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18 de dezembro de 2002
A verdadeira decadência
A verdadeira decadência
Nei Duclós
(e-mail: nei@consciencia.org)
(Site: www.consciencia.org/neiduclos)
O pentacampeonato provou que a crônica esportiva brasileira está em decadência. Não acompanha mais o passo dos acontecimentos e acaba sendo atropelado por eles. Não acompanha porque abriu mão, como de resto a maior parte do jornalismo brasileiro, da função principal da profissão: perguntar, para poder entender e veicular corretamente. Ao contrário, os jornalistas ditos especializados caíram na tentação de assumir as funções do técnico, sem ter a menor preocupação em entender o que ele estava falando.
A necessidade que Scolari tem de escrever um livro sobre a Copa revela que nenhum jornalista conseguiu entender a participação brasileira, exatamente por falta de ouvidos e olhos.
Não vi ninguém, por exemplo, perguntar a sério porque ele considera Juninho um atleta fundamental das primeiras vitórias do Brasil na Copa. Também Scolari não foi levado a sério quando justificou o chamado "buraco" no meio do campo porque priorizou o papel da defesa. Como todos são técnicos, ninguém quis descer do pedestal para simplesmente perguntar.
Quando Scolari convocou Kleberson e Gilberto Silva, vozes levantaram-se em uníssina revolta, como se ele tivesse cometido um crime. Quando insistiu numa zaga reforçada (onde Roque Júnior, que detonou na final, era apontado como desastre certo), ninguém apostou que ele armaria um time ofensivo. Scolari contrariou a todos porque não foi escutado, ninguém fez questão de entender. A crônica esportiva dividiu-se então, entre os que criticaram sempre - ou seja, não mudaram nunca, assumindo assim o papel que tinham imputado ao treinador, o de teimoso; e os que fizeram "autocrítica" e passaram a endeusá-lo, para pegar carona na vitória. Nenhum dos dois lados dignou-se a procurar entender as razões do técnico.
Ao contrário, muitos tiveram a ousadia de arrogar-se orientadores do treinador, dizendo que ele acabou fazendo o que os críticos apontavam. Não é verdade. Basta um exemplo: quando, pressionado pelas circunstâncias, Scolari convocou Ricardinho, houve uma tempestade de "eu não disse?" na imprensa, como se o treinador estivesse enfim se rendendo aos "fatos" (todos sabem que fato é a opinião do jornalista; o resto é mentira). Ricardinho ficou no banco e o time se acertou com o improvável Kleberson.
Scolari provou que sabe atuar dialeticamente. Ele mudou ao longo do processo porque reconhece que um time de futebol não existe "por si", como se fosse uma entidade imutável, amparado pela tradição e a convocação sem reparos. Scolari, que antes de ser campeão, foi duas vezes campeão das Américas e ganhou todos os campeonatos importantes do Brasil - estaduais e federais, tendo sido autor de um título para o obscuro Criciúma, o da Copa do Brasil - provou que um time existe em função dos adversários. Dou um exemplo da diferença de percepção entre nosso treinador pentacampeão e seus pseudo-algozes.
Ouvi impropérios contra a seleção e loas para aquele timinho do Beckham antes de os brasileiros despacharem os súditos da rainha para o aconchego das suas respectivas esposas (deixando órfão um coro de japonesas encalhadas). Depois do jogo, justificavam-se dizendo que a Inglaterra não tinha jogado a mesma coisa do que jogara contra a Argentina. Pudera! A Argentina era um time mais fraco, é claro que contra los hermanitos (sempre tão arrogantes sem nenhuma base para tanto) a Inglaterra sobrepôs-se, foi superior. Contra uma seleção melhor, a do Brasil, ficou no seu lugar de adversário batido. A dialética de Scolari - que ganhou campeonatos inteiros nos últimos dez minutos dos jogos decisivos, colocando matadores descansados e velozes como Euller ou incentivando a subida aos céus de São Marcos - é a melhor notícia do esporte mundial e a crônica esportiva brasileira passou em branco.
Isso aconteceu porque o jornalismo brasileiro é arrogante e acha que pode tomar o lugar das fontes. Porque não se coloca no seu lugar, o de mídia, meio. Porque não assume sua função, que é perguntar (já que o jornalista é aquele que nada sabe, por isso vive perguntando). Mas como são todos os reis da cocada preta, levaram um tufo por trás do tamanho do mundo.
Com copa pintada de verde amarelo e tudo. Como gritou Scolari depois do jogo contra os imbatíveis ingleses, sacudindo alternadamente os braços: Vão-se- fudê! Vão-se-fudê! Vão-se-fudê.
