5 de outubro de 2004

SELA DE VELUDO NO DRAGÃO EM CARNE VIVA


A Folha Mundo está afiada. A série de matérias sobre Bush, selecionadas da imprensa internacional, dão o perfil acabado do presidente do Eixo do Mal. A Folha tem melhorado em todos os sentidos. Mas, como o resto da mídia, não se comportou bem nas eleições. Colocar fotaça de Serra e Marta na capa no dia 3 foi um acinte (como ficam os outros candidatos, ou o Ibope manda e não pede?) Houve briga entre militantes de Serra e Marta no local das apurações, a polícia caiu em cima com gás com pimenta, atingindo os mesários e por isso a contagem dos votos atrasou. Vi isso em algum lugar, acho que na Band (sem as imagens), depois a notícia desapareceu (pelo menos não vi mais). O tom do noticiário ficou assim uma representação da paz na democracia, o que equivale a colocar sela de veludo num dragão em carne viva.

MONTENEGRO - Depois que as pesquisas mostraram suas falhas gritantes (errou por seis ou sete pontos em Sampa e Floripa) lá vêm as justificativas, com a caratonha à mostra do sr. Montenegro, dono do Ibope, um sujeito que está no poder há décadas, influindo nas votações com sua hegemonia estatística. Agora ele está mais comportado (talvez seja devido ao início de alguma concorrência). Antes usava camisa aberta ao peito com medalhão brilhando, numa demonstração de força visual machista. Agora fecha os botões e faz cara compungida, mas continua o mesmo. Deveria ser proibido de fazer suas pesquisas. Já errou várias vezes e continua mostrando os dentes toda vez que vem eleição. Mantém sempre um nível de aceitação na imprensa. Pesquisa eleitoral deveria ser proibida. O noticiário das eleições segue o ritmo de pacificação do país em guerra. Destacam-se as curiosidades, alguns idiotas que fazem campanha para vereador, a toda hora reforçam a idéia de que houve tranquilidade, apesar das tropas federais em vários municípios, milhares de urnas quebradas, candidatos acusados de crimes que são super votados e assim por diante. Além da pequena cidade do Paraná que votou 100 por cento nulo, obrigando a ter novas eleições com outros candidatos. O que é normal é confundido com exceção e a exceção vira a regra. No mesmo dia da votação, começaram a pipocar notícias preocupantes sobre ameaças ao crescimento. Ainda haverá esperança até dia 31 deste mês, depois tudo volta ao normal. Uma coisa chama a atenção: como falam em consolidação da democracia! Ué, não estava consolidada?

MAIS! - As cinquenta obras fundamentais em várias áreas do conhecimento, que nunca foram traduzidas no Brasil ou estão em edições esgotadas entre nós, foi a mais importante pauta da imprensa dos últimos anos. Isso sim é saber fazer pauta: convidar especialistas e colocar a lista daqueles livros que desconhecemos porque nunca chegaram até nós. Ninguém deveria jamais sair da escola. Essa história de estudar por um tempo e depois retirar-se para a ignorância é um erro estratégico. Escola deveria ser obrigatória sempre. Se você pára de ler, regride, esquece, mistura, confunde. Afiar a cabeça todo dia é como se alimentar, com perdão da metáfora. É a única maneira de enfrentar o império das aparências que nos dominam. Agora o técnico Leão fica chamando todo mundo de gordo. Pessoas negras falam na Folha que desistiram de estudar pela perseguição dos colegas cheios de preconceitos. Negro, baixo, gordo: nosso corpo sempre está errado, nunca ninguém está satisfeito com ele, a não ser que tenha outros interesses. Comentar aparências, para mim, é o cúmulo da grosseria. Isso só se resolve com estudo. O melhor depoimento sobre Bush é do seu professor em Harvard, que está sendo ameaçado por dizer a verdade. O seu aluno era perspicaz, mas preguiçoso, relaxado, presunçoso. Em outra matéria da Folha Mundo, nosso coração se parte ao ler sobre a história do pai que perdeu mulher e filha e todos os dias serve a mesa para elas. Sua tragédia pessoal é pública, pois foi na escola russa tomada por bandidos de todas as facções que houve o desenlace. O dragão corcoveia e não há sela que aguente. Precisamos ler, rezar e ocupar nossa posição no front.

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