26 de maio de 2023

HUMANO

 Nei Duclós 


De tudo o que é humano faço parte

Do épico ao mundano

Da grandeza e pequenez da espécie 

Da sua História e esquecimento


Não que eu sirva de síntese ou exemplo

E queira provar o que não tenho 

Ou exibir humildade para posar de estátua 

Ou fazer caridade para divulgar meu gesto


Mas por ser datado e fruto do esforço 

De manter-me à tona em precário barco

E desafiar o oceano com as lições que aprendo 

Nas ilhas do meu destino escasso


Por ser o último dos moicanos

O que fica na aldeia por estar caído 

Pela mulher que não parte com a tribo

E aguarda, exausta, bela

O amor que tarda em meu coração de palha


Nei Duclós

25 de maio de 2023

SOBRENATURAL

 Nei Duclós 


Tampas de remédios que colocss à vista por segundos e quando olhas para o lado elas somem.


Sombras que passam pela sala e vês na hora de dormir quando a porta do quarto está aberta.


Alguém invisivel se aproxima atrás de ti quando estás cozinhando.


Você perde os óculos e achas depois de dias no mesmo lugar onde sempre deixas.


Sonhas sempre com a mesma casa que custaste a vender e nela moraste por 20 anos.

DESFEITA

 Nei Duclós 


Me abasteci de lembranças 

Para dar de presente

Eram a joia da coroa

Verdadeiros brilhantes


Mas você recusou todas

E pediu novos versos 

Aqueles que eu escondia no bolso 


Cedi meio contrafeito

Esses eu guardava

Para o futuro


Mas o futuro já veio, disse ela

Adivinhando pensamento

Só esses eu aceito

Porque para mim foram feitos

E ninguém dirá ser a dona

Me fazendo desfeita


Guardei as lembranças 

Para um futuro distante


Nei Duclós

19 de maio de 2023

OUTRO MAR

 Nei Duclós 


Venha ao mar, dizem, convictos

mas o mar eu imagino


O mar mesmo, decisivo

não é o mar do meu estilo


Prefiro o mar de menino

que eu deixei sem arrimo


O monstro mar infinito

não o mar que está na esquina


Já vi o mar, não repito

a emoção de descobri-lo


Não quero o mar de rotina

previsível na notícia


Quero o mar que está comigo

como parceiro de briga


O mar que não me abandona

como um verdadeiro amigo


O mar que o poema inventa

para lhe fazer justiça


Nei Duclós

18 de maio de 2023

INDECISA

 Nei Duclós 


Quando me vês assim tão caído 

Depois de amargar o mais longo exílio 

Ermo de ti e do amor prometido

Servindo a Marinha na guerra das ilhas 


Ficas imóvel por estar dividida

Então era esse quem eu tanto esperava

Perguntas sofrida ao humilde uniforme 

Que não te encara por temer o destino


Sou eu, digo, jogando a mochila

De rosto roído e andar de mendigo

Voltei para viver junto contigo

A não ser que não queiras quem sonha acordado


Aguardo um milagre na porta bandida

Talvez uma seta do instável Cupido 

Que volte a atingir a bela indecisa


Nao basta sobreviver ao pior inimigo

Ainda é preciso a coragem mais forte

De esperar que percebas o heroísmo

Do soldado vencido que a batalha devolve


Nei Duclós

13 de maio de 2023

A LUA CAIU

 Nei Duclós 


A Lua caiu 

Não sabemos aonde

No fundo do mar

Onde agora se esconde

Ou talvez na montanha

Em grutas de bronze

No meio do mato

Escapando do fogo

Ou na grama do pampa 

Misturada aos rebanhos


A Lua caiu

Como fruta no outono

Seu perfume está pronto

Com açúcar e sangue

Quebrou-se no espelho

Que trazia na fronte

Rolou pelo abismo

Num quarto minguante

Era fase de Lua

Não tinha importância

Sequer fez barulho

Como bicho que tomba


A Lua caiu

Foi parar no meu bolso

Ninguém diz que viu

O estranho fenômeno 

Ou que ouviu

O rosnar da hecatombe

Guardei no meu canto

Lá escondo tesouros

Como estrelas cadentes

Colares de sonhos


Inventei novo céu

No ar do horizonte

Combino com flores 

Para quando voltares 

De lugares tão longe

Terás tua Lua

De brilho mais raro 

Caída de espanto

Grudada em teu rosto

Como gota de orvalho


Nei Duclós



11 de maio de 2023

CRIME

 Nei Duclós 


Não tenho perdão

Do amor fui desperdício 

Abandonei o que me pareceu abismo

Era planície, mas visto a distância 

Não fazia o sentido imaginado


E assim fui descendo, rio que despenca da montanha

Feito de chuva e pedras de vulcão 

Soltei a mão de quem me via firme

A frouxidão substituiu o arrimo


A poesia perdeu com isso o rumo

Não me perdoe, mulher não merecida

A solidão completa o ruído provocado pelo crime


Nei Duclós

MÊS DE MAIO

