28 de fevereiro de 2021

CORPO

 Nei Duclós 


Temos um corpo para ser admirado

Não por vaidade ou outros motivos

Mas por ser íntimo e original

Explícito e provisório

Mutante nas idades do amor

Invisível quando  o tempo apaga


Cada vez mais reconhecido aos pares

Porque o mundo existe para driblar a solidão

Que é da natureza do Deus único e indivisível 

que jogou-se  na criação para garantir sua eternidade


Temos um corpo

Expressão da luz quando encontra a palavra


27 de fevereiro de 2021

ALCANCE

Nei Duclós 


Dizes adoro mas não adoras

És adoravel da boca para fora

Tens outra por dentro, caixa de Pandora


Abro a tampa e te esparramas

Vais até onde a vida alcança 

Distribuindo o que me prometias 


Aguardo o momento de fisgar tuas asas

Faço por amor, não por teimosia


25 de fevereiro de 2021

OFERENDAS

 Nei Duclós 


Poema de amor sem ter amado

Sem a musa a sustentar o passo

É como flor colhida no escuro

Furo no encontro, adeus noturno


Só tua presença vence a contenda 

Corpo físico tatuado de oferendas


 

NINHOS

 Nei Duclós 


Organizo a vida em nichos com movimento

Criações anímicas saltos quanticos

Desenvolvo fontes e linhas


Recém nascidos

os poemas piam em direção ao voo



CATADOR

 Nei Duclós 


Não acho mais as palavras

Elas me escapam, se escondem

E latem atrás  das grades

Na rua do verbo bem servido


Sou o intruso

Catador de papel, invasivo

Mendigo a catar no lixo

O desperdício da linguagem


Não preciso mais das palavras

Só  do meu espírito 

Guia na cegueira e no vicio

Do tempo sem medida



17 de fevereiro de 2021

BEM AO LADO

 Nei Duclós 


Pareço distante não estando próximo 

Mas o amor não se mede por espaços

Nem porções de pele, veludo ou aço


Corpo é o que te falo ao pé do ouvido

Prazer é estar vivo bem ao lado


Moras na Lua, eu em Marte

A luz penetra em feminino rastro

Sou eu o sol, habitante do cosmo

És terra e me jogas dentro d'água 

Falta-nos ar na barra mais pesada



15 de fevereiro de 2021

AVANÇO

 Nei Duclós 


Essa linha tênue entre o respeito e a tara

Essa vergonha que se solta e amarra

Isca de mulher, mão firme na  vara


Deus é  pescador, mas não espera

Antes atropela, colher na corredeira


O prazer dourado salta sobre o barco

O arco da rede  colhe o que se entrega

Peço em vão por isso meu avanço 


Foges fingindo que te escondes

Só a natureza se revela

Dona da porção  servida em nossa mesa

Alimento e ao mesmo tempo estrago


DEVOÇÃO

 Nei Duclós 


Escapaste de mim, do papel de musa

Persona que te sufocou de versos

Cortaste o laço, preferes ser liberta

Amor qualquer de outra estirpe


Serpente marinha, deusa de sal

Deixas em mim a devoção estranha

De uma celebração sem templo

E nem mesmo fé 


Sonho contigo na ilha deserta



11 de fevereiro de 2021

ARTIMANHAS

Nei Duclós 


Maduro é o encontro

entre  o rosto e a flor de pêssego 

Vozes sem precisar de fotos

Corpo fora da ordem, no comando 

E não o esforço vão  da sedução

E sim do entendimento


Fica para depois o beijo sôfrego

Se houver chance

Por enquanto fazemos a corte disfarçados de independentes

Artimanhas de malandra e amante  

O JARDINEIRO

Nei Duclós 


O jardineiro de repente começou a chorar

Depois de fazer o serviço 

Desta vez o resultado do seu capricho

varria o quintal de uma tristeza íntima 


Pediu desculpas por ter de sair mais cedo 

Precisava ver o pai a 300 km de distância

Que sofria aos 88 anos de um mal sem diagnóstico 


O pai amado expôs um homem tão comedido

Que trabalha como ninguém contra ambientes nocivos

E deixa tudo em ordem, mas com vida 


Descobri que humano não era o seu oficio

Mas ele mesmo,  criatura entre plantas 

Orvalho de sal na lágrima do filho pelo pai

que resiste

FANTASIA

 Nei Duclós 


Dei bom dia ao sonho

Que ficou comigo toda a noite

A fantasia agora dorme

Feliz pela companhia 


É o prazer de estar contigo

Fada bonita de pele vadia 

Prepara o encontro que virá um dia

Êxtase de ouro em manhãs amigas

LUA DO VENTO

 Nei Duclós 


Quem sou eu, Deus, para amainar tua  tempestade??

Não tenho idade nem força espiritual

Aporto num cais desconhecido 

Divido a orfandade

de raízes ancestrais 


Meu barco feito de madeira forte

Carrega o pobre acervo familiar

Porões de arquivos, imagens tortas

E letras sem sentido

Tudo é  motivo para dor e esquecimento


Por isso a lua, que é  trazida pelo vento

Consola a alma que perdeu a direção 

Olhar atento, navego com a divindade

Que não responde porque tem outra missão

10 de fevereiro de 2021

MESA POSTA

Nei Duclós 


Arroz branco nem solto nem grudado

Peito de frango orgânico sob ervas e tomate 

Suco de maçã com água de côco

Almoço às quatro da tarde

Repetido em janta à  meia noite


O dia se desdobra em dieta e caminhada 

Não com performance de exercício obrigatório

Mas para enfrentar os rolos que a vida apronta a cada instante


Na avenida sob o sol sonhamos com o banho

O lanche de frutas e finalmente a mesa posta frugal sem  pompa ou circunstância 



HÁBITOS

 Nei Duclós 


Versos da madrugada sobre hábitos 

Café almoço conversas

Tem data de validade

Não sobrevivem ao momento

Essa é  sua eternidade 


Se um dia forem descobertos

Sob grossas camadas de esquecimento

Talvez o futuro queira chegar perto

Numa saudade sem raiz, fora da linhagem

9 de fevereiro de 2021

SAMBA CANÇÃO

 Nei Duclós 


Dormi cedo acordei de madrugada 

Fiz um café 

Misturei farinha e água 

Um pão  crocante pela mão da frigideira

Enfeita a mesa quando é fora de hora

E não demora para haver  uma porção 

Improvisar adoça mais o apetite 

Com queijo e mel completei a refeição 


Tudo tão leve na noite de fevereiro 

Que até esqueço 

 que não há mais carnaval

Usamos máscara agora o ano inteiro 

Nosso desfile virou samba canção 


O Jamelão se dedica ao Lupicínio 

E a sua voz prepara o amanhecer

Durmo de novo com o  corpo renovado

sou um sujeito que obedece o coração  



1 de fevereiro de 2021

PARTIR

 Nei Duclós 


Não tem mais importância 

Disse a alma que partia para o outro mundo

As palavras que usei perderam o sentido

O tempo amortalhou-as em velhos paradigmas 

Não servem para mim nem para quem fica


Apenas um poema servirá de indício

Fomos assim, dirá o verso livre

Batido pelo vento no varal do abismo