26 de julho de 2024

NAMORO

 Nei Duclós 


Tropeço só para atrair mulher bonita

E pegar da mão com um ar aflito

O momento em comum transmite o mimo

Que o terno coração solfeja vivo


Você finge que acredita na armadilha 

E sorri compactuando ajuda

Para a plateia de desconhecidos

Que admiram o casal de improviso


Estamos namorando firme, bem campantes

mas ainda não somos amantes, digo num aviso

no almoço festivo das familias

Garanto, entretanto, que está a caminho

O amor que procuro ao andar sem aprumo


Nei Duclós

24 de julho de 2024

NA RODA

 Nei Duclós 


Não leve a mal o que eu digo

Falo no bom sentido

Não se sinta ofendido

Palavras tem seus caprichos


ÀS vezes um elogio

Com pitadas de ironia

Só para tirar a pompa

Da homenagem ao amigo

Pode ferir sem querer 

Basta perder-se no estribo


E não adianta escolher

A mais direta assertiva

O verbo gosta de luxo

E adora ser preferido


Nem devo achar que a trova

Por mais enxuta e sem brilho

Esteja a salvo das manhas

De um repente nativo


O certo é  ficar nas pilchas

Sem querer romper a roda

Passar em silêncio o amargo

Atiçando quieto as brasas


Assim nos entenderemos

Como compadres na aurora

Se preparando para a lida

Do rodeio lá de fora


Um guasca nunca se afoba

Sabe que chega a hora

Em que a adaga do inimigo 

Pode atingir a carótida 

Então vou gritar em guarda!

Para marcar um aviso

E te deixar com recurso

Diante do sacrifício 


E tua resposta será 

Depois de todo o perigo

Um aceno na cabeça 

Que agradece sem ruído 

Sem precisar testemunha


O valor de ser conciso

É o que tem mais qualidade Nenhuma literatura 

Ganha da nossa amizade 


Nei Duclós

PULSO

 Nei Duclós 


Não me preocupa o acesso à grande arte

Ele estará aberto e por toda parte

Não secará o canal que aponta o norte

Na bússola do verso ou mapa de estrelas


Não sinto medo de perder-te, portal do tempo

Posso passar ao largo por ser disperso

Mas sempre acharei um meio de cruzar o espelho


Falo por amor, não por soberba

Saber que fica além dos nossos termos

Algo maior que nos alimenta


É a certeza de termos pulso nesta tormenta

Sem fôlego, mas o coração a pleno


Nei Duclós

22 de julho de 2024

UM PASSO A MAIS

 Nei Duclós 


Um passo a mais faz diferença 

Quando caminhar é uma proeza

Ando sem pressa dobrando os joelhos

Penitente fisioterapeuta


Economizo espaço nos atalhos

Para evitar cair ou ter cansaço 

Já sei onde tudo fica pronto

Sobre a mesa ou dentro do armário


Difícil é localizar as prendas

Par de óculos ou frigideira

Quando elas somem e reaparecem

Fixas no lugar de sempre


Aprendi a memorizar o ponto

Onde se situa o que estou querendo 

Como aprendi tudo na decoreba

Basta perguntar aonde


Todos apontam o que deixei disperso

Nesta vida cheia de mistérios 

Digo então que não estou surpreso 

Eu já sabia, faltava mais um passo


Nei Duclós

ESCONDIDA

 Nei Duclós 


Se escondes teu rosto com flor 

Para disfarçar a beldade

É porque és meu amor

E não quer que ninguém saiba


Como eu nesta jornada 

Que evito mostrar a cara 

Não digo o que faço quieto

A identidade raspada


Se um dia me procurarem 

Estarei fora da área 

Junto à flor que te resguarda 

Canteiro em beira de estrada 


Nei Duclós

PERTENÇA

 Nei Duclós 


Não sei o que sinto ou penso

Por isso acho que escrevo

Quando no fundo me fecho


Não tenho a chave do cofre 

Onde guardo meus segredos

Na contra-luz adivinho

Oculto palimpsesto


À confusão eu pertenço

Mudando o perfil do verso

Escapo quando perguntam

Se sou eu esse de fato


Sou eu mesmo mas disfarço 

Uso máscara de gesso

Atravesso as geleiras

Sem cobertor ou choupana


Por que confesso meu erro 

Sem olhar as consequências?

Melhor seria manter-se 

Remando em água corrente


Mas a verdade convence

Ao levar-me sem descanso

Que ninguém sabe ao certo 

Por que raios nós vivemos


Nei Duclós

QUINTAL

 Nei Duclós 


Na frente tenho um jardim

Nos fundos tenho um pomar

Planto babosa e jasmim

Colho laranja e romã


Se depender de mim

Não saio deste lugar

Ainda sou um guri

Que brinca sem reclamar


Não devias ser assim

Dizem para me chatear

O mundo é o seu destino 

Não perde por esperar


Minha vida é aqui dentro

Lá fora, outros quinhentos

Prefiro ficar no centro

Nasci para ser semente


Nei Duclós

20 de julho de 2024

MISTURA

Nei Duclós 

Troco a noite pelo dia
Durmo na hora do almoço 
Acordo perto da lua

Vou trabalhar na madruga
Visto pijama na esquina
Puxo coberta às duas
Da tarde fria sem nuvem 

Um hábito tão bizarro
Surgiu sem nenhuma culpa
Talvez seja o meteoro
Ou as mudanças do clima

Todos notaram mas calam
Respeitam o louco da rua
Tomo banho de caneca
Quando bate a ventania

Depois volto para casa
Cumpro rígida rotina
Bato relógio do ponto
Na cama onde fantasio

Sou o próprio vagabundo
Na cidade dos distintos
Todos jantam no crepúsculo
Eu lancho na Ave Maria

Café preto com torradas 
Num avesso de alvorada
Meu corpo é roupa de gala
Minha sesta é  a poesia

