21 de março de 2012

RUÍDOS


Nei Duclós

Alguns ruídos fazem parte da noite. O lento subir da Lua. O pipocar das estrelas. As nuvens esparsas em viagem. E tua respiração, que é a minha.

Não estarei mais aqui, onde sequei. Escolhi a fonte que abandonei. Não importa a água, sugada pela areia, mas a sede, teu beijo.

Brincaste de solidão, marujo. Como se o alto mar não tivesse te ensinado que não há deserto maior.

Tanto amor desperdiçado. Agora é juntar o que se espalhou na tormenta. Venta de volta, venta.

Me trataste a pão e água, disse o soneto. Agora toma tento e vê se me serve algo mais decente.

Nem me fale, mar. Nem te conto meu pai Netuno. Os tridentes vão parar de tirar pedaço do meu coração. Há um marulhar de doçura que vem do fundo.

O sol, a lua, as estrelas podem falhar. Mas ela não. Ela volta. Não porque estava escrito, mas porque eu pedi.

Sabe este mar? disse Jack o Marujo para a Sereia. É pranto de marinheiro, que se derrama quando ninguém está olhando. Só a Lua vê e não me consola.

Suba no barco, implorou Jack o Marujo. Hoje, não, capitão, disse a Sereia. Preciso te deixar mais uma noite só porque viciei na tua saudade.

A poesia não é nada sem teu vestido de seda roçando minha perna no vento de uma praia fora do mapa.


ESPERA

Espera é areia que lidamos como se fosse terra fértil. Conseguimos estrelas do mar, caranguejos, conchas, pedrinhas. Mas jamais uma flor. Só o encontro é canteiro.

Talvez seja errado ter esperança e algo se partiu sem remédio. Mas tenho fé. Moro na estação do sentimento.

Bato em mim, bruto de pedra. Tudo terá de ser refeito. Desta vez, com o veludo do teu macio desejo.

Tive medo de tanta beleza. Alma roída custa a entender quando a fortuna pousa sua sombra iluminada.

Não poderia viver sem você. Não existe o verbo desviver.

Talvez venha chuva e tu, sereia, venha à superfície molhar teus cabelos com água doce. Poderás me ver abanando do convés, tirando o chapéu para a deusa.

Não estarei contigo. Deixo o poema, como flor, para quando despertares abrindo bruscamente a janela à minha procura

Ela está certo em desisitir. Assim como estou errado insistir. Mas não decidimos nada. Nem o mar, quando quer, flutua.

Pensamos que é um estágio quando entramos no amor, a eternidade.

Você se sente segura comigo. Eu fico firme, sentinela do abismo. Tenho você, corpo trêmulo.

Dá para viver sem sentimento. Contigo longe. O difícil é o que fazer com o tempo que sobra, a áspera eternidade do momento.


VÉSPERA

A cama é grande. Não use como álibi e venha.

Deve ser divertido me ver à tua roda tentando falar contigo. Não páras de rir.

Não faz sentido. Escrevi tanto quanto existem estrelas. E nem fiquei com uma delas. Ciúme da Lua?

Definiste o plano para a noite, com prazo de validade no horário marcado pelo pêndulo. Cumprimos. Na manhã seguinte, quando me vi na rua carregando os sapatos, saí dos trilhos.

Suei demais e fiquei à parte, meio com vergonha. Notaste, observadora de perfumes.

Foi só uma noite e não posso insistir. Quem sou eu para tocar a bainha de seda que a bela musa esvoaça, muda?

Não tenho para onde ir. Aponto para ti quando me perguntam o destino.

És minha pintura e nem uso pincéis. Sou de palavra, que a ti se entrega.


RETORNO – Imagem desta edição: Hedy Lamarr.

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