24 de janeiro de 2012

ÁGUA


Nei Duclós

Amor é brincadeira, serve para passar o tempo. Coisa de adolescentes, disse o veterano. E o que você faz com estas flores na mão e o rosto crispado de dor e esperança? perguntei.

Melhor não falar sobre essas coisas. Vão achar que é vulgaridade. Melhor nos recolher à nobreza do gesto, minha mão na água do teu beijo

Você não é homem o suficiente, falaram para o garoto. Ela não se importa, disse ele.

Ela fica dias com a mensagem em suspense, até a desistência. De repente, responde como se fosse hoje. Ela tem o tempo flechado no coração à mercê de Cupido

O que faz quando não responde? Conta gotas de silêncio? Imagina duendes? Passeia em Vênus? Varre varandas de veludo? Jamais atende o telefone?

Segunda-feira serve para mostrar que o Tempo é essa droga de sempre. Pelo menos não nos ilude como um fim de semana. A não ser que ela acene, fora da folhinha

Vivo desse amor a conta gotas. Melhor assim. Cada pingo me inunda

Encaixe aqui no ombro e estenda a legião da tua pele na planície do lado esquerdo do meu corpo. Depois cochile e acorde um azougue

No complicado território onde a aparência cede ao orgasmo, ela torra com DRs de remorso

Palavra não pode estar desnuda, escrava da fantasia. Precisa usar roupa de domingo, com paletó ou sombrinha. Você tira o chapéu ela dá um pulinho. Isso bota fogo na vila.

Poesia estava abandonada, em saraus antigos, livros com mofo, lembranças pias. Fomos buscá-la. Estava de vestido amassado, um pé de sapato sem o salto. Venha, dissemos e ela saiu esfregando os olhos. Foi recebida na praça pela multidão, como uma deusa que volta do exílio.

Ela é muito ocupada. Fico na sala de espera, grudado na cadeira. Não converso e leio revistas antigas. De repente, me avisam: ela vai atender. Só aí flutuo

Canso de esperar e desisto de segui-la. É quando descubro que seus pequenos pés clonam meus passos. Bem que eu sentia um tremor no tornozelo.

Muita gente partiu e me deixou com uma pilha de poemas não lidos. Inclusive ela, a que nunca veio.

Mastigava alguma coisa enquanto eu falava sobre nós. Depois tirou o amor da boca e grudou embaixo da mesa e se foi.

Permaneço, enquanto tudo desvanesce. Escorrego, enquanto tudo fica firme. Te escrevo, enquanto tudo está perdido



RETORNO - Imagem desta edição: obra de Daniel F. Gerharz.

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