16 de dezembro de 2011

NAVEGANTE


Nei Duclós

Tupã arrasta os móveis acima das nuvens. A primavera com chuva apronta na noite cheia. Sou o da mesa em frente, minha navegante

Nenhuma mensagem ficará de nós. Guardaremos o momento num coração ainda invisível. Que pulsa, sem motivo aparente

Ela brilhou como um meteoro. Faiscou meu olho e reacendeu o coração. Depois sumiu de novo. Voltou ao seu cofre, amor distante

Num relance era apenas tu, relâmpago. Perdi a pista do teu fôlego. Busco teu âmago, sonho

Voltei para te ver, espanto. Refiz o caminho pelo inverso. Teu rastro era o guia. Foi assim que cheguei ao teu abrigo, meu castigo

Quando menos esperas, lá estou eu a sussurrar no ouvido o perfume de um novo estufar de velas

Agora não adianta. Firmei o rumo do teu salto. Pulo contigo para o alto

É pura carroça a estrada de terra onde me encontro. De repente, o rasante do teu avião me joga longe

Você não descansa? pergunta o retirante. Sim, respondo. Já vou tocar aquele rosto de amanhecer que vem de longe

Amor não tolera demagogia. Nem o verso falso que pensa emocionar com armadilhas. Ou entregamos o ouro ao dizer ou calamos


Babar emoções sob medida para conquistar pelo verbo é tão óbvio que causa dó mesmo em quem tem um grande coração. Diga a verdade

A poesia é real. Senão não seríamos gente, seríamos partículas

Não existe inspiração, poeta não é fole nem faz cara de paisagem na hora de criar. Existe a incorporação da palavra no ofício duro do poema

Escrever não é dourar a pílula, isso é pirataria de remédio. Nem colocar cerejinha no bolo. Escrever é tomar o forte no deserto

Poema de amor não faz a corte para ninguém. É como pássaro de luz na tarde. Assombra, encanta, mas não constrange

O poema é teu companheiro de viagem. Ele reparte o pão e semeia o abraço. E junto contigo pede carona para o amor, nosso estado de arte

Ninguém marca encontro para depois do poema. A poesia é o café repartido entre rostos confidentes, que acham graça da infelicidade

Se eu tiver o privilégio de estar perto de ti, serei próximo como as nuvens no céu de verão

Ganhei um beijo, que vale por um reino. Assumi o comando do coração que voltou do exílio. Sou agora filho do Sol, que todos amam

Não me ponha de castigo. Diga que passa por aqui no final da tarde. Ou então revele o endereço do lugar onde você vai se esconder de mim


RETORNO - Imagem desta edição: Debora Kerr

Nenhum comentário:

Postar um comentário