 Nei Duclós 


Maio, mês de Miguel

Filho, para sempre perdido

Com a sorte, de vê-lo nascido

E crescido, em sabedoria


Viver, foi muito dificil

Morrer, no minuto seguinte

Menino, de profundo espírito 


Maio, mês de Maria

Que o recebeu, rebento querido

Em sua graça, a melhor companhia


O luto, postado na esquina

Aguarda, quem se aproxima

Eu passo, arrependido

Perdão, por estar distraído 


Maio, quem sabe eu te ligo

Pai? ele atende solícito 

Saudade, é só o que lhe digo

Sofremos, a vontade divina


Nei Duclós

4 de maio de 2023

OUTRA ORDEM

 Nei Duclós 


Parece que se esgota em tanta obra

A criação que se repete pelo verbo

E acabamos vazios como no inverno

As ruas sem o povo são desertas


Mas o frio obedece a outra ordem 

O clima se amarra em calendário 

Já nós, autores sem resguardo

Até nas pedras encontramos nosso espaço 


Não desistimos de dizer e fazer arte

Porque para isso nascemos nessa esfera

Conforme o plano ancestral de rumo incerto 


Não sabemos, por isso reservamos

O tempo em ânforas de barro


Nei Duclós

IMPERFEIÇÃO

 Nei Duclós 


Você não sabe onde o cara está metido

Enquanto o consideram o tal, joia de um carisma


Entrevistem o cachorro da família

E o garçom que serve sua comida


O que diz de fato diante da mídia

Estaria em sintonia com o perfil público?


A imperfeição da estria em pele lisa

deve pincelar a estátua 

A covardia dá as cartas se não for assim


O crime assedia a homenagem

O granito cede à humanidade 

Não se iludam com a falsa majestade


Depois se surprendeem ou debocham

Quando emerge o terror na bela praia 

Mas estava escrito

Assim se consuma a profecia


Melhor se prevenir


Nei Duclós

ÁGUIA

 Nei Duclós 


Não perca o poema em seu esboço 

Ponha no bolso

Depois desenvolva


O recém  nascido que cai do ninho

E sobrevive aos corvos

Bem tratado um  dia alça voo


Eis a águia 

Dos ares soberana


Nei Duclós

1 de maio de 2023

VISÃO

 Nei Duclós 


Deuses antigos duraram mil anos 

Depois se foram 

em cataclismos vulcânicos  

Assim como teus olhos boneca de pano

Que insistem em me excluir

Mas tua vez vem chegando


Meu corpo ressuscita se fores espanto

Visão de um amante, sujeito estranho


Voltarei então com meu

rosto em pânico 

Verás que sou ainda um alguém  humano

Estátua de sal, verso sem dano


Nei Duclós

26 de abril de 2023

 RELATÓRIO DA VIAGEM EM MISSÃO DE PAZ 


Navegando no navio que me recolheu de um naufrágio 

E foi reformado depois de minha volta triunfal à terra sagrada

Fui recebido em todos os continentes

Fiz continência para tripulações diversas

E capitães de todas as cores

Sóbrio e abnegado em minha farda de oficial outorgada por meus pares

Sem o merecimento da guerra mas da sobrevivência

E desci em portos capitais e desconhecidos

Depositei flores em túmulos de heróis

Eternizados em bronze extraído de canhões

Que abrigam frases ensinadas pela vida 


 Não foi a apoteose de um guerreiro

Mas de um cidadão comum adotado pelo mar

E que no chão da sua Pátria exerce a sabedoria

Dos viajantes que somem no horizonte

E depois de muitos anos voltam para contar o que viram

Nas tempestades enviadas por Netuno

O pai das águas que engolem esquadras

E devolvem os aventureuros com o dom da profecia


Nei Duclós

DESFILE

 Nei Duclós 


Sonhar, lembrar, querer

Tens o dom de me despertar

Acordo em teu amanhecer

Tanto corpo nas alturas do céu


Não compensa perder-te no ar

Não há memória para o teu lugar 

Não abarco os limites do luar

O verbo se submete ao tirano amor 


Vens num andor, o meu olhar

Desfilas sem pudor na contra luz

Sou teu guarda de uniforme azul 

Trabalho na Marinha e na pressa vou partir


Nei Duclós

20 de abril de 2023

TEIA

Nei Duclós 


Desfolhei-te como a um livro

Que ao não ler linha por linha

Acabei breve no epílogo 

Sem saber como termina

Essa pressa em seres minha

Que nas margens se destina

A esconder-se toda tímida 


Dicionária fugitiva 

De conflituosa leitura

Neo-romancista tardia

Que me enreda em teia espúria 


Desconheço tuas letras

Para compor melodias


Nei Duclós

10 de abril de 2023

DA RELIGIÃO

 Nei Duclós 


Pessoas idosas tornam-se muito religiosas porque a soma das perdas ultrapassa a capacidade de suportar. Não há vida que caiba em tanta dor. A fé providencia o espaço necessário para continuar andando.