Nei Duclós

19 de julho de 2024

REBENTO

 Nei Duclós 


O Tempo é pura maldade

Te ilude na mocidade

Apronta no fim da tarde


O Tempo é só conversa

Promete quando começa 

Cumpre na terceira idade 


O Tempo inventa a memória 

Depois esquece

Desperta a porção de fera

Numa hora de doçura 


Ele só teme o poema

Que lhe aplica um flagrante

E explica porque fabrica

Depois que tudo acontece


O Tempo começa antes 

De existir nascimento

Rebento que se desenha

No vento que mexe a saia


Nei Duclós

17 de julho de 2024

JURAMENTO

Nei Duclós 


Não é sincero o amor que se declara

Ele sente vergonha quando forçam a barra

Pedindo que registre o que o peito esconde 


Amor é bonde que escolhe a liberdade 

E trafega fora dos trilhos, águia sobre o monte

Anda de banda sem tocar o banjo

Cantor solo de blues, longe do público 


Rosna quando ouve um eu te amo

Sabe que é falso porque amor não fala 

Cala o que mata num relance 

Quando me olhas perdida no horizonte 

Silvo de cobra, mudo juramento 


Nei Duclós

14 de julho de 2024

VIZINHOS

 Nei Duclós 


Prefiro não entrar no teu aprisco

Onde cultivas espécies adventicias

Plantas invasoras, bizarro paisagismo

Espadas e espinhos entre flores carnívoras


Prefiro tua companhia num espaço comum

A rua do fim do bairro

A praça que já não existe 

Lá jogamos futebol ou assistimos a retreta

E não discutimos política 


Somos lados opostos a mercê dos facínoras 

Os que nos querem divididos 

E não vizinhos de muro baixo

E almoços de família nos domingos


Nei Duclós

13 de julho de 2024

SESTA

 Nei Duclós 


Não importa que eu esqueça tanta coisa

Cenas, detalhes ou poemas

Agua da montanha deixa à parte

algumas correntes distraídas 

Que se perdem no trajeto do oceano


Gotas desse desperdício 

Servem insetos e flores que não duram

Ou então deslizam pelas pedras 

do mais puro esquecimento


Foram deixadas de lado mas não se ressentem

Carregam as nuvens em dias quentes 

Lá encontram outra identidade

Para chover no que resta das lembranças

Alimento de versos sem sentido

Que não descobrem de onde vem a arte


Vem da perdição e da preguiça

Que o mundo tem na sesta das vontades


Nei Duclós

12 de julho de 2024

PRINCESA

 Nei Duclós 


Quando chega a noite acordo com as estrelas

E exerço a voz sem compreendê-la 

Porque vem de outro céu a semente do poema

Que não se revela na sua natureza


Digo que são anjos mas pode ser o vento

Broto de uma planta, fruto ainda verde 


Tudo me ignora na hora suprema 

Mas tenho Deus olhando a porta

Por onde entra a arte, vestida de princesa


Nei Duclós

9 de julho de 2024

ADEUS À MOCIDADE

 Nei Duclós 


Leio assustado sobre o esforço que alguns bilionários fazem para rejuvenescer

Eles tem medo de ficar velhos


Eu ao contrário tenho medo de voltar a ser jovem

Incomodar os pais

Falar merda colocando pessoas próximas em risco

Ir a eventos exibindo com orgulho um aspecto deplorável

Fazer desaforo nos empregos que joguei fora

Fugir dos compromissos

Descuidar da própria literatura

Esnobar amizades verdadeiras

Deixar passar as oportunidades

Desperdiçar talento achando que é coragem


Por isso sem nenhum esforço 

Envelheço devagar com uma sensação de alívio

Não que esteja totalmente curado

A qualquer hora posso voltar a cometer uma bobagem

Esquecendo meu adeus à mocidade


Nei Duclós

ACENO

Nei Duclós 


Chamam sedentário quem não sai de casa

Preso a rotinas de sufoco

Mal sabem que o Tempo nunca é o mesmo

E nele trafegamos sem retorno


Nenhuma terça-feira se equipara

Ao acúmulo de memória nesse dia

Ela inaugura, esse é o seu costume

Também não tentamos ser idênticos

Ao que fomos na última quarentena


Conversa, costumam dizer

Você só justifica sua preguiça

Vá passear, seja um contemporâneo 

E não esse arremedo de pontífice 


Pode ser, admito, mas lembro 

que cruzei o pampa de carona

E trabalhei em jaulas de leões

Em muitos anos de puro atrevimento

No veloz rodízio dos peões 


E hoje, fixo, pensativo

Assistindo todos os assuntos

Não troco meu sedentarismo

Pela conquista do Himalaia


Moro no solar da poesia

Onde o Tempo chega de viagem

E descansa perto de uma praia

sabendo que ainda continua

Como as árvores com raízes e seus frutos

Que não saem do pomar da fantasia

mas acenam para os anjos que o convidam

Para a vida em qualquer procedimento


Nei Duclós 

7 de julho de 2024

RESPIRAR

 Nei Duclós 


Leve uns versos para viagem. Não são para ler, mas para respirar.


Posso te tocar? Se deixares, me tocarás.


Te quero tanto que te pus no bolso. De vez em quando tiro para ver teu rosto. É idêntico ao presente que me deste, um doce.


Tudo é para ti, essa arte que extraí do meu silêncio, melodia que compus contigo dentro.


Não domino mais o curso dos versos que lancei ao mar. Eles aportam em ilhas do teu olhar.


Reserva um tempo para outras coisas, disseram. Eu reservo. Mas o amor é como criança, sempre se mete no meio.


A liberdade é uma prisão sem ti.


Passei rápido por você. Deixei a seus pés, como sempre, tudo o que sou, nessa passagem.


Preciso me atualizar. Vou ler tuas páginas.


Dividi a cama contigo. Te amontoaste em busca de abrigo. Depois partiste porque estavas perdida. Mas deixaste tua blusa cinza, para vir pegar em seguida.


Sabe quem te ligou? Alguém. Não disse o nome, só chorou um pouquinho.


Preciso de um coração novinho, disse ela. Aquele perdi, quando me deste o fora.


Você não cansa disso? perguntaram. Sim, mas quando descanso volta tudo, disse ele.


Meu tempo livre está preso em teu vestido.


Cultivei o correio. Reguei o endereço. Fui entregue de manhã, quando ainda estavas com sono.


Esqueci o que ia dizer. Acho que foi essa luz. Fecha um pouco os olhos para ver se eu lembro


Lês o poema que escrevi no papel em branco do coração.


Expliquei mecânica quântica naquela tarde em teu quarto. Meu toque era partícula e onda ao mesmo tempo.


Serei como um espírito. Puxarei pelo teu pé até ouvir teu grito. Aí te trarei para perto como se faz com uma flor tonta de suspiros


Pedes colo trazendo teu cheiro e teu coração ofegante para perto do meu rosto. Morro em ti, tesouro.


Nei Duclós

FUNDO

 Nei Duclós 


O Tempo tem poços de tempo 

Andamos na superfície 

Mas de vez em quando 

um redemoinho 

Nos leva para o fundo 


É quando encontramos parentes perdidos

Momentos da infância 

E o sentimento

Única prova de amor

Da nossa pobre existência 


Nei Duclós

4 de julho de 2024

DEIXO TUDO PRONTO

 Nei Duclós 


Deixo tudo pronto

Quintal com poço artesiano

Pomar de maçãs de ouro

Pedra entre água corrente

Floração de pessegueiro


Canil e galpão de feno

Um telhado sem goteira

Luar preso na varanda

Arte com toalhas de renda


Janelas de biblioteca 

Versos de amor na parede

Uma escada para o sótão Garagem com ferramentas


Bebedouro para os pássaros

Um portão lá pelos fundos

Horta ao lado das roseiras

E mais nada. Está feito


Para quando eu for embora

E deixar tudo direito

Minha porção de memória

Meu coração sem conserto


O tempo é onda que quebra

Na praia onde mora o vento  


Nei Duclós

RODEIO

 Nei Duclós 


Escrevo de qualquer jeito

Para o verso sair perfeito


Escrevo na lata

Sem vestir terno e gravata 


Não tenho mais tempo

De ficar frente ao espelho 


Não pergunto se houver rima

Não ligo se fico velho


O poema vale o risco

Só quando escrevo existo


Dizem que vida besta

Cada um tem sua sina 


Um anjo no meu ouvido

Sopra o que mais preciso


Por isso não me penteio

Nem uso sapato preto


Sou servo do devaneio

Monto verbo no rodeio


Nei Duclós

26 de junho de 2024

NA PORTA DO CÉU

 Nei Duclós 


Velhice é adaptação. 

Chamam de terceira idade e você aceita.

Vem os cabelos brancos e você acha um charme.

Começam as rugas e você não se importa.

Os cinco sentidos regridem e você acha natural.

