24 de março de 2015

AS DUAS MORTES DO POETA



Nei Duclós

Notícias superpostas me levam ao equivoco
teria o poeta morrido no acidente do avião
que saiu de Barcelona para a Alemanha
e caiu de bico no sul da França?

Teria o céu se partido para o chão devorar
o poeta nascido em 1930? Estaria junto
às crianças, tripulantes, adultos
colhidos pelo mesmo destino?

Teria subido ao céu ao lado de todos
mas tendo na asa a marca do poema redivivo
o que ressuscitamos a cada leitura?
Teria sido esse o desfecho da investidura

Os brasões da língua, o cânone seguro
a liberdade de criar outros países
no universo português que nos une
Teria mergulhado em pleno noticiário?

Mas em seguida me corrijo
o poeta morreu em Cascais, de causas
desconhecidas. Talvez de longa poesia
a que levanta voo fora do radar e da escuta

Notícias nos confundem, lemos por cima
como se o mundo fosse sempre o mesmo
em ordem de dicionário. Não fosse o poeta
não seríamos a eternidade, a literatura

RETORNO - Imagem desta edição: Herberto Helder (1930-2015)

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