Nei Duclós
Autógrafo é mais difícil gênero literário. Principalmente
porque é traído pela memória. O autor jamais se lembra do nome do autografado
e, antes da providencial folha de papel colocada dentro do livro na hora da
venda - coisa bolada por algum gênio - precisava usar de artimanhas e
subterfúgios para descobrir o que deveria saber há trinta anos.
- Qual é mesmo o teu nome?
- Sou o Felipe, seu filho da puta.
Para isso existia o consultor de amigos, que sentava ao lado
do autografador para dizer de quem se tratava. Quando não existia esse
personagem, o jeito era fazer perguntas como “sei seu primeiro nome, mas qual
seu nome todo?” que colava no livro de estreia, mas se desmoralizava nos
lançamentos seguintes, porque o truque já era manjado.
Certo estava o famoso poeta que, de livrinho embaixo do
braço, ao chegar sua vez na fila falava para o sortudo lançador de mais uma
obra:
- Mario Quintana, dizia o fofo, pois sabia que o branco era
o terror do autógrafo.
Quando o escritor é pop, costuma usar de expedientes como
reproduzir a mesma mensagem para todos. Isso aconteceu certa vez numa noite de
gala com o Paulo Francis, que tratava a todos igualmente, isto é, com absoluta
indiferença. Para se fazer de original, tem alguns que colocam local e data, na
esperança de no futuro um arqueólogo literário possa ter subsídios para
reproduzir com parâmetros datados corretos a carreira gloriosa do sonhador.
Já houve caso em que, na confusão da noite festiva, um autor
autografou o mesmo exemplar, em páginas diferentes, para duas pessoas. Essas,
ao descobrirem a gafe, vieram pedir satisfações para o indigitado distraído,
que até hoje se bate na cara toda vez que lembra do episódio.
O certo é que o autógrafo sempre foi invejado pelos artistas
de outros ramos e é por isso que jogador de peteca, campeões de cuspe a
distância e colecionadores de borboletas da periferia do Mar Morto gostam de
lançar livrecos para assim poderem assinar para amigos e admiradores. É um
achado. Exclusivo dos escritores, o autógrafo migrou para mãos diversas, uma
menos qualificada do que a outra, mas todos felizes em participar de tão
emérito evento.
Que no fim não significa nada. Já compraram livro meu em
sebo bem autografadinho. Capricha aí, dizia meu amigo carioca debochado, e
sugira intimidade com o autor que assim o produto fica mais valorizado no sebo.
O autógrafo é uma bobagem, mas seu valor vem do que
atribuímos a ele. Tenho autógrafo até do Drummond, mas de um tipo de
dedicatória em série que ele era obrigado a fazer para os jornalistas da área,
no tempo em que precisava obedecer os ditames das editoras. Mas ficou o mimo e
posso exibir minhas joias da coroa em vários exemplares.
E me entusiasmo tanto com meus próprios autógrafos que um
dia, a exemplo do Humberto Werneck, que ameaçava lançar suas orelhas completas,
poderei reunir meus garranchos num só volume. Só que não estarei aqui para
autografar. Nem vai precisar, pois minha assinatura sofrerá de overdose
autocentrada.
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