14 de outubro de 2011

OPINIÕES PÚBLICAS


Nei Duclós

Opinião é a argumentação alheia enquadrada como manifestação da vontade. O truque é simples: você desmonta as provas apresentadas pelo interlocutor do debate batizando-as de opinião, o que lhes tira completamente o valor. Sem força, elas não conseguem mais se impor. Podem, portanto, ser “respeitadas”, ou seja, desprezadas, pois se você realmente respeitasse a opinião alheia a adotaria. Ou, pelo menos, não exibiria esse ar triunfal de vencedor da conversa.

A essência do truque é confinar a argumentação alheia ao individualismo inconseqüente. Isolada, não pode fazer parte da opinião pública, que é o agrupamento de linguagens identificadas, em torno de objetivos comuns. Marcha contra a corrupção, por exemplo. São falas individuais que conseguiram se reunir em torno de metas e aparecem como um feixe forte de manifestação. Ainda está no começo e todos sabem disso, menos o Eduardo Suplicy, que é tanso, e tentou se apropriar do o movimento sem antes deixar que medrasse.

Nas Diretas-Já vimos como funciona. O movimento começou timidamente em Curitiba, por iniciativa de lideranças isoladas como a de Brizola e era mais a representação de uma pressão coletiva que procura uma brecha no sufoco da ditadura. Só depois quando tomou as praças é que apareceram Tancredo, FHC e tudo o mais, para fazerem as vezes de cereja do bolo e empalmar seus lucros. Conseguiram. Tancredo foi marcado pela tragédia, Brizola foi anulado mas FHC brilhou por dois mandatos. E o movimento ficou forrado de bandeiras com a foice e o martelo, como se aquilo fosse uma iniciativa socialista, quando era apenas fúria da massa pura e simples. Mas o aparelhamento prevê a indébita apropriação das insurreições.

O ser coletivo é uma soma de vetores da opinião pública (aqui opinião como soma compacta de percepções e argumentos consequentes, e não, como nos debates dispersos, voluntarismo) . Há diversidade como em qualquer manifestação humana. Nesta época de mídias sociais, ela consegue manter fóruns permanentes para agrupar as falas e fazê-las funcionar politicamente. Tanto o movimento anti-Wall Street quando as insurgências de massa do Oriente Médio ou a citada marcha contra a corrupção fazem parte desse novo rosto do ser coletivo, que é confundido como uma criatura digital. Não é. O meio apenas é a massagem mas não a mensagem. Serve como estímulo e nicho de confluências, mas a fonte não está aí.

O que pega é a percepção cada vez mais clara de que somos tungados pela falsa diversidade política, que é uma coisa só, e se agrupa em torno da indústria financeira internacional e seus laranjas nacionais. Proibiram bandeiras de partidos e figuras carimbadas nas passeatas e isso deverá permanecer como cânone se o movimento não quiser servir de massa de manobra para os raposões políticos. O problema é que o agrupamento de falas em forma de ser coletivo precisa de um passo adiante quando se consolidar, pois não pode compor o bolo e não usufruir quando ele estiver pronto.

Ainda é cedo, pelo menos no Brasil, quando as pessoas estão aos poucos conseguindo se livrar das falsas divisões de esquerda ou direita, de PTs ou tucanos, para dar o novo passo. O que deveria acontecer são os trend topics das mídias sociais em movimentos de massa com alguma repercussão prática. Não vejo como isso deverá virar realidade pois o país está dominado pelos facínoras, que são o crime organizado dentro das instituições, quando não totalmente no comando delas. Mas deve haver uma brecha nesse sistema aparentemente indestrutível.

E parece indestrutível porque funciona como a cidade mundéu de Os Sertões, de Euclides da Cunha, tantas vezes citado aqui. Você ataca a cidade e acaba enredada nela. Não consegue vencer. A luta exige fôlego, percepção clara, decisão contra as tradicionais armadilhas. Em Wall Street já estão baixando o sarrafo. No momento em que o movimento crescer aqui no Brasil, vai acontecer o mesmo. Aí veremos como é bom a democracia fajuta que eles nos impuseram. Será como a ditadura de sempre sem tirar nem por.

Não podemos esquecer a experiência do anarquismo, quando os movimentos de massa de insurgência anti exploração foram parar nas mãos de uma esquerda aparelhada. Foi tudo por água abaixo, claro. Isso não pode se repetir.


RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.

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