Mas a fé só se segura com o estudo da doutrina. Repetir orações e hábitos pode devolver os mais antigos ao ceticismo da mocidade. Ouvir o sacerdote preparado, ler sobre os mistérios fazem do conhecimento um antídoto contra os falsos profetas e os neo milionários da auto ajuda, que exploram a fé  coletiva sem as bases que sustentam a religiosidade.


A Bíblia traduzida para o idioma falado por todos ajudou a  construir uma civilização. A ética da espiritualidade iluminou o Direito e disciplinou a cidadania, segundo a visão weberiana da América. Em outras nações o peso da palavra revelada engessou sociedades e governos. E gerou alternativas que disseminam o obscurantismo.


O Apocalipse é presente em qualquer tempo. O medo desperta a busca da transcendência. Todo esforço de soterrar as religiões esbarra na vida humana datada. A utopia do materialismo é  sempre vencida pela realidade do sagrado.


Leva-se uma vida para abraçar o reforço da religiosidade. Costuma acontecer quando, longevos, enxergamos melhor o que a existência nos reserva.


Nei Duclós

7 de abril de 2023

URGÊNCIA

 Nei Duclós 


Faço poesia como quem procura água em campo aberto

Com a forquilha da intuição e o passo incerto

Preciso matar a sede do rebanho

Detalhes de uma arte que não tem tamanho

Só a sorte poderá apontar a direção exata

Onde encontrar o rio subterrâneo


Tenho urgência pois temo o domínio do deserto 

Fatídico desejo de quem já é dono da montanha

Hoje tomada de urzes quando antes era festa


Nei Duclós

SEXTA-FEIRA

 Nei Duclós 


Águas de abril inauguram o friO

 verão é passado, o inverno por um fio

O ano avança numa procissão de horror 

Deus crucificado, a prece sem remédio 


A compaixão no andor da misericórdia 

A mãe chora pedra na arte da Pietà 

A morte é completa na gruta da fé 


As três em ponto da tarde 

O linho abrigou o corpo sem sangue

Começou assim o manto redivivo

A dor gerou o sonho e o amor veio da água


Nei Duclós

DESTINO

 Nei Duclós 


Fui escolhido por tuas mãos de seda

Teu olhar profundo como um crepúsculo 

Enlaçado por pernas de mármore 

Impregnado pelo perfume de fêmea 


Fui aplicado como obra do destino

Impossível escapar desse abraço nobre

Não previ o alcance de tanto rodízio 

Espiral do amor e do prazer livre


Fui ensinado a ser refeição e abrigo 

Homem de verdade, grão de uma conquista

Lavoura sem conflito,  colheita além da vida


Virei criatura no tempo do convívio

Por teu rosto de flor amiga

Pela mulher madura, sal, pote de açúcar 

Era para me perder, mas por ti fui escolhido


Nei Duclós

5 de abril de 2023

VIDAS

Nei Duclós 


Vida normal, afora a fantasia

Onde vivo o que não devia

Viagens sem destino certo

Amores em situações limite


Vida brutal, afora a poesia

Palavras cerzidas em parede fria

Vantagens de um falso heroísmo


Vida mortal, afora a biografia

Minha estátua de barro em rua mendiga

Tempo terminal, mas sem fim do caminho


Nei Duclós

3 de abril de 2023

CORREDOR

 Nei Duclós 


Levam a sério quando sou farsante

Tratam como se eu fosse adulto pronto

Pleno de uma identidade aceita 


Mas nem eu mesmo sei que tipo represento

Migro do sonho para outro mistério 

Diga o que vês e eu acrescento

Não existo nestes exatos quadrantes


Fugi dos limites do cânone 

Depois de nele entrar, corredor sem fôlego

E viver atirado não faz nenhum sentido

Tenho um pé na nuvem, outro no centro

Vivo de favor no mundo intolerante


Nei Duclós

2 de abril de 2023

DIA DE DOMINGO

 Nei Duclós 


Ĺevamos os ramos para benzer na igreja

E depois colocar atrás do espelho

Para afastar tempestades

E nos proteger dos raios

Mantendo a fé no poder da divindade


A cidade era inundada pela multidão 

Todos eram católicos

E a infância agradecida voltava para casa

Cada um de nós  com o ramo sagrado


Deus tinha chegado


Nei Duclós

CLARIM

 Nei Duclós 


Chuto o balde, mas ele está vazio

