9 de novembro de 2009

O GOL OLÍMPICO


A verdadeira natureza do gol olímpico é a traição. O tiro direto do canto, no cruzamento da lateral e a linha de fundo, para dentro das redes, contraria a lógica do lance. O escanteio é um serviço perigoso: quem bate é garçom e a bola, no mínimo, é tocada duas vezes antes de oferecer ameaça. Ser arremessada num só petardo para provocar o extremo desespero do goleiro é um fato raro, admissível apenas em teoria, já que se trata de uma impossibilidade física.

Como pode um chute obedecer ao limite do campo e fazer o percurso da reta que acompanha o arco, que está ao lado do goleiro e não sua frente, e assim mesmo funcionar como um confronto, já que a bola entra e deixa todo mundo abismado diante das infinitas possibilidades do futebol? Não se trata apenas de a bola fazer a curva, o que tornaria o gol olímpico um teorema de fácil solução. O que pega é a viagem sem escalas, seguindo pelo alto o risco do chão e caindo dentro como se fosse um pássaro dado a evoluções, e não um objeto circular amarrado a um comportamento previsível.

O que é considerado certo num escanteio é chutar para o miolo da área, para a cabeça dos atacantes, ou para o pé de quem está de cara com o goleiro. Ou ainda chegar até o outro lado e facilitar a vida de alguém postado na ponta e que dali pode anarquizar a defesa adversária. É ameaçador mesmo quando o escanteio é apenas um passe de lado para quem pede, expediente que não me agrada, pois desperdiça uma situação valiosa para o jogo, substituindo-a por um totózinho que costuma cair no vazio, mas nem sempre.

O escanteio é um lateral de gala. Ao contrário dos outros laterais, é chutado e não arremessado com a mão. O lateral é uma espécie de punição numa arte em que, aparentemente, tudo gira em torno do pé. No fundo, as regras impõem o jogo dentro das quatro linhas e a fuga para fora desses limites obriga os batedores a contrariar a vocação do esporte. Tem gente que tenta enobrecer o lance sacudindo poderosamente os braços, lançando violentamente para longe, imitando assim a potência de um chute. Mas, por mais que se esforce, o batedor de lateral é um coadjuvante numa superprodução de protagonistas ferozes.

Isso muda radicalmente quando há escanteio, que é a vingança do arremesso lateral. Os craques aproveitam essa brecha, já que há grandes chances de sair gol dali. A oportunidade é o escanteio batido de forma tradicional. Tentar o gol olímpico é uma temeridade. Para começar, é um ato de egoísmo, elimina a solidariedade do serviço. Um fracasso pode acabar com a carreira de um jogador. É fácil que a bola se perca e a torcida vaie a pretensão. Só alguns privilegiados podem se dar o luxo de arriscar, e o truque é fazer segredo da intenção.

Quem bate o escanteio sempre da mesma forma acostuma o adversário. Isso desarma o inimigo, pois, por ser uma traição, o gol olímpico acontece quando menos se espera. Petkovic é um exemplo de como se comporta o craque nos momentos decisivos do campeonato. Todos sabem que Pet bate uma falta como ninguém, joga a bola para fora do alcance do goleiro, que assim acredita que ela vá se perder na arquibancada. A bola então, manobrada pela técnica do monstro, reencontra o caminho e cumpre seu destino. Mas quem faz esse tipo de coisa está qualificado para fazer coisa pior.

Um gol olímpico, por exemplo, como aconteceu neste domingo contra o Atlético mineiro. O chute de Petkovic foi tão traiçoeiro que o goleiro beijou a rede, se perguntando (vimos pelos seus gestos) para onde foi a bola. Só quando Pet saiu correndo para comemorar ele notou que jazia ao seu lado um corpo desconhecido, à espera dos legistas.

Petkovic, do Flamengo. O grande craque é personagem central da ressurreição do seu time, que nas mãos de Andrade, o ex-jogador que tinha sido preterido por muitos anos e agora é o técnico, resgata seu carisma e deslumbra o Brasileirão. Flamengo campeão também era uma impossibilidade física, assim como gol olímpico. Hoje o sangue rubronegro pulsa e atinge os espectadores à espera de um milagre.

RETORNO - Imagem desta edição: Petkovic.

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