5 de julho de 2012

GRAÇA


Nei Duclós

Viver longe de ti é pecado. Quero o estado de graça.

Pego tua mão no meio do concerto. Desaparecemos na multidão. Ninguém desconfia que te amo.

Fala! disse Deus quando te viu pela primeira vez, deslumbrado com tua perfeição. E precisa? disse o anjo, o primeiro apaixonado.

Vamos ver a Lua. Ela não é a mesma sem tua companhia.

Se achares desaforo, me perdoa. É que com tua presença nasço de novo.

Os anjos voltaram a falar por meu intermédio. És tu que me dás fôlego.

Sei que te perdi, mas continuo me achando o amor que fomos e nunca deixará de ser.

Voltaste de surpresa me matando de susto. O que faz o amor quando sai de repente do sono e pula para o que mais teme, a felicidade?

Nem pense que todos os minutos foram de mais alguém. Eles são teus, rainha.

Não teste novamente o que é eterno. Ele está lá, imóvel como uma cordilheira vista da Lua.

Não parta novamente. Não há mais espaço para a dor.

Tiveste pena dos poemas a piar no escuro? Eles tremem diante do ruflar de tuas asas de ave marinha.

Para onde voaste, andorinha? Traga-nos a luz que te celebrou no exílio.

Dizer eu te amo é desperdício. Somos parte do mesmo caminho. Como pedra e espinho, pétala e flor.

Ninguém é mais bela entre o abismo e a planície. Nada a leva embora, musa maior.

Você voltou trazida pela brisa do Tempo. Veio nos dizer a que veio. Para o amor, nosso destino. Para o sonho, nosso recreio.

Perdeste o direito à despedida, depois que tua lei me proibiu de ficar sozinho.


SÍLABAS

Sequei depois de tanto uso. O amor desgastou seus recursos. Fiquei catando palavras como conchas na areia. Todas vazias. Onde te escondes, caramuja?

Crio as mesmas palavras num curral de sílabas. Dou água para a peregrina que vem olhar o rebanho. São tuas? ela pergunta. Não, respondo. São do teu coração distraído.

É pesado este ofício. Não a escrita, mas saber atingir-te dentro, fruta de marfim.

Já não me acompanhas. Mas não ficas sozinha. Outros pretendentes fazem fila diante da beldade. Perda de tempo. Subornei Cupido.

Água de cheiro, gole de vinho. Labareda de Lua em teu íntimo. Aguardas meu beijo como quem se vinga da longa espera e do silêncio.

Visitei lugares esquecidos. Ele continuavam lá, retendo meu espírito. Pedi que o soltassem, mas só ouvi um regato de risos.

Macia é tua lembrança. Pousa em meu ombro, águia sem juízo.

Ficaste um tempo sem mandar tuas cartas diárias, quando te respondia até debaixo de chuva. Voltaste e eu não estava mais pronto. Perdi a forma que me mantinha contigo. Haverá milagre, quase perdida?


RETORNO – Imagem desta edição: Kristen Stewart.