Sem nada que pudesse repercutir

O som é  oco, eco do grito que abafei 


Cavei a solidão por ser assim

Letra de metais em roupa de algodão 

Clarim que evoca o silêncio numa procissão


Falta fechar esta voz de baque surdo

Com a palavra terminal da poesia 


 Nei Duclós

ARMADURA

Nei Duclós 


Tirei da poesia o que ela tinha

Para ver o que havia dentro dela

Objetos diversos, quinquilharias

Letras de forma sem formar sílabas

E um ruído de cosmo antes do início


Optei por recolher alguns vestígios

Da arte que até então eu conhecia

Mas não pude armar qualquer sentido

Perdi a embocadura, vi-me no limbo 

Costurando a linha de uma crise


O tonel do poema estava cheio

Deveria aguardar o acontecido

E não sofrer com a abstinência

Própria dos pobres arrivistas


Agarrei-me a um soneto bem antigo

Romântico, que trazias na bagagem

E assim recuperei a epifania

De continuar a partir do que Deus fia

E não romper o selo da armadura

Que a natureza em nós providencia


Nei Duclós

NA TRILHA

 Nei Duclós 


A imaginação torna-se fato pela poesia

Invento assim a realidade que me foi negada

E vivo nela, como pássaro no ninho


Quem dirá que não existe esse registro

Se sou eu que cruzo a ponte e pulo o muro?


No poema é a mesma coisa, todos buscam

Não a fuga, mas a cura, o fôlego justo

Onde se possa respirar um ar mais puro


Alienação! me acusam com virtudes

Mas sigo em frente abrindo bruto

Espaços na trilha selvagem e obscura


Nei Duclós

1 de abril de 2023

CRIME

 Nei Duclós 


Não tenho onde guardar tanto livro 

Eles despencam, não lidos

Se escondem, tímidos

Somem, fugitivos


Nos armários assumem bizarras serventias

São escoras de louças finas

Sustentam pacotes de farinha

Se espalham por quarto e cozinha


Joga fora, me dizem

Não posso, alguns foram escritos por mim

Só que não localizo mais

O ponto exato do crime 


Nei Duclós

MAQUIAGEM

 Nei Duclós 


Sem dar bandeira  você gosta do poema

Encontras nele pistas dos teus segredos

Podes posar direita em salas  cheias

Mas dentro de ti arde o que te escrevo

Na íntima solidão do teu desejo


Bastaria dizer-me o que eu já adivinho

Fantasia de amasso sem que ninguém veja

Consertas no espelho a maquiagem desfeita

E voltas para as tuas conversas


Alguém nota algo na sobrancelha

Disfarças dizendo que não é nada

De longe observo tua falta de jeito 

Fêmea em fogo, comprometida até o osso


Nei Duclós

29 de março de 2023

SOBERANO

 Nei Duclós 


Ainda está escuro quando os passarinhos começam a se manifestar

Acendendo pequenas fogueiras de pios nas árvores da beira mar

Sentem a proximidade do sol, soberano

Com seu plano de despertar na noite

O poderoso incêndio do seu corpo, monstro misterioso


O canto tímido emplumado sabe o seu lugar

Anuncia por vocação o dia que está por chegar

Tomado pelo movimento de um gigante de fogo

Que por misericórdia é brando

Depois da surra que deu na terra no começo do ano 


Até quando será bom a inventar a vida?

Junto com as aves rezo na vigilia. 

Piedade, Senhor

MADELEINE

 Nei Duclós 


Amamos de memória

No mapa dos corpos isolados

O sabor da madeleine

O doce cheiro que foi embora

Marcas do toque em tua flora

Trilhas jamais repetidas

Namoros que viraram pó


A brisa em tua penugem.

Cabelos que descem aos pés, ninfa gloriosa

E a falta que faz teu rosto proximo

Em minha inútil obra


Nei Duclós

DOCUMENTO

 Nei Duclós 


Eu já fui uma pessoa

Hoje sou tombo de Outono

Poema escrito no joelho

E publicado à toa

Antologia de riscos

Rosto de rua tardia


Eu já fui e hoje sou

Folha do vento morno

Enquanto segue no arranque

De uma estação esquecida

Do verão que a antecede


Não serei mais o verbo

Que inaugurou novo espaço 

Ocupo o centro do drama 

Vivo de alegorias

Animo o fim e uma festa


Sou pessoa na essência 

Não tenho o que identifica

Veja no docunento

As sobras da poesia


Nei Duclós