Nei Duclós
Eu navegava livre quando tu, curva de rio, me segurou
dizendo que era só por um segundo.
Deixo passar o tempo para ver se a herança desse amor se
diluiu num pé de vento. Mas apenas acumulo sentimento, estocado no sótão das
coisas sem remédio.
O que me sustenta é a esperança, reduzida a um último raio
de luz. O que corrói é achar que um dia até isso se fechará, definitivamente.
Deixei o amor acontecer sem estar preparado para o adeus.
Agora te enxergo sem que eu possa estar ao lado. Não há nada mais remoto do que
corpos que se amam e não se tocam.
Não deveria te ver para não sofrer a ausência. Toda vez que
apareces, o amor pula de alegria sem saber que perdemos a chance.
Não adianta fingir, tropeçar em outros braços, achar que
tudo bem. Meu coração está em ti como o sol impregnado na manhã.
Graça suprema, estavas visível a olho nu.
Teu corpo toma a forma da paisagem. Tuas fibras formam relva
e árvores. Estás dando um sinal para mim, teu pássaro canoro.
Verti o verbo para homenagear a Lua. Ela se retira e as
poças da poesia ficam refletindo o sumiço das estrelas.
Nada acontece se não estás pronta. Não falo da roupa e
outros badulaques. Falo do coração que pulsa em teu sussurro.
Tinha esquecido o súbito despertar de vozes que amarras
entre curvaturas. Arrepias com as dobras ocultando cálices. Bebo o que sonho,
cristal de seda.
O amor acabou, junto com a tarde. Olhar tua foto é como um
crepúsculo.
Finges que o verso é para ti. Assim podes levá-lo sem pedir
licença.
Quando fico à toa, lembro. És sempre tu, feminino encanto.
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Van Gogh.
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