CONTOS DE JOSÉ EDUARDO DEGRAZIA:
A ELIPSE NA SOBREVIVÊNCIA DA GUERRA .
Alertados por Luiz Antônio de Assis Brasil no posfácio de "Tia Gorda e Tia Magrinha na Guerra do Parsguai - e outros contos de guerra, sonhos, amores, de José Eduardo Degrazia (Bestiário, 110 pgs.) os leitores ganham ao eleger a elipse como a chave para costurar esta literatura de fino acabamento.
Escritor premiado no Brasil e no Exterior, o poeta e prosador Degrazia mostra que a sofisticação pode envolver-se profundamente em qualquer cenário, especialmente o chão bruto da fronteira gaúcha banhada pelo rio Uruguai (Itaqui, São Borja, Uruguaiana), onde os hábitos, os crimes, as emoções, as memórias vertem diretamente do sangue derramado em inúmeras guerras, pessoais e coletivas. Não que o narrador, essa personagem migrante de qualquer idade, caia no distanciamento e na omissão. Quem conta um conto faz parte do tiroteio e recolhe cestos de flagrantes diretos, indiretos, reais ou inventados, num roteiro movediço de histórias pela metade.
Que importância tem a tia que se escondeu das tropas paraguaias? Por que a vítima foi alvo da tocaia? Qual é a vingança do degolado? Preencha os claros desses flashes com a imaginação ou contente-se com as próprias perguntas. O escritor cumpriu o seu papel.
Os contos são rasgos de faca no corpo vivo da História, que sempre foi mal contada. Pois guerra é sobrevivência e não heroísmo. É um velho guerreiro que se afasta para morrer só, pilchado com a indumentária de combate na fase terminal da terceira idade. É o militar usado pela beldade para encobrir o contrabando , é o contrabandista que acolhe no frio a tropa que o cerca, é o que resta de tantos conflitos: a humana percepção da vivência que se alimenta da proximidade e não da distância.
De quebra, o livro oferece o relato da nossa geração (o autor nasceu três anos depois de mim) na mítica viagem às paisagens andinas, onde a mocidade perdida e confusa procurava a paz impossível num tempo de dor.
Além disso, há um erudito resumo da trajetória do conto na literatura universal escrito pelo professor José Edil de Lima Alves. É a tríplice fronteira nas mãos talentosas de escritores e ensaistas que nos repõem a importância da literatura bem na época em que tentam nos empurrar para a falta de assunto e perda de tempo, multiplicadas pelas facilidades midiáticas. A inovação tecnológica precisa nos devolver às nossas origens pois somos pó e não apenas pontinhos de luz.
Nei Duclós