Nei Duclós
(e-mail: nei@consciencia.org)
(Site: www.consciencia.org/neiduclos)
O pentacampeonato provou que a crônica esportiva brasileira está em decadência. Não acompanha mais o passo dos acontecimentos e acaba sendo atropelado por eles. Não acompanha porque abriu mão, como de resto a maior parte do jornalismo brasileiro, da função principal da profissão: perguntar, para poder entender e veicular corretamente. Ao contrário, os jornalistas ditos especializados caíram na tentação de assumir as funções do técnico, sem ter a menor preocupação em entender o que ele estava falando.
A necessidade que Scolari tem de escrever um livro sobre a Copa revela que nenhum jornalista conseguiu entender a participação brasileira, exatamente por falta de ouvidos e olhos.
Não vi ninguém, por exemplo, perguntar a sério porque ele considera Juninho um atleta fundamental das primeiras vitórias do Brasil na Copa. Também Scolari não foi levado a sério quando justificou o chamado "buraco" no meio do campo porque priorizou o papel da defesa. Como todos são técnicos, ninguém quis descer do pedestal para simplesmente perguntar.
Quando Scolari convocou Kleberson e Gilberto Silva, vozes levantaram-se em uníssina revolta, como se ele tivesse cometido um crime. Quando insistiu numa zaga reforçada (onde Roque Júnior, que detonou na final, era apontado como desastre certo), ninguém apostou que ele armaria um time ofensivo. Scolari contrariou a todos porque não foi escutado, ninguém fez questão de entender. A crônica esportiva dividiu-se então, entre os que criticaram sempre - ou seja, não mudaram nunca, assumindo assim o papel que tinham imputado ao treinador, o de teimoso; e os que fizeram "autocrítica" e passaram a endeusá-lo, para pegar carona na vitória. Nenhum dos dois lados dignou-se a procurar entender as razões do técnico.
Ao contrário, muitos tiveram a ousadia de arrogar-se orientadores do treinador, dizendo que ele acabou fazendo o que os críticos apontavam. Não é verdade. Basta um exemplo: quando, pressionado pelas circunstâncias, Scolari convocou Ricardinho, houve uma tempestade de "eu não disse?" na imprensa, como se o treinador estivesse enfim se rendendo aos "fatos" (todos sabem que fato é a opinião do jornalista; o resto é mentira). Ricardinho ficou no banco e o time se acertou com o improvável Kleberson.
Scolari provou que sabe atuar dialeticamente. Ele mudou ao longo do processo porque reconhece que um time de futebol não existe "por si", como se fosse uma entidade imutável, amparado pela tradição e a convocação sem reparos. Scolari, que antes de ser campeão, foi duas vezes campeão das Américas e ganhou todos os campeonatos importantes do Brasil - estaduais e federais, tendo sido autor de um título para o obscuro Criciúma, o da Copa do Brasil - provou que um time existe em função dos adversários. Dou um exemplo da diferença de percepção entre nosso treinador pentacampeão e seus pseudo-algozes.
Ouvi impropérios contra a seleção e loas para aquele timinho do Beckham antes de os brasileiros despacharem os súditos da rainha para o aconchego das suas respectivas esposas (deixando órfão um coro de japonesas encalhadas). Depois do jogo, justificavam-se dizendo que a Inglaterra não tinha jogado a mesma coisa do que jogara contra a Argentina. Pudera! A Argentina era um time mais fraco, é claro que contra los hermanitos (sempre tão arrogantes sem nenhuma base para tanto) a Inglaterra sobrepôs-se, foi superior. Contra uma seleção melhor, a do Brasil, ficou no seu lugar de adversário batido. A dialética de Scolari - que ganhou campeonatos inteiros nos últimos dez minutos dos jogos decisivos, colocando matadores descansados e velozes como Euller ou incentivando a subida aos céus de São Marcos - é a melhor notícia do esporte mundial e a crônica esportiva brasileira passou em branco.
Isso aconteceu porque o jornalismo brasileiro é arrogante e acha que pode tomar o lugar das fontes. Porque não se coloca no seu lugar, o de mídia, meio. Porque não assume sua função, que é perguntar (já que o jornalista é aquele que nada sabe, por isso vive perguntando). Mas como são todos os reis da cocada preta, levaram um tufo por trás do tamanho do mundo.
