21 de julho de 2012

ESCREVA O QUE FICA

Nei Duclós

Só participe do que soma. Fuja do que fere. Escreva o que fica.

Finja ser planície, abismo. Assim, quando se aproximam, você convida para perder o chão com teu carinho.

O Outro sou eu mesmo quando me escondo.

Brisa é vento mulher.

Nossa especialidade é a despedida. Aprimoramos no amor perdido. Por isso viramos amadores, para recuperar o improviso dos não especialistas.

Madrugou, ponte de alegria? Foi o sol que te puxou para perto. Ele está com frio.

Ninguém foge ao seu destino. A dúvida é saber qual é.

Inverno não é álibi para manter distância. Tire pelo menos o cachecol, friorenta. O resto negociamos.

Coração partido: o amor é eterno independente do alvo. Sempre dá para colar.

Inverno é quando o clima adoece.

Raiva é perda de tempo. Tenta reverter o passado, irreversível. Contamina as boas chances do futuro.

Escrevemos o melhor livro: nossa vida mantendo arduamente seu sentido. Luta à luz do dia, trilha no escuro, pais e filhos, sobrevivência e aventura. Lemos depois em voz alta para a companhia humana que nos reinventa.

No chá das cinco, vale o suspiro que me dedicas, não a academia que toma conta do assunto.

O último reduto é a distância que inventamos de tudo o que machuca. É como se faz na infância: guarda-se o sonho em frascos de perfumes.

Quando tudo o que vemos deixar de existir, permanecerá o tremor de nossas mãos vibrando pelo cosmo frio e infinito. Será confundido com poesia, uma arte antiga estudada com desconfiança.


RETORNO - Imagem desta edição: Ava Gardner.