço desistir, acena.

Boca de chororô suspenso. Tremor fake. Teatro de maçã no escuro.

Nada a convence, nem a flor mais quente, nem o amor mais explícito. Apaixonou-se pelo salamaleque que lhe faço, imprudente.

Finge que está a pampa, mas vive marítima. Diz que é verdade, mas não assina. Jura que não me viu, e me filma. Anuncia e não me escolhe. Promete flor e é clorofila. Quer me esquecer e se molha.

Nublado estão meus olhos, dia claro. Raie para mim, afaste a tempestade.

Dance a dança do sol, dia claro. O que não queima, apenas afasta a dor de ficar sem ti.

Por mim podes te fazer como quiser. Beldade absoluta, me tens na mão sendo uma graça. E pela rara personalidade.

Ela adorou, por ser adorável. Amou, por ser amável. E pediu, por ser esse sopro feminino em minha tarde.

Conseguiu escapar de mim depois que a conquistei. No fundo era eu o butim.

Hoje é domingo, deite no sonho que cultivamos. Beije com todo o corpo de coração exposto.


PUNIÇÃO

Achei que era amor, era cinismo, que era voo, era abismo, que era sonho, era conflito.

Nada tens a ver com isso. Sonhar contigo, despertar com teu bom dia. Rompeste o laço de fita, por puro capricho.

Eu posso passar sem você. Minha única fraqueza é não saber por quanto tempo

Confundir transparência com traição é uma forma cômoda de sentir medo, de tirar do amor toda a embocadura da delícia.

Sem remorso pelo repúdio sem motivo, todos os canteiros murcharão.

Não puna um gesto de amor. Ele é inocente.

No fundo não é ciúme. É só falta de credibilidade de quem tem ama.

Viciei na brutalidade. Mas basta um toque dos teus argumentos para eu entrar em tratamento.

Custei a entender. Chama-se adeus. Um idioma que jamais domino.


RETORNO – Imagem desta edição: Rita Hayworth.


TROPEÇO



Nei Duclós

Te arrependes de ser o que te ordena
essa imposição de paixão nascida bruta
não adianta querer o que não queres
te desvencilhar do que dá sentido à vida

Não está no alvo o núcleo do problema
nem perca tempo em álibis travessos
ou se culpe por tantas tentações do laço
está fora do teu mundo o que funciona

Se fosse, não seria amor, esse rebento
que medra em nuvem além do espaço
e tropeça quando exigem compostura

Somos a comédia, prenda mais que bela
riem de nós, os duendes siderados
mas não provam o sabor do nosso abraço


RETORNO – Imagem desta edição: Marilyn Monroe.

23 de outubro de 2012

O TEMPO NO FUNDO DA REDE


 


Nei Duclós (*)

Narradores esportivos da era do rádio transformam cada detalhe do jogo num momento épico.  Para isso criam jargões que se destacam pela solene urgência de situações decisivas. Todos vibram com a voz do jornalista que soa como uma advertência: “O tempo passa!” É o desfecho que se aproxima, o título escapando pelos pés, o empate que não beneficia ninguém e o destino que se decide no miolo do drama, sob o olhar vigilante do cronista que sabe fisgar o público pelas palavras.

O que os ouvintes do rádio não viam antes de chegar a televisão eram as cenas imortalizadas em fotos que o jornalista Polidoro Junior colecionou ao longo de sua carreira e que são a essência deste livro. Trata-se de um mural dos eventos que se desenrolaram no Adolpho Konder, em Florianópolis, estádio que durou mais de meio século de vida e cedeu lugar a um Shopping Center nos anos 1980. Ao reportar este espaço sagrado do futebol catarinense, foi possível ir atrás de algo mais transcendente: a identidade perdida de uma cidade, que ainda pulsa sob o concreto dos prédios e avenidas.
Com seu paciente trabalho de coleta e seleção, o autor transforma esta sucessão de imagens num resgate do que o Brasil tem de mais precioso: a arte do futebol que empolgou os catarinenses e que representava a hegemonia do Brasil num esporte que veio pelas mãos dos ingleses e aqui se naturalizou. Baseado no valioso trabalho de pesquisadores, jornalistas e historiadores, Polidoro Junior apresenta, junto com seu acervo de fotos, a saga do estádio criado numa praia de elite e que atraiu todas as classes sociais. Emerge assim o assombro diante do domínio exibido pelos craques, a graça de participar de jogos empolgantes, e de se aproximar das estrelas que brilharam por várias gerações.

É muita coisa para se deixar à deriva. Foi preciso ir lá no fundo da rede do tempo, pegar a bola do momento inesquecível, e trazer, sob o olhar emocionado das arquibancadas, para o meio do campo. É como um final de campeonato, quando deixamos de ser um aglomerado de gente para nos tornarmos uma nação de verdade.


