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Nei Duclós
Stand up é a arte de levantar a platéia com baixarias que você só teria coragem de dizer para você mesmo ou para os amigos mais próximos – talvez até na presença de desconhecidos em alguma festinha, para checar sua popularidade. Grandes lendas se fizeram à sombra do stand up, como Lenny Bruce, radical comediante americano interpretado por Dustin Hoffman num filme de 1974 e que morreu ao optar pela radicalização de suas falas, o que o levou ao isolamento e às drogas (ou talvez era o que realmente procurava, como forma terminal de produção artística). Hoje há George Carlin, hilário e devastador nas suas críticas aos ambientalmente corretos. Estrelas como Seinfeld fizeram a fama nos clubs e bares antes de estourar na TV com sua série (que foi mais obra do parceiro Larry David, igualmente brilhante).
No Brasil o stand up chegou com tudo porque é um espetáculo barato de se fazer e porque tinha chegado a hora (tardia, como sempre). Trata-se de um monólogo, uma sucessão de tuits cortantes que impõem um ritmo de falas para estocar o público. Normalmente dá certo, pois as pessoas estão ali para rir e também se vingar, pois esse tipo de comediante diz o que todo mundo está pensando, ou pelo menos, deveria dizer. Como o humor oficial, o que passa na TV ainda está nos anos 30, pois faz piada com homem se vestindo de mulher, o stand up pegou bem na nova geração de comediantes, livres dessa canga maldita do século 20 que assombra uma mídia capitaneada por matusaléns. Só o quadro de Zorra Total de dois travestis que são assediados no metrô já diz tudo sobre o humor que o stand up deveria enterrar.
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Como não há justificativa para semelhante atrocidade, Trier, ex-festejado diretor premiadíssimo por seus filmes radicais de vanguarda, foi banido do festival de Cannes. Ele depois tentou se desculpar, mas era tarde e não foi feliz nos seus argumentos. O stand up exige que você seja preciso. É uma questão de timing, bem mais do que você diz realmente. Você pode dizer as maiores baixarias, mas se respeitar certo ritmo e souber atingir aqueles pontos fracos do clima coletivo receptor, pode passar lotado. Fica tudo na risada. Mas é bom dosar e impedir que coisas profundamente sinceras (ou aparentemente engraçadas, mas brutais) não ajam contra sua verve, obrigando-o a se retratar ou desistir da carreira.
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A permissividade, aparentemente sem freios, bate no paredão da censura, que se manifesta não só oficialmente, mas de modo natural, quando o público mostra-se avesso às apelações mais escandalosas. Van Trier causou espanto até mesmo para quem estava ao seu lado na coletiva. E dividiu a platéia entre o riso e o escândalo. O escândalo venceu.
RETORNO - Imagens desta edição,pela ordem: Dustin Hoffmann no papel de Lenny Bruce;Ricky Gervais; Lars von Trier; Danilo Gentili e Rafinha Bastos.
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