Começa a andar trôpego e compra uma bengala.

É xingado ao volante mas você se acostuma.

Ninguém mais te dá a mínima e isto parece um alívio.

Você não sai mais de casa mas tem a Internet.

Tua geração inteira vai para o saco e você se sente um privilegiado sobrevivente.

Não dá mais bola quando perguntam se tomou o remédio "direitinho".

Diz consulte o Google quando perguntam qualquer coisa.

Sabe que a experiência não traz mais sabedoria.

Não se desespera quando as palavras somem da mente.

E aí vem o Alzheimer e você esquece tudo e se livra até de recomeçar.

Pior é confundir a própria identidade e ter de berrar para São Pedro, surdo depois de dois mil anos:

- Sou Jack o Marujo. Me deixa entrar antes que eu me esqueça.


Nei Duclós

22 de junho de 2024

PRIMEIRO AMOR

 Nei Duclós 


Quando desisti do primeiro amor

Contraído aos 13 anos sem noção 

E perdi o caminho da paixão 

Que em menino me transtornou

Desisti por me achar um sonhador 

A cultivar fantasias, por favor!

Eu não sabia que sem querer abria mão 

De todo amor que viria bem depois 


Nem que eu teria chance com você 

Bailarina do rosto sem igual

Bastaria ser só o que senti

Ao te ver em todo o esplendor


Nei Duclós

20 de junho de 2024

NA CURVA

 Nei Duclós 


Pareces de trança, em foto antiga. 

Mas são só sardas, em imagens vivas. 

Te pego na curva, com teu vestido. 

Toda de versos tecida.


Nei Duclós

10 de junho de 2024

VARAL

 Nei Duclós 


No primeiro sol expus a roupa

Que a máquina lavou de madrugada

São algumas peças, a oferta é pouca

Não encontro os modelos adequados 


A indústria trata com suspeita

Quem extrapola as medidas do esquadro

Escassa vinha para quem é grande

E não tolera números apertados


Assim fico sem meia ou sapatos 

Pois não se encontra mais 44

Vendemos tudo, dizem sorridentes

Os balconistas cretinos do mercado


Devo importar tudo da Tartária

Aqui só temos uniformes bem pequenos

E chapéus que não cobrem a carcaça


Mas o que tenho serve, mesmo que eu repita 

Todo dia a mesma indumentária 

Como a calça jeans que eu sempre usava

Quando vivia pobre sem salário 


Nei Duclós

FOLHETIM

 Nei Duclós 


Descobri tardiamente certo best-seller

Pois moro confinado num pequeno espaço 

E nunca saio fora dos redutos 

Onde conservo poucos livros sóbrios 

Os que não alimentam modismos literários 


É uma descoberta triste ver tanto sucesso

Que já não faz efeito pela ação do tempo

Mesmo que seja recente no calendário

E a fila de autógrafos ter dobrado a esquina


É como chegar atrasado no funeral do amigo

Restas flores murchas sem nenhum sentido 

O que foi homenagem agora também morre

E o sepulcro solitário amarga esquecido


Não que eu despreze o frisson das vendas

O alvoroço às vezes acerta, mas é raro

Tenho volumes preciosos em meus armários 


Normalmente isso que parece o máximo 

é apenas o recorrente marketing

Prove esta novidade você se sentirá nobre

Dentro da grande redoma do privilégio 


Melhor ficar na tua, ogro perverso

Leia a Lua, que não te engana à toa

Ela publica capítulos de um folhetim modesto 

Que são as fases que não somem nunca

Pois sempre voltam como o amor eterno 


Nei Duclós

9 de junho de 2024

GAIA

 Nei Duclós 


Ventos: a terra respira.

Rios: o sangue circula.

Mar: existe uma alma.


Montanha: Deus medita.

Lagos: os anjos se banham.

Selva: o jaguar te enxerga


Nuvens: o céu cria filhos.

Raios: gigantes rabiscam.

Chuva: o sonho descamba.


Noite: manto de estrelas.

Dia: chapéu de brisa


Inverno: o avô pega o ônibus.

Verão: um jardim de formigas.

Outono: um tio puxa briga.

Primavera: a rosa desfila


Deus: o fim é o início.

Homem: irmão de sementes.

Mulher: mudança de tempo


Praia: Netuno é criança.

Velas: há um motor na esperança.

Porto: o amor vem à tona


Sonho: o passo imagina.

Vigília: o olhar está frio.

Sono: a vida se abriga


Nei Duclós

7 de junho de 2024

OS MELHORES DE NÓS

 Nei Duclós 


Os melhores de nós foram embora

Afogados, feridos, devastados

Junto com suas cidades, animais, casas

Construídas por mais de uma vida de trabalho


Foram vítimas não do clima ou do ambiente

Mas dos demônios 

Mestres do dilúvio provocado


Hoje há um Rio Grande do Sul no céu 

Flutua nos campos e coxilhas das nuvens

Os ponchos batidos pelo vento são aves migratórias 

E a lua o olho que pisca para nós em fases distintas


Foram embora os melhores de nós 

Façamos por merecê-los 

Fomos salvos porque serviram de modelo

Da luta, da fé, da esperança 

E do amor, que é o nome próprio da terra


Nei Duclós

MERGULHO

 Nei Duclós 


A fé é profunda como o alto mar

Fico na superfície sem me assustar

Busco a praia que ainda dá pé 

Nas ilhas de submerso olhar


Ignoro as criaturas abissais

Os milagres dos santos e dos jograis

Os perigos da correnteza e do por-do-sol


Acredito que chegarei ao meu lugar

Para ser recolhido no exausto porto


Tenho fé que aprenderei a ser melhor

Mergulhador que respira por amor


Nei Duclós

6 de junho de 2024

A VOZ DO ANJO

 Nei Duclós 


Não releio, não reescrevo

Assim mantenho intacta 

a voz do anjo na letra 

Que sopra já corrigido

O escrito no Paraíso


Alguém lá deve orientá-lo 

Na sua faina esquisita

De repassar aos humanos

A incerta literatura 


É certo que não escuta

Conselhos de veteranos

Possuídos de parâmetros 

Volumes de capa dura

Recitais de enorme fama


Meu anjo jamais descura

De rasgos tonitroantes

Mas antes faz uma escolha

Prefere a profunda música 

Do verso morto de fome 


Assim encarno os cadernos

E as asas do anjo roto

Empresto só a caneta

Mediunidade fajuta


Sou o poeta das nuvens 

Onde moram os espíritos

Talvez seja eu um deles

A ditar o que publico 


Nei Duclós

4 de junho de 2024

AGRADEÇO

 Nei Duclós 


Agradeço pelo que tenho

75 anos de vida

Uma casa, uma família 


Agradeço pelo que tenho

Criado em casa da esquina

Frente ao colégio marista


Agradeço pelo que tenho

A prosa e a poesia

Em mais de 40 livros


Agradeço pelo que tenho

A fé, que não me abandona

E o sonho na biografia 


Agradeço pelo que tenho

Ter estado na Paulista

Morar em Santa Catarina 


Agradeço pelo que tenho

Uma saúde para o gasto

E um mensal benefício 


Agradeço pelo que tenho

Em cada canto um amigo 

E o prazer da fantasia


Agradeço pelo que tenho

Um país, amor maior

E gaúcho, minhas raízes 


Nei Duclós


Nota: não é meu aniversário, que é em outubro. O poema é inspirado nos sobreviventes da enchente, que agradecem pela vida. Precisamos seguir essa lição de tanto sofrimento e agradecer o que temos.

