11 de novembro de 2009

PILOTO DO PAMPA NO EXÉRCITO AMERICANO


Nunca tinha entendido direito a biografia de Flavio Lago, uruguaianense de 48 anos que volta e meia comenta as edições aqui do jornal. Em alguns trechos de suas mensagens, ele falava de uma carreira como soldado americano que chegou a ir para o Kuwait e o Iraque. A história só fez sentido agora na sua viagem pelo Brasil, de visita a parentes e amigos.

Numa especial deferência ao conterrâneo editor do Diário da Fonte, ele passou com sua esposa Katrin algumas horas comigo aqui na praia de Ingleses, quando aproveitou para treinar o sotaque da fronteira que perdeu como cidadão do mundo. E para contar que depois de 20 anos servindo o exército americano como piloto de helicóptero/ambulância aposentou-se e foi morar na Alemanha.


Filho de família proprietária de terras na fronteira, Flavio chegou a fazer vestibular para veterinária, como pressionava a família, mas não se conformava em seguir o caminho trilhado por tantos. Decidiu virar o jogo. Depois de uma rápida passagem pela imprensa portoalegrense como fotógrafo, foi para São Paulo aprender a pilotar helicóptero. Mas a falta de seriedade dos cursos no Brasil, que exageravam a carga horária de vôo para facilitar a entrada dos alunos no mercado de trabalho, não o satisfez. Alertado por um amigo, mudou-se para os Estados Unidos, depois de convencer a imigração que tinha dinheiro para pagar seus caros cursos especializados.

Na cara dura, arranjou emprego num restaurante italiano, onde aprendeu tudo com um colega de trabalho, que um belo dia abandonou o posto deixando o dono do estabelecimento desesperado. Flavio faz questão de dizer que a sólida formação escolar, familiar e social em Uruguaiana deu-lhe segurança suficiente para levantar a mão e dizer para o patrão que podia tocar o barco, pois sabia fazer tudo na cozinha. Deu certo. Em pouco tempo, estava numa situação confortável, sendo que três anos depois de chegar casou com uma americana, quando conseguiu o green card.

Eu não sabia um monte de coisas que Flavio Lago me esclareceu, com seu jeito carregado , rápido e entusiasmado de falar. Eu imaginava que o green card garantia a cidadania americana, mas não é verdade. Você ganha o direito de ser residente, de ir e vir, mas a falta de cidadania não permitiu que ele conseguisse emprego, mesmo depois de ter feito 25 horas de vôos nos seríissimos cursos de helicóptero nos Estados Unidos. O mais impressionante está na seqüência do relato.

Os EUA dispõem apenas de 40% de suas forças nos serviço militar ativo (o custo é altíssimo), os outros 60 % é a reserva, onde o nosso gaúcho entrou. É o seguinte: lá, você pode ser soldado servindo apenas nos fins de semana e com alguns períodos curtos de treinamento por ano. Ganha todas as regalias, desde seguro saúde, salário, auxílio para fazer universidade etc. Mas tem um retorno: você dá duro no exército pelo tempo equivalente ao que dispôs dos benefícios. E pode ser convocado para a guerra, o que realmente aconteceu com Flávio, que decidiu abraçar a carreira de vez.

Como não conseguia emprego de piloto, resolveu se alistar no serviço ativo, quando adquiriu cidadania americana plena. Foi então deslocado para a Coréia, Alemanha, Iraque, Kuwait, onde houvesse tropas e às vezes luta. Sua função era salvar vidas de soldados e isso ele fez por vários anos, pois teve treinamento médico e conseguia resolver o problema dos feridos. “Depois de servir o exército, tudo na vida civil fica possível de fazer”, diz Flavio. Mas por duas vezes, ele sofreu acidentes. Isso o abalou bastante e ajudou a decidir-se pela aposentadoria no posto de tenente-coronel, pois poderia completar mais anos de serviço em troca de benefícios mais amplos.

Teve duas filhas, que hoje estão na faixa dos vinte anos e moram nos Estados Unidos. Divorciou-se em 2001 e casou-se com Katrin em 2005. Nascida na Alemanha Oriental, Katrin já sabe português suficiente para flagrar o marido na hora em que ele tenta esconder algo falando a língua pátria. O casal tem uma coleção de bikes, 13, para ser exato, que servem para todo tipo de atividade, desde fazer passeio até participar de competições. Em algumas das provas onde se meteram, chegaram a fazer entre 120 a 180 quilômetros por dia pedalando.

Esse é o perfil de um leitor do Diário da Fonte, o cara que saiu do miolo do pampa e foi correr mundo, construir uma carreira inédita e que hoje vive se sentindo um estrangeiro em todos os lugares. É a nossa sina, Flavio. Moramos apenas na cidade que nos criou, por mais longe que a gente vá.

RETORNO - Imagem de hoje: soldados recolhem feridos num helicóptero ambulância.

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