23 de março de 2015

THE LAST TYCOON (1976): AULA SOBRE CINEMA



Nei Duclós

O ultimo filme de Elia Kazan, The Last Tycoon (1976) é um filme sobre cinema não porque aborda a indústria cinematográfica e seus principais protagonistas. Seria óbvio demais. É sobre cinema porque, sendo sobre cinema como todos os outros filmes, é uma obra plenamente consciente dessa máxima: o produtor Sam Spiegal, o diretor Kazan e o roteirista Harold Pinter sabem que isso é verdade e explicam porque o cinema nasce de um roteiro, do script, que é completamente diferente de um livro literário. A história narrada por Scot Fitzgerald é adaptada para o mundo do cinema para nos explicar como funciona um filme.


Funciona assim: você está sozinho no escritório,exausto dos duelos do dia. Recolhe-se a um canto da sala e cobre o rosto. Entra uma mulher que não o vê. Ela despeja o conteúdo da bolsa sobre a mesa. Tem um par de luvas, uma caixa de fósforos , duas moedas de dez centavos e uma de cinco. Ela põe de volta as moedas de dez, pega as luvas e os fósforos e vai acender a lareira. Você fica observando a mulher. De repente toca o telefone. Ela atende e diz: Nunca tive um par de luvas pretas. Ela volta para a lareira e então entra na sala um homem.

E o que acontece com a moeda de cinco centavos? pergunta o roteirista que estava assistindo a lição. Não sei, diz o tycoon, interpretado por um razoável Robert de Niro (que foi bem enquanto na mão de bons cineastas, mas decidiu ser um grande ator e só fez caretas desde então). Eu estava apenas falando sobre cinema, diz De Niro. Essa aula de cinema é dado pelo tycoon a um roteirista que tinha vindo da literatura, um retrato do próprio Pinter. Eu não entendo desse negócio, diz o roteirista. Entende porque perguntou sobre a moeda de cinco centavos, responde o tycoon.

O filme é dividido entre as cenas em preto e branco dos filmes que estão sendo produzidos pelo estúdio onde De Niro impera(principalmente na sala da ediição,onde acontece verdadeiramente a definição do produto) e as cenas em cores da vida complicada do tycoon (seria hoje um CEO, um superexecutivo, mas nunca um “magnata” que no Brasil tem outro sentido, de ricaço que não bota a mão na massa, bem o oposto de um tycoon americano, o self made man). O preto e branco mostra filmes interessantes, de final feliz, com grandes astros, conhecidos e cheios de charme. O de cores mostra um insosso big chief (o gigante Robert Mitchum), um cínico lider dos roteiristas (Jack Nicholson, cruel e perfeito), um decadente diretor (o detonado ex-galã de Laura, Dana Andrews), E as mulheres, uma que corre atrás (Thereza Russel) e outra que foge do conquistador Ingrid Boultin, na foto com De Niro, que colocava quem quisesse na tela.E Jeanne Moreau, a estrela decadente que se acha jovem, numa citação explícita de Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses.

Entre os filmes produzidos sob a ótica dos negócios e uma vida “real” cheia de violência e desilusão, Elia Kazan nos dá uma aula sobre cinema. O que funciona num roteiro e o que não funciona. Personagens que são desnudados no gap entre vida de verdade e vida nos filmes. Vidas privadas que são apenas esqueletos de sonhos, como a casa em construção à beira mar do tycoon. Poder imposto pelos grandões do estúdio, mesmo contra o jovem gênio, que tem como modelo o garoto de ouro da indústria, Irving Thalberg.

Kazan se amarra na Queda, quando mitos se tornam humanos. Apresenta-os crus, nus, diante das câmaras. Tony Curtis como o big star impotente e que se expõe ao deboche do tycoon. Robert Mitchum sse vingando da inveja de ter criado um concorrente. Em “On the waterfront” o ex-pugulista que se arrepende de ter se vendido. Em "America America", o migrante que morre vendo a estátua da Liberdade. Kazan é hard.


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