28 de maio de 2024

DO AVESSO

 Nei Duclós 


Só digo o que não vem na cabeça 


Só leio o que não me cai nas mãos 


Só escuto o que nunca pensei


Só vejo o que não consigo enxergar


Só mostro o que vou esconder


Só pergunto o que tenta calar


Só respondo o que jamais perguntei


Só tenho o que deixei escapar


Só volto quando não desisti


Só amo se for a única lei


Só sonho o que já realizei


Só canto o que nunca ouvirei


Nei Duclós

ESCREVO

Nei Duclós 


Escrevo romances esquecidos

poemas dispersos, contos ocultos

Escrevo memórias tristes

artigos aos pulos, biografias

da indústria, currículos infames


Escrevo ideias vadias

canções recolhidas no lixo

ensaios absurdos, textos

sem assinatura, literaturas

perdidas, lendas avulsas


Escrevo por puro artifício

vocação fora do assunto

compulsão doentia, servidão

de herança, situação aflita

repertório tardio, luzes pífias


Escrevo como Deus manda

quando está distraído e decide

permitir que o vício assuma

as dores da virtude. Escrevo

como quem persegue a epifania


Nei Duclós

27 de maio de 2024

TRÉGUA

 Nei Duclós 


E se tudo for perdido

Carregado pela enchente 

Cidade onde sobrevivo

País que ficou doente


Vou em cima do telhado

Com vizinhos descontentes

A roupa toda molhada

O frio, a fome e a sede

Na espera de um resgate

Que Deus há de olhar a gente 


Vou levar os meus cachorros

E um cavalo de corrida 

No barco de salva vidas

Que a garotada dirige

Anjos que os santos enviam

Das nuvens preocupados


Só levarei a certeza

De que vou seguir em frente

Do abrigo mais carente

À estrada já sem ponte 

Em direção ao destino

Do náufrago contra o vento


Em cada lugar eu me apronto

Para ficar por um tempo

O arco-íris promete

Uma trégua de esperança 


Nei Duclós

24 de maio de 2024

FÔLEGO

 Nei Duclós 


O balde cheio da memória não mata a sede sem a poesia


Esvazia meu coração o sabor salobro da amargura

E adoça com sonho o fôlego da vida


Promessa que nos faz eternos

Quando nos lembramos


Nei Duclós

18 de maio de 2024

CANCELE O POETA

 Nei Duclós 


Cancele o poeta

Não o convide para nada 

Diga: estamos lotados

Não há mais espaço 


Assim ele aprende

A ficar calado

Como ostra na água 

E pássaro amargo


Prove que é nulo

Que cultiva a soberba

Bem metido a besta

Com obra obsoleta


Ficou para trás 

Como um velho soneto

Não soube abraçar 

A linguagem porreta


Ao passar em seu rumo

Troque de calçada 

Os cães o farejam

Como um lixo na rua


Não importa se a lua

É sua musa profana

Ou se a deusa Poesia 

Quer jogá-lo na cama 


Nei Duclós

QUARTO CRESCENTE

 Nei Duclós 


A natureza não opõe resistência 

Teu fogo interior aflora na pele

Água parada se transforma em enchente

Terra molhada cheira a desejo


Por mais que não queiras teu corpo oferece

O que tu esconde em íntimas vestes

Meu sonho grudado como bicho do mato

A força que trago em torpeza e recato 


Melhor não falar tanta evidência 

Parece exagero minha imprudência 

Mas estou no limite, estrela cadente

E caio no mar como um quarto crescente


Nei Duclós

COLONA

 Nei Duclós 


Cansei de me declarar sozinho

Sem que me ouças, tão distraída

Acho que sabes que exerço o assédio 

Mas finges de amiga, extrema doçura 

Delícia restrita a um aceno de longe 

Limite do abraço que não se consuma


Bastaria um sinal sem compromisso

Toque brutal de emoção consentida

Ficaríamos prontos para o que desse e viesse 

Delírio na cama ou dança em rodízio 


Mas és arredia em teu passo de gringa 

Colona rodeada por toda a família

Que não se permite o sabor da aventura


Só me resta então mergulhar neste ofício

Em que localizo a melhor fantasia

Teu jeito de flor que parece meiguice

Mas é turbilhão de fervor feminino 


Nei Duclós

14 de maio de 2024

RUBENS JARDIM: A VOLTA DA PALAVRA

Nei Duclós 


Primeiro livro de Rubens Jardim (1946-2024) em 30 anos, “Cantares da Paixão” rompe com os diques aparentemente sólidos de um tempo mau. (Atenção: leia abaixo, na seção Extra, a bela carta enviada por Rubens Jardim comentando este texto publicado em 2008).


Nei Duclós 


A essência da tirania é interromper o fluxo do pensamento, último reduto da liberdade. As falas internas, as que se formam espontaneamente antes de serem expressas, são substituídas pelos arremedos de linguagem. O jingle que não sai da cabeça, a palavra de ordem jamais esquecida, a frase bem sacada que costura conversas, os jargões corporativos, os apelos políticos, as evidências históricas: eis um conjunto perverso que habita esse vácuo provocado pela interrupção do livre pensar.


A ele se soma a poesia, que continua cumprindo o papel de adorno de luxo, de emoção barata, de sabedoria-minuto, como costuma acontecer no atual estágio em que o trocadilho foi entronizado como insight esperto das mercadorias mais descartáveis, as pessoas. À custa, inclusive das grandes obras poéticas, que o deslumbramento sob medida transforma em lixo graças à repetição vazia, como é o caso do binômio passarinho/passarão. No mesmo recinto, suam os corpos ansiosos dos poemas metidos a besta, passaporte para notoriedades e até mesmo verbas públicas.


Esse acervo trágico é o escolho trazido pela maré alta do capitalismo de farol, o sistema que tenta se safar ao definir como bolha o que era tido como mercado até a véspera do colapso. De farol porque obriga o cidadão despossuído a lutar pela sobrevivência na instabilidade dos cruzamentos, e não na solidez do trabalho bem remunerado. No Brasil, a ciranda financeira, que a tudo reduz a pó, se aliou à longa presença de governantes apartados da cultura. Como vasos comunicantes, elas alimentam o esquecimento programado, que esvazia e reparte em postas a identidade da nação desconstruída.


Contra isso se insurgem, reduzidos ao silêncio, os poetas que mergulham na poesia com a gana de romper esses diques, mesmo que o reconhecimento fique no limbo, a obra submerja no esquecimento, se confunda no excesso de ofertas da rede virtual, ou o livro tarde. É o caso de Rubens Jardim, que lançou “Cantares da Paixão” (Artepaubrasil, 159 páginas), seu primeiro livro em 30 anos, um arsenal poético fartamente ilustrado e que vem em socorro dos que não se entregam às imposições das falas oficiais. Apesar da auto-imagem do poeta ter sofrido o impacto da indiferença, tanto é que se considera “menor” (vício da crítica literária inventado por Antonio Candido), este livro é um conjunto de assombros.


