11 de março de 2012

MUDANÇA


Nei Duclós

Escrevi no teu muro, eu não sabia mas tinhas te mudado. Só viste a frase anos mais tarde, quando passaste pela rua para matar a saudade. Dizia: não vá embora, te amo. Soube que choraste.

A mais bela está em silêncio. A terra inteira participa do segredo.

Ela recolheu-se. Dor, vertigem, talvez apenas cansaço. Confluem as águas para seu regaço.

Nem me dei conta. Me querias.

Como alguém pode pirar por outra pessoa sem nenhum motivo? Talvez as coisas se decidam na massa escura do universo, a que nos rodeia e ninguém vê. Lá trabalham firme os anjos.

O teatro estava fechado e todos esqueceram dele. Até que arrombaram as portas e viram a poesia dormindo embaixo do palco.

Sonhei contigo, meu amor. Tinhas voltado.

Depois que terminamos, sinto que o livro de amor chega ao limite. Voltarei à guerra, só de vingança.

O destino demitiu-me do teu convívio. Onde estará teus passos, encantada?

Falarei de batalhas e conquistas. Deixarei de lado tuas chaves. Basta de brincar de amor, mais mortal que qualquer refrega.

Vou me alistar, açucena. Nem levarei uma foto tua. Terei olhos apenas para os alvos, que rebentarei sem lágrimas

Não quero ficar perto. O amor morde.

Não espero despedidas. Estarei ocupado, limpando as armas. O apito do trem me levará para longe. Escuta o coração chorando, porque ele ainda te pertence.

Ninguém acreditará que a mais bela faz parte do meu sonho. Não terei provas. A não ser alguns arranhões no rosto roto e no corpo escasso.

Chegou uma carta para o senhor, disse o encarregado. Era dela. Nenhuma palavra, apenas uma gota de perfume do seu choro.

Pensa que não sei que teu silêncio é amor? Não por mim, porque se rompeu o laço. Mas pelo que fomos, dois apaixonados.

Você não a merecia, me disse o soldado me alcançando uma carga de metralha. Agora atira e escuta a saudade queimando a pólvora.

Quando assinarem a paz, estarei livre de novo. Partirei para o Oriente para não ter de enfrentar de novo teu silêncio.

Sou teu segredo. Não espera que eu grite, princesa?

Desta vez não terá volta. Se sobreviver ficarei por aqui mesmo, contando os mortos. O comboio partirá cedo. Não adianta me esperar com aquele vestido claro e o batom vermelho.

E aquele amor em banho Maria que não desatava? De repente toma impulso, assim do nada. Vai entender Cupido, o deus travesso.

Você enfim desiste e vai-se para todo o sempre. Mas da janela do trem vês então que ela te acompanha, de jipe, pela ravina, a toda. Implicante.

Ela me cita, mas junto com outros nomes. Para disfarçar, a ordinária. Vou exterminar a companhia.

Te trouxe escondida no bolso. Passamos pelas barreiras. Depois desembrulhei e todinha te estiraste na areia. Sereníssima.

Não conte para ninguém, promete? Fico sem jeito quando descobrem que ainda tenho um coração.

Continue disfarçando. À meia noite vamos ver o que é bom para a tosse.

Fique fora do alcance, assim não descobrem. Aguarde que eu tenho como chegar. Cavei um túnel. Sintonize as ondas curtas.


HÁBITO

Foi bonito o amor, mas mataram. Até a próxima paixão.

Sensação de vidro quebrado. Só agora entendi.

Qualquer pensamento raspa naquela superfície afiada, que corta fundo parecendo fino.

Você tinha previsto. Agora vejo. Fica assim, portento?

Que adianta recomeçar se continuará o mesmo? Eu te querendo e você no lado oculto da Lua.

A não ser que você deixe eu lhe tirar as meias

Mas deves estar ocupada em não me querer.

Quantas quiseram e eu cedi, pensando em ti. Gastei à toa minhas vontades

Não quero ficar longe. O amor não deixa.

Venceu a data do silêncio. Fui derrotado. Agora vibre a fábrica do amor que estava de quarentena.

Achou? ela perguntou. Não, disse ele. A maré levou. Agora como abro a porta do teu coração? Não posso forçar.

Continuo com o mesmo hábito. Dou bom dia na hora de embarcar, boa tarde junto com os ventos, e te beijo antes de dormir, para que sonhes acordando ao meu lado.

Não se desmanche na hora de dizer. Se recomponha. A palavra enxuta sabe beijar melhor.

Ninguém sabe o que se passa na sua cabeça. Não dê bandeira. Faça cara de penhasco a beira mar.

Guarde os versos numa caixa de música. Toda vez que abrir, dançarás ao som da valsa.

Eu já estava desistindo, mas fiquei com esperança.

Já que não respondes, vou me transformar na pergunta. Sempre que escutares meu nome, saberás do que se trata.

É tão dificil acertar. Na prova do amor, precisamos colar.

Jamais iria te assediar. Amo você demais para isso.

Armei a isca e fiquei esperando. Você se aproximou e disse: que livro é esse?


TEMPOS

Já vi tudo, disse o indiferente.

Parabéns pelas pedras, disse o anjo. Duram eternamente. E o resto da Criação? O resto obedecerá ao paradigma chinês, disse o Senhor.

Destruam tudo, disse o chefe. Qualquer coisa, foi Deus

Cuidado. Sexo pode provocar independência física.

Os Tempos são garotos maus. Mas se arrumam e colocam roupa limpa quando recebem visita da tia Memória.



PESADA DE LUZ


Agora sim a Lua. Custou a sair porque está mais pesada de luz.

A Cheia aparece majestosa acima dos telhados, roçando o horizonte do sereno que começa a cair, rútila sobre o mundo, rainha suprema da luz e do poema.

Faz-se o silêncio no mundo insano. A Eterna sobe aos céus cavalgando nossa esperança.

Quem poderá negar seu poder? Decifra-nos, rainha, para que possamos celebrar a tua majestade

No ombro dos gigantes, ela evolui seu infinito charme sobre nossos olhos em suspense

Nuvem se esgarça quando passa pela Lua. Como se fosse fumaça de um trem de luz.


RETORNO – Imagem desta edição: Alameda do Ipês - Parque Santiago - Imagem por Shigueo, projeto por Rodrigo Rodrigues e Frank Hasse.

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