25 de outubro de 2004

EU SINALIZO, TUA ALAVANCAS , ELES DISPONIBILIZAM

O pesadelo da linguagem pega firme no uso de verbos artificiais que pululam como vermes na imprensa brasileira. Nunca vi tanta gente sinalizando alguma coisa. Como se os entrevistados fosse moradores de faróis ou aqueles caras que ficam fazendo sinais frenéticos no chão dos aeroportos lotados. E nunca houve tanta alavanca a serviço da humanidade. Todo mundo está alavancando sem parar. Não sei como não acabam com dor nas costas. E o que dizer de quem disponibiliza tudo para que todos usufruam? Os disponibilizadores normalmente estão no mundo corporativo. Esse tipo de muleta vicia o corpo do texto numa posição capenga e chama a atenção pela pobreza de recursos.

MAIS ALGUMA COISA? Hoje a eterna pergunta dos balconistas deu tilt. A pessoa me fez a investida depois de eu pegar o produto e imediatamente passou para o freguês seguinte. Mas desta vez eu realmente queria mais alguma coisa. O sujeito fundiu a cuca. Não sabia o que fazer. Normalmente as pessoas jamais querem mais alguma coisa, mas a pergunta é obrigatória, pro-forma. O balconista teve que refazer-se do susto, desconectar do freguês que ele estava investido em atender e voltar para mim. Duzentas gramas de pão de queijo, pedi, ciente que grama é feminino, assim como champanha e alface (e não me venham pasqualar). Tem outro horror lingüístico que é o para mais ou para menos das pesquisas. Toda vez que as criaturas imóveis dos noticiários falam em resultados de pesquisas, vem o para mais ou para menos. Até quando irão encher nossa paciência? Voltando ao balcão: como os atendentes tem assuntos entre si! Conversam sem parar e te atendem automaticamente. Pedi duzentas gramas, me serviram 290. Por que? Porque a pessoa que me atendia precisava contar algo para sua colega. No caixa, o gerente está soprando algo, toca o telefone, ninguém olha tua cara. Descobri uma vez que eu era atendido mais rápido se sacudisse as chaves do carro. Pois estava já há mais de dez minutos esperando quando alguém chegou fazendo o barulhinho típico. Imediatamente foi atendido. Vi então que Pavlov impera no comércio. Quando lembro, entro num estabelecimento e sacudo as chaves. Todos deixam o que estão fazendo e chegam, solícitos. O que será isso?

RECITAL - Preparamos um recital de poemas, meus e de Marco Celso Viola, para o dia 13 de novembro, na feira do livro de Porto Alegre. Fiquem sossegados, o canastrão aqui não vai recitar nada. Marco Celso conseguiu alguém do ramo para dizer alguns poemas nossos enquanto a gente bate papo com quem se dispuser a ir lá conversar sobre literatura. Quem puder ir fazer quorum, será bem vindo. A feira já estará quase no fim e os autógrafos estarão em fase de overdose, pois parece que uns 300 autografantes estarão presentes nas duas semanas do evento. Donaldo Schüller, que publicou sábado um revelador artigo no Diário Catarinense sobre Derrida (e as origens sociais da teoria da desconstrução do grande filósofo) é o patrono este ano. Nosso encontro será sobre poesia e romance. Marco Celso já tem pronto seu Poemas para ler em voz alta. E eu estarei apresentando ao público de Portinho meu romance Universo Baldio, além de No Mar, Veremos, que nunca lancei lá. Vida literária: de vez em quando é bom. É quando a gente se livra dos pesadelos da imprensa e mergulha na água boa das palavras que nascem do coração (chão de sementes).

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