Não apenas pelo lugar que Rubens Jardim ocupa, de fato, na literatura brasileira, desde os anos 60 ao participar como protagonista da movimento Catequese Poética, liderado por Lindolf Bell, que inaugurou no País o evento cultural de massa em praça pública. O poema manifesto, tornado tradicional pelo tempo transcorrido e resgatado agora na memória impressa, é apenas um aspecto de seu trabalho. O mais importante não é sua “pertença”, sua biografia poética, mesmo que o núcleo de onde surgiu seja de citação obrigatória. O fundamental, em Ruben s Jardim, é o deslocamento do poema para fora da linguagem, o que é feito com maestria, no uso da palavra conhecida e na eventual quebra silábica do discurso.


O poeta reconhece: “Parca é a palavra./ Este é o celeiro-livro/ na livre escolha/ esquálida/ das espigas.”A colheita escassa no inventário do verbo sem nenhum poder empurra o poeta para longe do poema, transformando-o num catador de estilhaços, os restos de algo irreparável.


Impossível reproduzir numa resenha o impacto do trecho final do livro, que homenageia o primo tragicamente morto na queda de uma janela. O título é “Estrepitoso estrepe” e podemos selecionar alguns momentos, sem reproduzir o design dos versos na página: “Tenho velado nestes 50 anos a tua queda e não consigo remover do chão as marcas do teu corpo nem comover os degraus na escalada da tua morte. Hediondo instante. Você me deixou mais só diante do raio da rua e adiante de mim mesmo, irretratável realidade”.


Um soneto admirável na página 78 é mais um exemplo desse jogo que ele prefere decidir na arquibancada, ou na várzea, enquanto o campeonato corrompe o meio do campo: “Toda mulher é uma viagem/ ao desconhecido. Igual poesia/ avessa ao verso e à trucagem,/ mulher é iniciação do dia,/promessa, surpresa, miragem./ De nada adiantam mapas, guias,/ cenas ensaiadas ou pilhagens./ Controverso ser, mulher é via/de mão única, abismo, moagem./ É também risco máximo, magia,/ caminho íngreme na paisagem./Simplificando: mulher é linguagem,/ palavra nova, imagem que anistia/ o ser, o vir-a-ser e outras bobagens”.


Fica estranho dizer que o poeta se coloca fora da linguagem para lá encontrar a essência, a origem, o sabor, a história e, agora sim, o pertencimento da palavra. Mas essa é a solução encontrada pelo talento, esse mistério da sabedoria. O que vale é fazer parte de um povo e não de um grupo, mesmo que um seja representação do outro. Misturar-se ao caos primordial onde o verbo tem a força da criação e faz parte das rotinas é talvez do sonho de todo poeta, um árcade por excelência, pois sabe que da natureza flui o poema. No convívio com a terra, esse universo não literário, é que a poesia se salva. Em Jardim, há inclusive uma Marília de Dirceu: “Anarda era imprevista como as provisões, o pasto, o repasto. Prato bipartido Anarda se unifica: seu próprio rosto é um retrato.” Ou : “Anarda era uma viagem dentro do tinteiro. Cor e acorde, Anarda era uma âncora dentro do tinteiro. Antes marco e agora traço, Anarda é signo, insígnia, dentro do tinteiro.”


A consciência de que perdemos a batalha da linguagem, que as falas impositivas imperam na paisagem da cultura em ruínas, faz do poeta um outsider inclusive de si mesmo. Não que renegue o que fez ou tenta fazer. Mas porque insiste na busca e descobre que ao retirar-se, encontra. Nessa luta se desloca, sai para fora do mundo reconhecido. Como Jardim consegue ser um poeta do eu, como dizem, confessional a maior parte do tempo (seu grande poema para o pai expressa essa opção), se ele abandona a casa conhecida da poesia?


Sua escolha é consciente, a ruptura é fruto de árdua reflexão e exercício. E o deslocamento acontece como resultado desse esforço. No livro, uma longa entrevista foi incluída, demonstrando a complexidade de sua reflexão. Ao se manter fiel ao trabalho poético, sem vislumbrar nele nenhuma utilidade, Jardim reencontra o impulso do papel do poeta, mesmo sem usar a máscara que deveria defini-lo. Encontrar um lugar comum (de todos) fora da mesmice é uma contradição bem ao gosto da máxima de Torquato Neto: “Leve um homem e um boi ao matadouro. Aquele que berra é o homem, mesmo que seja o boi”.


Ao contrário de quem se entregou à tirania da falsa linguagem, Jardim exercitou o berro. Sorte de quem lê ou ouve: sua voz é melodiosa, e tem a vibração de uma passeata, aquele movimento coletivo de rua, que era aclamado nas sacadas da nação ainda esperançosa. Com “Cantares da Paixão”, a palavra, que tinha sido expulsa, voltou, como se ainda fosse possível reinaugurar o milagre.


EXTRA : RUBENS JARDIM LÊ ESTA ANÁLISE DA SUA POESIA:


"Nei, meu caro. Nunca na minha longa trajetória poética, alguém escreveu algo semelhante. Não sei explicar, mas você tocou em pontos sensíveis da minha alma. Gostei muito da contextualização da tua análise. Também sinto esse acervo trágico da emoção barata e da sabedoria minuto. Mas nunca havia pensado que os meus poemas estivessem alinhados na luta para romper esses diques e as imposições das falas oficiais.


O certo é que esta tua resenha é que é um conjunto de assombros. Desde o título, A VOLTA DA PALAVRA, até seus afinados desdobramentos,você conseguiu me remeter de novo ao grande Jorge de Lima. Ele já escreveu, em poemas inesquecíveis, algo bem aparentado com o teu brilhante e afiado discurso:


"As palavras envelheceram dentro dos homens

separadas em ilhas,

as palavras se mumificaram na boca dos legisladores;

as palavras apodreceram nas promessas dos tiranos;

as palavras nada significam nos discursos dos homens públicos...

E, por acaso, a palavra imortal há de adoecer?

E, por acaso, as grandes palavras semitas podem desaparecer?"

11 de maio de 2024

PERSONAGEM

 Nei Duclós 


Amor é uma personagem

Que uso na poesia

É limite da linguagem

Fruto da fantasia


Portanto não acredite

Na manha do verso livre

É carta que jogo fora

Sem endereço da escrita 


Não colecione envelope

Que ostenta letra cursiva

É só um livro sem margem

Que nem a lua confia


Assim mesmo, não desista

Nem tudo é só desperdício 

Sou urso que tua graça 

Num segundo domestica


Nei Duclós

NA CASA FECHADA

 Nei Duclós 


O barro barra o barco

Do bombeiro Bira

Que segue a pé com seu grupo

Na busca de sobreviventes


Mas em terra o cenário muda

E confunde o local exato do voluntário salvamento 


Foram obrigados a abrir todas as casas 

Enquanto cruzavam o lodaçal

Cada um amparando o outro


Ninguém ficou para trás 

Até que ouviram alguém conversando 

Num tom surdo de janelas fechadas


Descobriram então uma filha deficiente deitada ao lado dos pais mortos

Que não resistiram ao esforço de salvá-la 


Com brutal hipotermia estava sendo tragada pela água

Na despedida que fazia a meia voz com o casal submerso


Voltaram com a mulher nos braços já na noite chuvosa que encerrava o dia cinzento


Era impossível voltar ao barco

Foram salvos por um helicóptero

Que fez maIs de uma viagem para levar o grupo para um lugar seguro


Isto não é um poema

É muito mais

É o relato do bombeiro Bira e seu punhado de bravos


Nei Duclós

O QUE É

 Nei Duclós 


O que é o amor?