RETORNO -   (*) Apresentação do livro FUTEBOL, O JOGO DA MEMÓRIA: UM ESTÁDIO NO CORAÇÃO DA CIDADE, de Polidoro Junior, lançado dia 22 de outubro de 2012 no Hotel Majestic em Florianópolis, num evento de estrondoso sucesso. Além da apresentação, fiz a edição do texto. A caprichada produção visual e gráfica é de Luiz Acácio de Souza e a pesquisa de Ida Duclós. Fotos do vasto acervo do autor.. Na foto acima, o dia em que Pelé jogou no estádio Adolpho Konder, em 15 de agosto de 1972. Polidoro Junior é o menino que está olhando as chuteiras do Rei.

A POESIA É A ARTE DAS POUCAS PALAVRAS

Nei Duclós

A poesia é a arte das poucas palavras. Não das palavras escassas, enxutas, áridas, secas, torcidas como arame farpado e expostas nos eventos suntuosos que celebram os talentos mínimos. Não das palavras úmidas e sebosas que compõem a redundância do sentimentalismo industrial. Mas das palavras como pontas de iceberg, para usar uma imagem comum, mas clara. Como bóia de gigantescas redes submersas, que ao serem vistas na madrugada dizem tudo sobre o que trazem no ventre, se peixes ou sargaços.


São como estrelas solitárias antes das tormentas, que representam todo o céu ainda encoberto, promessa do que virá na bonança. Palavras precisas, mas sem precisão cirúrgica, já que a poesia não serve para retalhos, cortes superficiais ou profundos, sangramentos ou costuras. Mas com grandeza suficiente para resumir uma legião num gesto, uma civilização num jarro, uma guerra perdida ao longo de dez continentes, representada por um único funeral, chorado por quem não deveria ter sobrevivido.


RETORNO - Abertura do ensaio "Poucas palavras em Manuel Bandeira".

21 de outubro de 2012

BACIA DE CHEIRO



Nei Duclós
 

Voltaste para o nada, fogo de sardas.
Estuante rosto vermelho. Respiração
de atropelo. Murmúrio de queixas
sobre a violência do beijo. Trêmula

até não mais poder descer da cama.
Você voltou, cabelo de incêndio.
Alimentou a brasa por um instante
e sumiu de novo. Por isso tenho

a paisagem lunar no coração sem dono.
Parece um morango e na consistência
pêssego. O sumo é doce, como nas frutas

quentes. Mais não digo, para não  parecer
ingênuo. Forço a mão do soneto. Te quero,
perdição na bacia molhada por teu cheiro


RETORNO – Imagem desta edição: Juliane Moore.

20 de outubro de 2012

ÁGUA, TERRA, FOGO E AR EM NÁUFRAGO



Nei Duclós
 
Resenhei Náufrago em 2004 sem citar o roteirista, William Boyles Jr., veterano do Vietnã que fez sucesso com esta e outras produções, como Apolo 13, Polar Express e Planeta dos Macacos (2001). Escritor de primeira linha, Boyle mostra em Náufrago (lançado em 2000), um dos meus filmes favoritos, a sucessão dos elementos fundamentais da natureza para narrar uma história de sobrevivência. Esse foi o insight que tive quando vi o filme pela milionésima vez. No trecho que vai desde o acidente do avião que cai no mar até a salvação do personagem principal por um navio cargueiro, quatro anos depois, cada elemento da natureza é hegemônico na história.

Primeiro, a ÁGUA, que é o mergulho do executivo de FedEx (que oficialmente não teria pago nada pelo merchandising, o que duvido muito) no fundo do mar em plena borrasca. Nessa sequência da Água, é Tom Hanks vindo à tona com seu barco inflável, é sua navegação à deriva e , já na praia, onde começa a conviver com as ondas intermináveis, quando nada atrás de um navio que acende uma luz distante além da arrebentação. É também a tentativa de pegar peixes com uma lança,  a luta desesperada para beber de um côco etc.

O segundo elemento é a TERRA, que é quando ele aporta na ilha deserta e precisa enfrentar sua própria incompetência de lidar com a natureza. É quando ele se recolhe a uma gruta, o fundo da Terra, para poder curar suas feridas e se abrigar da chuva, da Água que o ameaça. A Terra é o abrigo, a Água o perigo. O alto pico da ilha, de onde se descortina o horizonte indevassável e se consegue uma visão clara do isolamento total, é o lugar da revelação e do desespero. Uma tentativa de suicídio no cume do monte é a desesperança fincada na impossibilidade de a Terra, elemento salvador, ter continuidade para que se possa seguir em frente. Mas no fim, a corda do enforcado abandonada lá será a tábua salvadora para a viagem de volta.

O terceiro elemento da narrativa, nessa sequência, é o FOGO, quando surge Wilson, o pequeno demônio que inspira o náufrago a conseguir a primeira chama. O diabinho desenhado com sangue na bola de Vôlei é a ruptura com uma série de derrotas. É a primeira vitória do sobrevivente rumo à sua redenção. É o fogo sendo roubado dos deuses. É o segredo compartilhado na solidariedade do novo amigo. É Prometeu ainda acorrentado, mas com esperança. O tempo é o abutre que lhe come a carne, mas o indivíduo que consegue o Fogo agora tem poder. Por isso a celebração ao estilo viking na grande fogueira que poderia servir de sinal para um outro navio que se aventurar por aqueles ermos.

