5 de fevereiro de 2015

PEQUENOS POEMAS ENTRE BALAS PERDIDAS




 Nei Duclós

Faço meu próprio jornal. Teus passos sobre o lençol.

Só o mínimo. O que é profundo pouco se enxerga.

Foi-se, com o amor que eu não via. Sumiu com seus espinhos. Deixou-me vazio, perdido em canteiros.

Resto de luz, perfil de um suspiro. Escuto quando tudo silencia.

Te aliso além do limite. Quando te recolhes, inacessível.

Não dou bandeira da tua beleza. Moito, para que não atentem. Mas é inútil. Basta que você apareça para o estrago estar feito.

Me cadastrei para acessar teu conteúdo. Mas sempre dá erro.

Toda manha é comédia. Mas tem uma pitadinha de drama

Cansei das notícias. Prefiro te ler, delícia.

Te concentras, debruçada sobre o que sentes mais fundo. Dorso onde navego,
coração feito de pele

A poesia foi vencida por coisas mais urgentes. Como tua necessidade de viajar para o Oriente. Ou os trabalhos que faço, nas estradas de vime enquanto extraio diamantes.

O problema de amar é o que fazer nos intervalos.

Estás confinada em teu sonho. Pela janela entro, pássaro tratante.

És uma outra pessoa. São tantas que perdi a pista. Basta que seja a primeira, amor a perder de vista.

Abandonei a dor depois que sumiu a tarde. Me dou melhor com as estrelas.

Fui me embora, rosa que o mar cultiva. Afloro em ti como âncora que se recolhe.

Estava ligado na poesia quando faltou luz, o amor que tinha por ti.

Me perdi, infinito deserto. Gelo que me cerca. Solidão eterna

É besteira sentir sem te tocar. Mas é inevitável, esplendor de sonho.

Foges do meu cerco. Corres para a fonte para banhar teu corpo. Eu espio entre as açucenas.

Teu rosto completa a cena. O que vem junto, chave de pernas, conversa, flor e beijo, expressam a dose perfeita que brindas com tua beleza.

Não gaste palavra à toa. Fale só o desnecessário.

Não me compreendes,mas sou cristalino. Toda palavra é passível de erro. Tudo é só conversa. Falo onde me escondo. Digo quando há silêncio. E vice-versa.

Não trabalho mais o verso, o amor não deixa. Fico no ócio de um sentimento que secou ao sol de janeiro.

Amor fica inviável se não for posto à prova. Amor é overdose de humanidade e não procissão de boas intenções.

Amor supera todos os maus momentos. Só tropeça feio em coisas sem importância.

Curti você, que não posso ter. Nem comentei o que jamais direi.

Moro no deserto, inaugurado pela ausência. Nenhuma gota do teu beijo.

Mudou o ambiente. O país seco, o desespero. O que faz o poema, obsoleto, sobrevivente de um tempo humano?

A paixão passa mas nos deixa amassados

SINTO FALTA

Sinto falta de ontem,
quando te atingi bem cedo.
Do teu retorno, cheia de dedos.
Do que ficou no ar, sem rodeios.
Desse pega pega nascente.
Desse bruto roçar em teu segredo.
Desse pré-consentimento.

NÃO DESPERDICE

Criação é quando não há saída.
Não desperdice seu amargor
pegando carona em poema antigo.
Peite seu coração, amiga.

DECRETO

Complicou demais para o poema.
Deslocou-se o eixo do verbo.
O terror veste pálida lua.
O amor é vendido por decreto.
Lutamos em bastidores enquanto
a mentira preenche o palco.
Não se decepcione, dizem, não seja
ingênuo. Já sabíamos de cór
este último parágrafo.
Jogamos a toalha no ringue de sangue
e deixamos de lado o que um dia foi palavra.
Remoemos o amanhecer, obrigatória trégua.
Temos no bolso uma estrofe cega.
Ela canta, nos ensina a rearticular o verso

TEMPO DE PEDRA

O passado é feito de carne, a eternidade, de pedra.

Estamos presos ao presente, que não é confiável.

O tempo é uma caixa preta, ninguém prevê nada. Seu mistério é o presente, espuma virtual de um mar imaginado.

Toda previsão pertence ao passado.

  
LUA EM TRÊS MARIAS

Tantos lugares comuns. Lá nos sentamos, de mãos dadas, a olhar o crepúsculo virando noite. As Três Marias surgem antes da Lua.

O luar agora está reinando. Prata em teu cabelo, redoma do teu sonho.

Aprendemos com o tempo: sem piedade. Única forma de amor depois que o mundo acaba.

Ensinas por ofício a língua que exercemos. És aprendiz do melhor jeito de lidar com as sílabas que te arrepiam.

RETORNO - Imagem desta edição: Modigliani, por Picasso.

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