É o medo de te perder

Ou de jamais ter você 


É como enchente de rio

No chão que não dá mais pé 

O barco das nossas dores

Recolhe as flores submersas

E não sabemos porque


O amor é uma tragédia 

Que parece não ter fim

Navegamos na esperança 

De um dia não ser assim 

Mas somos doidos teimosos

Concha grudada em navio


Nei Duclós

6 de maio de 2024

O PAPAGAIO AZUL

 Nei Duclós 


Estranhei a presença de um papagaio entre os animais resgatados na enchente. Era um exemplar único entre gatos e cachorros apavorados pela solidão e a morte iminente. Já o papagaio mantinha a postura de um idoso sábio,  conformado com a situação  coletiva, talvez por não esperar mais nada ou pela dor da perda de   contato com seus donos.


Estranhei por ser ave solta e que em tese poderia voar, dispensando o auxílio prestimoso dos voluntários  civis, que improvisaram equipes de heroísmo diante da omissão da farda.


Sedentário e mudo, havia o agravante de ser azul,  contrariando a tradição da espécie, verde, que tem indivíduos chamados de Louro.


No embalo da canoa precária, o papagaio azul era a imagem da impotência em meio à tragédia. Não tinha função nenhuma, pois não servia mais de adorno proibido por ser silvestre, nem divertia as visitas dizendo nome feio. Não dispunha de um ombro de pirata para fingir poder  e também não era um clássico papagaio fanho de anedota.


Era uma criatura deslocada, como nós. Não pertencia à  natureza, da qual nunca fez parte por ter se originado no cativeiro. Não tinha uma casa, levada pelas águas. Era só um papagaio azul rumo a um abrigo, onde continuaria só,  como um náufrago que se pergunta porque continuava vivo. É possível que tenha escapado apenas para ser capturado pela crônica de um escritor veterano e bizarro, que também permanece respirando, engolindo uma quantidade enorme de palavrões.


Nei Duclós

3 de maio de 2024

FORA DO FRONT

 Nei Duclós 


Deixei de escrever para pegar em armas.

Fui ferido na primeira batalha.

Correste para o hospital como voluntária.

Ditei então os versos que copiaste

para depois transformá-los em curativos.


Tive alta, junto com o resto da tropa.

Voltamos para casa na garupa

de caminhões sem assentos ou molas

Estavas feliz, segurando meu braço ferido

eras a única luz diante dos camaradas


Cantamos canções perdidas e um a um

fomos descendo em vilas que sobreviveram

Ficamos por último e já era muito tarde

A Lua, curiosa, espiava por trás do telhado

Vou preparar um chá, disseste. Que sorte

que estamos juntos depois de tanta guerra


Nei Duclós

2 de maio de 2024

SAIO CEDO

 Nei Duclós 


Estranhas que te amo e saio cedo

Antes dos pássaros da manhã gloriosa

Como um fugitivo de nosso compromisso

Levanto acampamento sem desmontar a lona


Ficas chorona, não sabes ao certo

se volto ou se te esqueço agora

E qual é o emprego que mantenho

Quando libero os navios da barra


Não sabes o que fazer comigo, liso amante

É como no cânone do meu sindicato

Faço direito mas não me reconhecem

Reclamam que eu canto canções de outro tempo

Enquanto consigo o melhor resultado 


Esperam que eu desista ao ser cancelado

No árduo trabalho de físico acervo

Assim voltarão aos seus afazeres

Com a importância de não fazer nada


És diferente, tens noção da hora

Em que levanto ao nascer do dia

Pronto para assumir a velha batalha

Mas cultivas o mesmo ressentimento


Só que contigo minha fuga é aparente

Neles eu enterro qualquer providência

E em ti no fundo nunca vou embora


Nei Duclós

1 de maio de 2024

VERSUS

 Nei Duclós 


Era ele versus a censura, a opressão, a ditadura

Foi-se junto com o século por camaradagem a seu tempo


Marcou presença no coração dos contemporâneos 

Nós, seus observadores, convocados por aquela estranha coragem

Queríamos lutar e não tínhamos armas

Queríamos dizer mas nos faltavam palavras

Estávamos confinados no nosso frágil querer

Até que nos tornamos seus colaboradores

 

Não porque era um líder, pois não cultivava o heroísmo

Mas porque nos ensinava a não baixar a cabeça

E levantava o olhar acima da percepção  coletiva

Que ele colhia misturado ao espírito sagrado do povo

Sem demagogia, apenas com a liberdade


Marcos Faerman

O  nome próprio do jornalismo

A profissão que pergunta

O ofício que enxerga

A ocupação que nos falta

Em cada quadra da nação que tropeça 


Nei Duclós

12 de abril de 2024

ÚLTIMA VIAGEM

Nei Duclós 


Somos colhidos na terceira idade 

Não pelas dores, que já fazem parte

Ou pelas memórias, fio de Ariadne

Que no tempo, labirinto, nos leva ao Minotauro


Ou pelo respeito na postura provecta

Ou pela honra, biografia correta

Mas pela falta de liberdade, mais uma vez presente

Nas garras do pavor e das perdas


E pelo espanto de ver tanta amizade

Ser corroída pelo plantão amargo

De palavras que eram nosso sustento

E hoje prestam gestos de ombro, armas

Nos escombros de falsas ideias 


Temos assim a sensacao de abismo

De deixar tudo por fazer, puro desperdício

Faltam-nos forças, apesar da lúcida coragem

De sonhar, nossa última viagem


Nei Duclós

11 de abril de 2024

JACK EXTRAORDINÁRIO

 JACK O MARUJO


José Eduardo Degrazia 


Nei Duclós é um escritor reconhecido por seus livros em poesia e prosa, entre eles o já clássico Outubro, que para muitos é uma referência de nossa geração. Mas aqui quero falar deste extraordinário livro de microcontos, aforismas, pensamentos, poesia, As Aventuras de Jack o Marujo, livro publicado recentemente pela editora Almedina. Neste livro Nei alia o humor inteligente, a perspicácia, ao senso narrativo e poético do grande escritor. O resultado é uma prosa poética de altos decibéis, onde o personagem Jack, o Marujo, sincero como é, nos brinda com tiradas de efeito, pensamentos, frases inesquecíveis. Na maioria das vezes não politicamente corretas - podemos muitas vezes não concordar com ele -, mas sempre saímos conquistados por sua irreverência. Jack o Marujo, é, desde já, um grande personagem da nossa literatura.

29 de março de 2024

DESESPERO

 Nei Duclós 


Quando o amor se manifesta?

Quando prega uma peça e nem parece amor

O olhar distraído navega na floresta dos desencontros em anônimos aeroportos 


O momento fica no fundo e não se despede

Até o acaso amarrar de novo as pontas


É desesperador o sentimento

Pelos países em guerra


Nei Duclós

SOBRA

 Nei Duclós 


Sentimento é sempre sofrimento

Esse mel coalhado no peito

Essa água que não se derrama

Esse querer a todo pano

Que carrega o piano

Onde a vontade inventa bachianas

E tudo é um rolo que leva adiante

As virtudes do tédio 

E nos deixa sós com o que sobra de humano


Nei Duclós

28 de março de 2024

MIGRAÇÕES

 Nei Duclós 


Hoje já é quinta-feira

As semanas passam voando

Como patos em bando

Nos céus do pampa na minha infância 

Em sólida formação militar

Intermináveis e sucessivos esquadrões de aviões emplumados


Engraçado 

Não vejo mais essas migrações 

Teriam os pássaros virado semanas?

