18 de agosto de 2005

OS FALSOS MISTÉRIOS DA CRISE




Várias pessoas se dizem ameaçadas de morte porque possuem informações valiosas sobre os escândalos da política e da economia. Como os escândalos estão escancarados na mídia, com destaque para os protagonistas, não entendo o mistério. Se a pessoa está sendo perseguida porque entrega ou pode entregar tudo o que já está visto e dito, então os perseguidores estão absolutamente explícitos, ou os poucos livros policiais que eu li nunca fizeram sentido? Os que ameaçam devem estar todos os dias em frente às câmeras, depondo, explicando, entregando, ou não? Ou existem outras pessoas, que nada tem a ver com quem aparece, que ficam na penumbra, e fazem os telefonemas a mando de mafiosos enigmáticos, por motivos ainda mais obscuros? Se o doleiro diz que enviou dinheiro ilegal para todo mundo que pediu, e está correndo risco de vida (já que morte não corre risco), e a lista dos que enviaram as remessas é conhecida desde o escândalo do Banestado, então quem estaria ameaçando de morte, hem, hem? Mistério. É uma aventura quântica. Vivemos num mundo de probabilidades, em que as pessoas entram por um túnel e saem sabe-se onde. Os fatos, as evidências, não se costuram. O que há é uma avalanche de palavras, que caem em compartimentos estanques, que jamais se tocam.

SINTONIA - Esse ambiente de fantasmagoria faz com que duas almas gêmeas jamais se toquem nas investigações. Uma é a publicidade oficial, outra são os veículos de comunicação. Se as campanhas foram super-faturadas, é sinal que eles foram super-faturadas não só na produção, mas principalmente na veiculação, que é onde a onça bebe a água. Então existe um monte de campanhas de estatais e governos e só as agências estão envolvidas? E as televisões, as revistas, os rádios, os jornais? Numa campanha, que eu saiba, entram os custos da veiculação. Quem paga é o anunciante, mas quem se encarrega é a agência (que morde os oficiais 20 por cento, se é que continua tudo como antes). Num plano de mídia entram tantos milhões para veicular no espaço tal. Isso é aprovado por todos. Se há super-faturamento, então a mídia está envolvida, já que forma com a publicidade vasos comunicantes. Ou existem per si, em separado? Agora entendo porque faz tanto sucesso a bobagem que diz: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Adoram repetir essa asneira, que ouvi pela primeira vez na Band, na época áurea do canal do esporte. Foi dito na brincadeira, para ilustrar uma argumentação. Virou lei. Claro: é preciso separar a mala de um lado e o presidente do outro, a cueca do real, o deputado do irmão líder de partido. Até o Valdemar Costa Neto entregar o acordo que envolveu o vice-presidente, José de Alencar beneficiava-se desse processo de decantação da realidade, favorecido por uma mídia de mil cabeças. Estava quieto, entrou na roda.

FURO - A mídia não faz sentido porque raciocina de maneira estanque e separada. A reportagem corre à revelia da análise (nos pontos importantes, não no marketing interno), a edição de hoje está desconectada com a de ontem. As informações sobre o acordo com o PL já tinha sido veiculado pela Cartacapital. Virou furo da revista Época dois anos depois. Os interesses manipulam esses descaminhos, mas é a fronte bipartida do pensamento que faz isso acontecer. Uma das piadas recorrentes do velho Pasquim precisa ser revisitada: raciocinar em bloco, conceituando o tempo todo. Era um deboche contra o falso pensamento acadêmico, que guiava-se por jargões. Serviu para ilustrar a falta de costura de idéias e conceitos. Quem é a pessoa mais quieta do Brasil hoje? Paulo Maluf, claro. Ele vai ressurgir, glorioso, o homem que faz e foi acusado de roubar. Preparem-se. A direita está só esquentando os tamborins. Enquanto isso, a esquerda desanda em várias frentes. O surgimento do PSOL na maré alta da crise fica parecendo oportunismo de quem embarcou na canoa furada e foi retirada dela sob protestos. A briguinha entre Tarso Genro e José Dirceu é o caciquismo petista de costas para as necessidades populares (eles acham que não).

PREJUÍZO - A propaganda dos partidos cheira mal de tanto revanchismo. Todos são isentos, inocentes. Fingem uma infantilidade ideológica, quando são, todos, decanos do pragmatismo. Tudo se negocia em política, só que negociar entre nós é uma espécie de vialania. Não se fazem negócios sem culpa. Para ter bastante culpa, dê-lhe corrupção. As negociações poderiam ser adultas, honestas e práticas, mas tudo se transforma numa bandalheira só. O que vai ficando são as caras lavadas. O presidente que se mantém firme no seu asneirol, se fazendo de vítima traída, as lideranças que procuram inocentar o executivo para tocar o barco à vontade da freguesia, o bilhão de reais liberados para os currais eleitorais e por aí vai. Situação favorecida pelos falsos mistérios, pelo mosaico de coisas dispersas. Parece aquele texto de famoso jornalista dedicado à análise econômica: cada frase era tranqüilamente entendida por todos, o que não fazia sentido era o conjunto. Vivemos num país onde a verdadeira economia é a informal, mais caixa dois, mais corrupção, mais dinheiro do narcotráfico. A outra economia, a paralela, onde vivemos com nossos salários, é uma besteirinha que sustenta a sacanagem toda. Por isso não dá para deixar as coisas transparecerem com alguma lógica. Dá prejuízo.

HUM...- Ameaças de morte? Quem será? Mistério!

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