![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMIWKiDjwqJ6DrINJ2DFf0OegegL8bVIdwq_Izx52cE2hTjI_2Ud-8-PjB9lyC-cCfD0lO9oSPP8vtnbLtwjSSaCoU6-48Gq5ByFoleaJeamtRdIBCtvyAtJeI4hD6FpnF7H2J/s400/caio+1976.jpg)
Nei Duclós
Continuo hoje compartilhando mais uma carta que Caio Fernando Abreu escreveu para mim nos anos 70. Desta vez, ele enumera três motivos para me enviar suas preciosidades: primeiro, a resenha sobre meu livro de estréia Outubro, que saiu na imprensa de Porto Alegre; segundo a alegria de ter participado de um encontro com jovens estudantes de Vacaria, RS, onde reforçou sua certeza na missão de escritor, num trecho antológico sobre nosso ofício; e terceiro, a descoberta de uma poeta mineira então desconhecida, Adélia Prado. O desfecho é mais do que surpreendente: o relato de um sonho castañedistico! Ou seja, é tudo alumbramento. Vamos à carta:
Porto 4.7. 76
Nei:
Te escrevi acho que faz umas duas semanas, um pouco menos. Você ainda não respondeu, e tudo bem, não se preocupe nem se apresse. Soube pelo Dudu (o San Martin, não o “Magic Stone”, que é meio chatinho) que você saiu da Folha de São Paulo – ou que te saíram, digamos assim. Sempre as sacanagens inesperadas, não é? Então imagino que você deva estar um pouco envolvido com a batalha de grana ou de novo emprego, e, sei lá, espero que tudo já tenha se resolvido ou, pelo menos, que você esteja levando na melhor possível, sem bodiar com isso.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijJnCNRy6Ex5m9UrsV42zGPjyE-pfn9K_tpn8aelF5io7Bn62K3yT2s8c-sA72W0X3RKeJxZoBSkotB4n9SK5IBW5ZKeZnQoQ4Y2uBKi0Kz7AqXCVddL36nH89O0A-3tskPZ9E/s400/carta+caio+miss%25C3%25A3o+1.jpg)
Tô te escrevendo por três motivos, principalmente.
Primeiro: enviar esse recorte, do “Caderno de Sábado” de ontem – uma crítica do Antonio Hohfeldt sobre Outubro. É UMA CRÍTICA ALTAMENTE ELOGIOSA - e eu fiquei contente. Muita gente pixa o Antonio (inclusive eu), mas, não sei, o Appel diz sempre que “no fundo ele é um sujeito bom e esforçado” – é um cara também que apesar dos seus muitos defeitos, tem uma grande abertura. É muitíssimo menos provinciano e cagador de regras que os Neis Gastais e Cristaldos da vida, o que é um ponto (ou muitos) a favor. Além disso, me parece que ele decodificou muito bem o teu livro, que ele sacou, sentiu. Espero que você também fique contente. O Wladyr Nader disse que teu livro era adolescente. Forças! Eu não concordo. Uma vez você falou uma coisa muito bonita, aquilo que “a gente não deve atraiçoar a própria juventude” – e na minha opinião é exatamente isso que o Nader não sacou no Outubro: o compromisso com o novo (que sempre vem, não é Belchior?).
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPvssqw5EF_9_wo8ZA0mVLcfv9QsIjzv0AvvK1R2TtdzziuQubyiC64cZN1wMtQM-8XT0aA_KwbNwiokX1J3T6gW9-2HbvSDbybMsoIyKIDwhdWbTJ_br3zrdnQB05LOTtBTlg/s200/carta+caio+miss%25C3%25A3o+2.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGONF_hxMCleahh-RTldjQ_gAC0-HUycGKQxlkwtNN9davv_id4rNkk7xjlTSwUwcvqqxLBlPcAhLxLpBO6ndrGz3DqPvvy8sYCbDXo49S952ySi2BV3nQmsCGhQ3_skT1xF2s/s200/H%25C3%25A1+Margem.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghNtnWRxOk_JDZplNmYd3G-BblKoBYAx_s3tF3nwRIH8WgBDMBi9sn0BCUhhvfoAT8I02cAvDuQdSa2n2bzFeDZT4kVT1_aIzO6pi1BI2x9-2qPcN78sUHgD7bQXah8rGxq42Z/s200/ad%25C3%25A9lia-prado2.jpg)
É isso aí. Tem muito mais, é um livro farto de singelezas, gosto de bolinho, dia de chuva e café preto. Adélia tem me encantado e me feito ver o mundo de um jeito muito mais simples, “sem sérias patologias”, que existe e que a gente já teve e se perdeu.
Ah, queria te contar também de um sonho castañedistico que tive em Vacaria: muitas coisas, uma festa, eu assistindo do portão uma festa que passava sobre a rua, e a rua era rolante, as pessoas não caminhavam, a rua é que carregava eles. Aí entrei na casa branca, grande, colonial, e tinha uma bacia de louça cheia de objetos, principalmente pedras. Mergulhei as mãos dentro da bacia. A voz da minha avó disse: “São objetos de poder”.
Saudade de você. Um beijo pro Daniel, outro pra Ida. Até de repente, do seu
Caio
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1cWQ10sG1ZtIj77qLDG2ArCaNV9BSX8NeTDT8cwspGSq7mMVQOtMWW1K4tgEfKz3z9CUSzMF1ZrVzump2M-FRgVINIjMLLV1V05doEYrOOSVl1fomM49Z3QQ9a8AunNkIxHGX/s320/carta+caio+miss%25C3%25A3o+5.jpg)
RETORNO – 1. Sobre personalidades: é a opinião do Caio, que deixo aqui na íntegra. 2. Gostei muito da resenha do Antonio Hohfeldt. 3. Teia e Há Margem são dois livros coletivos de contos e poemas que foram publicados naquela época em Porto Alegre. 4. Pedi demissão da Folha para trabalhar na IstoÉ onde, aí sim, me saíram. 5. Outubro é meu livro de estréia, publicado pelo Instituto Estadual do Livro –RS em que Caio foi um dos consultores: era preciso três aprovações – uma outra foi do Irmão Elvo Clemente, da PUC. 6. Wladyr Nader escancarou as páginas da Escrita para minhas resenhas. 7. Caio datilografou todos os poemas citados da Adélia Prado. Não reproduzo aqui porque tomaria muito espaço.8. Pelo mesmo motivo só reproduzo a primeira, a segunda e a última página da carta. As outras contém reproduções dos poemas de Adélia. Ao todo, são três folhas escritas na frente e no verso.
Obrigado.
ResponderExcluirCaio sempre!
ExcluirComo eu amo Caio!
ResponderExcluirConheci Caio ano passado, fiquei completamente maravilhado por Morangos Mofados. Não sei explicar o que senti, uma literatura tão sobre mim sabe? Curiosamente Adélia me pegou de jeito este ano, a paixão pela literatura brasileira me move!
ResponderExcluir