O Tempo à procura de um clima mais ameno?


Nei Duclós

25 de março de 2024

COREOGRAFIA

 Nei Duclós 


Admiro o balé, adoro o flamenco

A graça e a contundência do movimento

Seja quem dança homem ou mulher


As pernas que trançam, as ondas dos braços

O corpo em espiral, os joelhos que voam

Na ponta dos pés, nos dedos mais longos

Gerando espaços nos limites do palco

Ou mesmo na rua para os que passam


Não tenho mais jeito no peito ou nos ombros

Não alcanço com a idade esse antigo sonho

De ser pé de valsa com a debutante 

Fazer no cinema o que vi antigamente


Mas tenho a palavra com a força dos anos

A palavra fala por mim, e me desenha

Eu pulo até aonde o amor me convence


Nei Duclós 

19 de março de 2024

FORA DA LINHA

 Nei Duclós 


Tanto lutei que cheguei na terceira idade

Dores no corpo e falta de memória 

Carro emperrado na estrada dos desejos

Dormindo antes do fim do aniversário 


Todos garantem que a festa é agora

Você concorda para não ser acusado

De estraga prazeres, velho desgraçado


Agora me diga se valeu a pena

Viver tanto tempo para ser jogado fora

Se ao menos se calassem, porca miséria 

Pois não fiquei surdo e ouço barbaridades

Acham que já morri enquanto te namoro

Com o poema que escrevi na tua pele de mármore 


Nei Duclós

16 de março de 2024

PACIÊNCIA

 Nei Duclós 


Renuncio à minha parte, não por estar cheio

Estou em falta de tudo o que preciso

Ou mesmo por querer exibir-me a pleno

Quem me vê bem sabe o pouco que tenho


É de outra natureza esse súbito  desapego

Excesso de experiência talvez ou a idade

Só sei que diminuo em necessidade

Enquanto cresço intenso com o passar do tempo 


Perdi demais, essa que é a verdade

Exigindo porções maiores ou iguais

No fim é sem importância, o que de fato vale

É descobrir no Outro o que nos transforma

Muito além do  corpo e sua fome


Viver é o que está fora, estranho da vontade

Custamos a entender o foco da obediência 

Sorte que contamos com a divindade 

E a sua paciência, aluna da renúncia 


Nei Duclós

15 de março de 2024

GOLONDRINAS

 Nei Duclós 


Mayor

Las mujeres te llevan por las calles

En manos de luces y  sombras 


Tienen

 las espaldas   nudas

Y tu el rostro de piedra


Son golondrinas en tu nido de  viejez

Y tu el que sobreviviste de tanto amor


Mayor


Nei Duclós

12 de março de 2024

FAROESTE

 Nei Duclós 


Era bom pensar que você sabia pouco 

E que havia inocência mesmo não havendo 

No fundo era eu o pobre ignorante 

Mas fazia pose de herói das pradarias


Do amor naquela época ainda adolescente

Eu descobria aos poucos e jamais te revelava

Como se fosses moça sem noção alguma

Podias me ensinar mas preferias a prudência 


No fim tudo deu certo, sardas em fogo

O aperto sem querer na festa de família 

Em que, vizinha, fazias um pedido

Secreto na hora de alguém cortar o bolo


Querias o meu beijo, garoto inexperiente

Que não sabia beijar e vivia imaginando 

Um dia me pegaste dentro do cinema 

E foi aí que te alcancei no bruto faroeste 


Nei Duclós

2 de março de 2024

O CORPO

 Nei Duclós 


O corpo sabe fazer 

É seu próprio professor

Não dá lição de querer

Não esconde sua dor


O corpo encontra sua vez

Marca presença na flor

Não desiste de vencer

Não evita o corredor


Chega quando é destino

Enxerga o que é legítimo 

Conduz mesmo à revelia 

Te diz quando não escutas


O corpo funda o prazer 

Na hora do sacrifício 

Por mais que fujas do amor

Ele carrega o infinito


Nei Duclós

24 de fevereiro de 2024

FICOU TARDE

 Nei Duclós 


Agora ficou tarde

Véspera da manhã 

Quando tudo se parte 

A flor da romã no chão se retorce

Por não chegar ao fruto

E todo teu corpo não acha onde pisa 

É só desperdicio

Teu tempo se acaba

Ao perder a razão 


Faça uma oração 

Que tudo voltará 

Como o vento se molha

Ao lembrar quando chove


Nei Duclós

22 de fevereiro de 2024

 Chegou o reparte de Autor. Edição caprichada!

Obrigado Deonísio Da Silva ! pelo trabalho primoroso de edição.

Obrigado Grupo Almedina!

AINDA MOÇO

 Nei Duclós 


Não me importo mais em enxergar

pouco. Ou misturar os sons

que já nem ouço. Ou ser chamado

de sonso. E não ter paciência

para o jogo que o dia obriga

na disputa do osso


No fundo é tudo esboço

de uma vida futura, pelo avesso

quando o mundo exaure enfim

seus hábitos e torna-se o que sempre foi

absurdo.