O quarto elemento é o AR, quando o náufrago encontra a vela que o levará para fora da ilha. O vento que soprou para que conseguisse o Fogo também vai soprar para que possa navegar na sua balsa. A filmagem dos detalhes técnicos da expedição solitária em cima de alguns paus amarrados e ao lado do inseparável Wilson é um primor de narrativa enxuta e eficiente. Elementos náuticos, técnicos, reduzidos à extrema simplicidade, dão veracidade ao esforço racional do homem que perdeu a razão no período de longa solidão. Seus conhecimentos técnicos de navegação servem como antídoto para a loucura. O ar limpa a mente do fogo do delírio, o desenraiza da ilha e usa a água não mais como ameaça mortal, mas como veículo de uma viagem salvadora.

Toda essa brilhante sequência termina quando o pequeno diabo do fogo, Wilson, se dilui na água, some no horizonte, naufraga para sempre. A água levou seu melhor amigo e o protagonista entrega os pontos. Se livra dos remos, se deita no que restou da sua jangada e aguarda a morte. Quando surge o infindável cargueiro que desfila atrás do olhar opaco do náufrago, vemos uma das cenas mais emocionantes da Sétima Arte: minimalista, enxuta, sem palavras, apenas com gestos e o ruído magnífico do apito do navio que enxerga a vítima.

O filme é magistral no uso dos recursos do cinema. A sequência da gruta em que ele deixa acesa a pequena lanterna que fica reduzida a um foco que vai se apagando e mostrando o corpo iluminado de maneira sombria na noite infinita, mostra a primeira manifestação da manhã quando um pequeno raio de sol incide sobre seu olho. Temos assim alguns minutos preciosos, também sem palavras, em que apenas sombra e luz contam um momento importante da saga do homem que conseguiu driblar a morte certa.

Entre as várias cenas emocionantes, destaca-se a do funeral do amigo que é desovado pela água na praia. Tom Hanks precisa dobrar as pernas do morto para caber na cova, deixa a foto da família no bolso sujo da camisa, escreve o nome e data do nascimento e morte na pedra e o enterra. Outra cena sem nenhuma palavra, apenas com esse que é o grande ator do nosso tempo, seguindo o roteiro de um escritor brilhante e sob a direção segura e perfeita de Robert Zemeckis, que dirigiu Forrest Gump e duas sequências do maravilhoso De Volta Para o Futuro (a II e a III).

Queria escrever poucas linhas sobre meus novos insighs e acabei mergulhando um pouco mais neste filme que não canso de ver.

19 de outubro de 2012

VOLTO PARA A SURPRESA



Nei Duclós
 
Tento te seduzir pelo que sonhas.
É uma forma de moldar teu rosto
para que caiba em mim,
leão de montanha.

Não consigo ser menos do que humano
É meu limite aparente de outono
inventei uma estação do ano
olho tardio do sono

Faço o balanço do que não mais emociona
o tempo escorrendo à toa na distância
que cultivamos entre crisântemos
Jardim de precoce drama

Largo mão de ser o que pressinto
volto para a surpresa, susto de estrias
Percorro a noite como saltimbanco
busco minha prenda

É quando surges sem dizer aonde
mapa ignoto submerso em pergaminho
Ligas o farol de inexistente ilha
 lá reinas comigo na cama


RETORNO – Imagem desta edição:  cena de Sonhos, de Akira Kurosawa.

18 de outubro de 2012

ALFINETE



Nei Duclós
 

Não fomos feitos um para o outro, nem compartilhamos o mesmo destino. O que nos atrai é a liberdade.

Um telefonema urgente interrompeu minha conversa. Era você, carente. Precisavas de um alfinete para grudar a Lua Cheia.

O importante não é amar a esmo, como se fosses um pé de vento, mas o que podes enxergar com o sentimento. Essa visão de conjunto que decifra o oculto.

Faz de conta que não dói separar-nos por algumas semanas. É só o carro sumir no horizonte para saires desesperada com teu vestido rasgado de tão louca.

Não é amor, compromisso do sentimento, é coincidência. Só acontece em campo aberto, quando vamos em bandos fotografar as emas. De repente espichas o pescoço em minha direção, tratante.

Lençol liso, tudo arrumado? Passou a noite fora. Venha me contar antes que eu vá embora.

Tarde sem amor não faz sentido. É quando as nações declaram guerra sem nenhum motivo.

É o mito do amor, gruta íntima. Prazer do mergulho ao borrifo

Não me reconheces mais, mas o amor não mudou.


RETORNO – Imagem desta edição:  Audrey Hepburn.

LINHA DURA

Nei Duclós



O amor costura tudo.
Recompõe a armadura,
a firula.

O amor tudo costura,
a saúde na loucura,
a lágrima na doçura,
teu coração no meu.

O amor é linha dura



RETORNO - Imagem desta edição: Monica Vitti.