Nei Duclós
O ultimo filme de Elia Kazan, The Last Tycoon (1976) é um
filme sobre cinema não porque aborda a indústria cinematográfica e seus
principais protagonistas. Seria óbvio demais. É sobre cinema porque, sendo
sobre cinema como todos os outros filmes, é uma obra plenamente consciente
dessa máxima: o produtor Sam Spiegal, o diretor Kazan e o roteirista Harold
Pinter sabem que isso é verdade e explicam porque o cinema nasce de um roteiro,
do script, que é completamente diferente de um livro literário. A história
narrada por Scot Fitzgerald é adaptada para o mundo do cinema para nos explicar
como funciona um filme.
Funciona assim: você está sozinho no escritório,exausto dos
duelos do dia. Recolhe-se a um canto da sala e cobre o rosto. Entra uma mulher
que não o vê. Ela despeja o conteúdo da bolsa sobre a mesa. Tem um par de
luvas, uma caixa de fósforos , duas moedas de dez centavos e uma de cinco. Ela
põe de volta as moedas de dez, pega as luvas e os fósforos e vai acender a
lareira. Você fica observando a mulher. De repente toca o telefone. Ela atende
e diz: Nunca tive um par de luvas pretas. Ela volta para a lareira e então
entra na sala um homem.
E o que acontece com a moeda de cinco centavos? pergunta o
roteirista que estava assistindo a lição. Não sei, diz o tycoon, interpretado
por um razoável Robert de Niro (que foi bem enquanto na mão de bons cineastas,
mas decidiu ser um grande ator e só fez caretas desde então). Eu estava apenas
falando sobre cinema, diz De Niro. Essa aula de cinema é dado pelo tycoon a um
roteirista que tinha vindo da literatura, um retrato do próprio Pinter. Eu não
entendo desse negócio, diz o roteirista. Entende porque perguntou sobre a moeda
de cinco centavos, responde o tycoon.
O filme é dividido entre as cenas em preto e branco dos
filmes que estão sendo produzidos pelo estúdio onde De Niro
impera(principalmente na sala da ediição,onde acontece verdadeiramente a
definição do produto) e as cenas em cores da vida complicada do tycoon (seria
hoje um CEO, um superexecutivo, mas nunca um “magnata” que no Brasil tem outro
sentido, de ricaço que não bota a mão na massa, bem o oposto de um tycoon
americano, o self made man). O preto e branco mostra filmes interessantes, de
final feliz, com grandes astros, conhecidos e cheios de charme. O de cores
mostra um insosso big chief (o gigante Robert Mitchum), um cínico lider dos
roteiristas (Jack Nicholson, cruel e perfeito), um decadente diretor (o
detonado ex-galã de Laura, Dana Andrews), E as mulheres, uma que corre atrás
(Thereza Russel) e outra que foge do conquistador Ingrid Boultin, na foto com
De Niro, que colocava quem quisesse na tela.E Jeanne Moreau, a estrela
decadente que se acha jovem, numa citação explícita de Gloria Swanson em
Crepúsculo dos Deuses.
Entre os filmes produzidos sob a ótica dos negócios e uma
vida “real” cheia de violência e desilusão, Elia Kazan nos dá uma aula sobre
cinema. O que funciona num roteiro e o que não funciona. Personagens que são
desnudados no gap entre vida de verdade e vida nos filmes. Vidas privadas que
são apenas esqueletos de sonhos, como a casa em construção à beira mar do
tycoon. Poder imposto pelos grandões do estúdio, mesmo contra o jovem gênio,
que tem como modelo o garoto de ouro da indústria, Irving Thalberg.
Kazan se amarra na Queda, quando mitos se tornam humanos.
Apresenta-os crus, nus, diante das câmaras. Tony Curtis como o big star
impotente e que se expõe ao deboche do tycoon. Robert Mitchum sse vingando da
inveja de ter criado um concorrente. Em “On the waterfront” o ex-pugulista que
se arrepende de ter se vendido. Em "America America", o migrante que
morre vendo a estátua da Liberdade. Kazan é hard.
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