Por isso não se despeça quando eu estiver

morto. Não estarei no aeroporto

para te tratar de hóspede. Nem no funeral,

apenas o corpo. A alma também partirá

para um recomeço num lugar onde a memória

não possui passaporte


Estou pronto, aproveite que ainda sou

moço. E tenho esse dom à mostra

que é a palavra sem rebuços, arte

que aprimoro para dizer o que sinto


Nei Duclós

16 de fevereiro de 2024

O CORPO

 Nei Duclós 


O corpo procura seu próprio caminho

O espaço de cura entre a flor e o espinho

A rima mais pura da sua poesia


O corpo reage no oculto cassino

Que rege a conduta de um jogo já visto

As fichas vendidas na sorte sem rumo

Talvez seja morte, talvez seja vida


E por milagre ele então ressuscita

Da coma na idade, sem assinatura

Aposta alegria quando tudo está sujo

Ou cede à medida que o tempo permite


O corpo é a palavra que dorme no fundo

E deixa que as falas façam tumulto 

Um dia ela acorda no seu paraíso

E diz para Deus: sou tua profecia


Nei Duclós

15 de fevereiro de 2024

0 CAMINHO

 Nei Duclós 


O que eu guardo explode

O que mostro esqueço 


Estou dividido

Entre a linha reta

E o labirinto


O que digo escrevo

O que apago começa 


Em cada porta espio

No meio da estrada 

me atiro


Refém do destino

Separo

Alguém me mostre

O caminho 


Nei Duclós

11 de fevereiro de 2024

ÚNICA ESTRELA

 Nei Duclós 


Todos temos uma paixão secreta pela única estrela

Nem tanto pelo brilho que emana no tempo torto

Que a destaca perfeita no pobre firmamento

Feito de restos de corpos celestes e tristes satélites 

Nem pela voz que entoa como anjo cantos gregorianos

Ou pela pele de seda que expõe em fotos nas praias remotas


Mas porque vemos nela  a perdida e última chance

Do amor que nos devem

injustos pela vida inteira

E que nos negam por sermos ainda seres humanos

Desperdício de sentimentos anônimos sem pouso de aves que não voam


Nei Duclós

3 de fevereiro de 2024

ADUBO

Nei Duclós 


Há o risco de nada termos feito

No balanço de nossa vida inteira

A obra se esfuma junto aos dias 

E o rastro, testemunha, não registra


Todo tempo serve para perdê-lo 

Mas talvez seja essa a descoberta

O nada que fizemos é o que conta

Como adubo do plano para a esfera 


Nei Duclós

2 de fevereiro de 2024

DISCUSSÃO

 Nei Duclós 


Discuto o tempo todo com os objetos

A porta que bate com o vento e me encerra no quarto sem ar suficiente

As camisetas sempre do avesso por mais que você tente fazer certo

As roupas que  nunca secam quando precisamos

Os talheres que caem no chão 

O acúmulo de livros nas estantes

Os travesseiros desconfortáveis por vocação 

O portão que não fecha

As janelas que não abrem

Os trincos que emperram

Os canos que pingam sem parar

O quintal que produz uma selva por mês 

As paredes úmidas 

As baterias que vivem no osso exigindo recarga


Os objetos são voluntariosos

Fazem o que querem

Sorte que não  retrucam

Por enquanto 


Nei Duclós

1 de fevereiro de 2024

LUA FIRME

 Nei Duclós 


Enquanto houver lua

Haverá esperança 

Mesmo que o rosto traia desconfiança 

Mesmo que meu sonho ainda criança 

Tenha medo de crescer


Se ela está firme no céu e se movimenta

Coordenando a desregrada rosa dos ventos

É porque assim está escrito nas estrelas

E nós pobres românticos

Somos reféns das marés e suas mudanças 


Quando ela surge no quintal e tira um selfie

É porque ao mesmo tempo me garante

Que tudo está certo 

mesmo que não aparente


Nei Duclós

22 de janeiro de 2024

RUPTURA

 Nei Duclós 


Fazes ideia de mim pelo que escrevo

Sem saber o que guardo quando estou ao vivo

Portas fechadas, projetos suspensos 

E brutais fantasias que não dão sossego


Flores do jardim são testemunhas

Que eu ignoro o cão e xingo os vizinhos

Ninguém me suporta no verão sem camisa

Nenhuma paciência com as mudanças do clima


Assim vives a ilusão do poema

Quem me dera ser esse ser tão seguro

Onde cada palavra evita a ruptura


Não deixe de amar o que diz a poesia

Mas tenha cuidado e não se aproxime

A não ser que nada mais te assuste

Amor que eu cultivo quando não tenho saida


Nei Duclós

DIVISÃO

 Nei Duclós 


Faço café para me dar sono

Pão de frigideira e a doce stevia

Daqui a pouco amanhece e estou inteiro

O dia desperta na segunda feira


Reporto meus hábitos noturnos

No ritmo que dou aos procedimentos

Ninguém tem nada com isso mas compartilho

Talvez porque faça companhia aos outros


Navego isolado no tempo a refeição 

Que são os momentos sem nenhuma pompa

Como um soldado que divide a ração 

Porque só assim haverá sobrevivência 


Nei Duclós

21 de janeiro de 2024

DEFEITOS

 Nei Duclós 


Quem me quer não entra

Quem eu quero não alcanço 

Sou da Criação o caroço 

Contra-mão no trânsito 


Faltou educação, no laço 

Cresci fora do norte

Esboço de um mata-borrão


Seco a tinta da canção 

feita de louça 

Nenhuma palavra vale o esforço 


Digo isso para te agradar,

perfeita moça 

Defeitos que te fazem a cabeça 


Nei Duclós

19 de janeiro de 2024

SÚMULA

 Nei Duclós 


Faço música na surdez do mundo

Sílabas que não escutam

Canções em estádios ocultos


Sou o flautista que promete o abismo

E jura que existe uma ancestral melodia

Que tudo revela no horizonte mudo

Profunda poesia na harpa dos minutos


A partitura se desfaz na pauta das nuvens

Morre o eco que poderia ter dito

A provar a súmula jamais escrita


Componho como quem surta

Sem voz apesar de peregrino

Só alguns pássaros adivinham

E cercam tontos de voo

Meu ofício que teclo teimoso

Num órgão misterioso em catedrais do divino


Nei Duclós

18 de janeiro de 2024

TRABALHO

 Nei Duclós 


Faço do jeito que eu quero

Esse é o meu trabalho

E não é desaforo

Nem expediente

Para espantar o sono

É o que aprendi

No tempo em que vivi sobre a terra 


Muito já perdi

Na descida do morro

Mochila ficou para trás 

Casa sem nenhum adorno

Hábitos de monge

Virtudes jogadas num canto


Apenas a livre expressão de um veterano

Estive na guerra, digo quando canto


Nei Duclós

ILUSÃO

 Nei Duclós 


Não lembro mais o teu nome

Nosso tempo evaporou-se

Cada época tem seu jeito de querer

Antes eram raízes, amor para toda vida

Hoje é fumaça, neblina

Amasso de balada

Feito só de palavras

Os corpos que se revelavam

Agora permanecem ocultos


Diziam que os românticos viviam de ilusão 

Mas eram sonhos pautados por presenças 

Nossos namoros nem isso mais são 

Quem nos dera a doce ilusão 

Pelo menos os poemas eram melhores


Nei Duclós

15 de janeiro de 2024

SOMBRA

 Nei Duclós 


Procuro esquecer o sonho que tive

Não forço a memória na porta do outro mundo

O esforço poderá me trazer de volta

Algo que não tive e parece ter força


Cenas e personagens que se misturam na mente

Coisas bizarras, sinais ainda quentes

Vidas passadas e crimes possíveis

Nunca saberemos o que existe no éter


Prefiro a normalidade do sono profundo

Em que nada acontece e mergulho sem culpa

Moro num lugar onde não há mistério 

E ninguém interfere, barulhos ou truques


Acordo onde dormi, natural vagabundo

Não pesquiso o destino oculto e do avesso  

Não dependo de ti, presença da sombra

Basta ser um louco da minha literatura


Nei Duclós

13 de janeiro de 2024

CANTORES DO LEVANTE

 Nei Duclós 


Primeiros pássaros não adivinham qual é o dia da semana

Se vai chover ou o clima ficará ameno

Nem em que época do ano nós estamos


Só sabem que no amanhecer são eles que fazem planos

O grão que irão colher ou qual porção de grama

Vai abastecer o ninho ou o equilíbrio do voo


Nem podem adivinhar que a vida dure um só dia

E que não haverá mais a mínima chance

De novamente anunciar o sol que no levante

Acorda a terra para os pios de plumas flutuantes 


Pássaros da primeira hora não possuem poder de mando

Apenas cantam como se não houvesse mais amanhã 


Nei Duclós



10 de janeiro de 2024

CONFISSÃO

 Nei Duclós 


Tenho palavras profundas para a tua dor

Que tocam músicas de um altar

Tiro de ti quando me confessas

O que guardas de amor em teu lugar


Tenho um coração que te ouve chorar 

E aguarda que voltes de manhã 

Quando Deus sem saber o que dizer

Te deixa ir em minha direção 


Nei Duclós

3 de janeiro de 2024

SOMBRAS

 Nei Duclós 


Sombras que se movem

Capturadas no canto do olho

Algo os movimenta

Mundos ao nosso redor

Sem corpo


Tudo está aqui

Na moita 

Versos que perdi

Conversas

Vozes que não ouvi

Teus beijos

Que procuro por aí 


Nei Duclós