Nei Duclós
O amor está lá embaixo, no bairro pobre
que brotou das mãos vindas do campo
na vala comum da chuva misturada ao lixo
amor por mero capricho, que numa canção
reinventa a Paris mítica, a Berlim possível
mundo inatingível que bate na costa do Brasil
um país como o nosso, feito de papelão
e que sem razão constrói uma vertigem
O amor está lá fora, fomos embora depois
de abandonarmos os postos no front
das enfermarias cobertas de espumas
e balas vazias se espalhando no azulejo
Casamatas cheiravam mal e estávamos
prontos para partir, subir no caminhão
como famílias depois do ferimento
e nos soltamos do ermo perdendo fôlego
O amor é criatura, um bordão no trem
que cruza o mar, o navio feito de areia
Censura de uma dor, o tempo, entre nós
que amarram as mãos, uma canção súbita
como balão na hora em que todos tentam
gritar o verbo atirado e que se manifesta
quando aportamos longe de casa.Somos
os migrantes sem armadura, almas frias
Pastores de um tempo de falso armistício
a tocar rebanhos condenados. Usavas
um vestido de flores tristes e teu rosto
pintava meu retrato criando expressões
de loucura, rias com tuas travessuras
ruas de um futuro guardado no bolso.
Fizemos esta canção para ganhar a vida
o sonho que nos espera além da sentinela
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