Com copa pintada de verde amarelo e tudo. Como gritou Scolari depois do jogo contra os imbatíveis ingleses, sacudindo alternadamente os braços: Vão-se- fudê! Vão-se-fudê! Vão-se-fudê.
7 de dezembro de 2002
BRAÇO DE MAR
BRAÇO DE MAR
Nei Duclós
O mar é sempre maior
e o luar lhe faz a corte
Não há medida do homem
entre a praia e o horizonte
O mar já veio antes
da onda inventar o tempo
É ele quem trai o porto
e acende o pavio da bomba
que puxa a noite do poço
e corta os pulsos da sombra
E mesmo no sol, o mar transa
seu jogo de conveniências
suas algas postas de molho
sua escultura sem cabeça
O mar é sempre o começo
(Do livro "No Mar, Veremos", Ed. Globo, 2001)
Nei Duclós
O mar é sempre maior
e o luar lhe faz a corte
Não há medida do homem
entre a praia e o horizonte
O mar já veio antes
da onda inventar o tempo
É ele quem trai o porto
e acende o pavio da bomba
que puxa a noite do poço
e corta os pulsos da sombra
E mesmo no sol, o mar transa
seu jogo de conveniências
suas algas postas de molho
sua escultura sem cabeça
O mar é sempre o começo
(Do livro "No Mar, Veremos", Ed. Globo, 2001)
BRAÇO DE MAR
Nei Duclós
O mar é sempre maior
e o luar lhe faz a corte
Não há medida do homem
entra a praia e o horizonte
O mar já veio antes
da onda inventar o tempo
É ele quem trai o porto
e acende o pavio da bomba
que puxa a noite do poço
e corta os pulsos da sombra
E mesmo no sol, o mar transa
seu jogo de conveniências
suas algas postas de molho
sua escultura sem cabeça
O mar é sempre o começo
(Do livro " No Mar, Veremos", Ed. Globo, 2001)
O mar é sempre maior
e o luar lhe faz a corte
Não há medida do homem
entra a praia e o horizonte
O mar já veio antes
da onda inventar o tempo
É ele quem trai o porto
e acende o pavio da bomba
que puxa a noite do poço
e corta os pulsos da sombra
E mesmo no sol, o mar transa
seu jogo de conveniências
suas algas postas de molho
sua escultura sem cabeça
O mar é sempre o começo
(Do livro " No Mar, Veremos", Ed. Globo, 2001)
5 de dezembro de 2002
NO ACAMPAMENTO
NO ACAMPAMENTO
Nei Duclós
Meu pai acende a fogueira
e prepara a cama
debaixo das estrelas
A madrugada é intensa
do céu pinga o sereno
O rio murmura a surda
espera do espinhel
Ele sopra as brasas
e dorme ao som dos pássaros
noturnos
Acorda com um pressentimento
alguma coisa mergulhou
Alguém engatilhou um túnel
O que tem forma
só com o vento
roçou no anzol
como um aviso
Meu pai levanta
e sacode o mato às cinco e trinta
Um peixe imenso
espera a sua hora
no centro da aventura
Nei Duclós
Meu pai acende a fogueira
e prepara a cama
debaixo das estrelas
A madrugada é intensa
do céu pinga o sereno
O rio murmura a surda
espera do espinhel
Ele sopra as brasas
e dorme ao som dos pássaros
noturnos
Acorda com um pressentimento
alguma coisa mergulhou
Alguém engatilhou um túnel
O que tem forma
só com o vento
roçou no anzol
como um aviso
Meu pai levanta
e sacode o mato às cinco e trinta
Um peixe imenso
espera a sua hora
no centro da aventura
4 de dezembro de 2002
ESQUINA
ESQUINA
Nei Duclós
Procuro alguma coisa bela
na rua que perdeu a alma
a lua, alguma coisa nova
Procuro alguma coisa séria
a prova de que estou na terra
a estrela que não for loucura
Procuro alimentar os olhos
com a luz que brota na calçada
na curva de uma esquina clara
Procuro aquilo que me espera
o corpo que recusa o escuro
a mão que enfim me desamarra
De "No Mar, Veremos" (Ed. Globo, 2001)
Nei Duclós
Procuro alguma coisa bela
na rua que perdeu a alma
a lua, alguma coisa nova
Procuro alguma coisa séria
a prova de que estou na terra
a estrela que não for loucura
Procuro alimentar os olhos
com a luz que brota na calçada
na curva de uma esquina clara
Procuro aquilo que me espera
o corpo que recusa o escuro
a mão que enfim me desamarra
De "No Mar, Veremos" (Ed. Globo, 2001)
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