16 de agosto de 2011

ARRIETTY, A CHAVE DO TAMANHO QUE ABANDONAMOS


Nei Duclós

Em 1952 a inglesa Mary Norton começou a lançar uma série de livros que no Brasil, quando traduzido mais tarde, ganhou no nome de Os Pequeninos . No original é The Borrowers, ou Os Emprestadores. É sobre seres minúsculos (4 cm) que moram escondidos nas casas e tomam emprestado tudo o que for necessário para viver. Fica assim defendida a ética desses personagens, que não seriam ladrões, mas pessoas decentes, pois não se apropriam do que pegam, apenas as usam. Para devolver mais tarde? Não faz sentido, mas o importante é não dar mau exemplo ao público infantil. A não ser que seja uma representação da dependência entre espécies diferentes, fundamental para a sobrevivência de todos.

Dez anos antes, em 1942, Monteiro Lobato lançou sua obra-prima, A Chave do Tamanho (sempre imaginei que esse livro daria uma magnífica animação) sobre como a humanidade ficou minúscula e teve que enfrentar a vida contra gatos, pássaros e outros predadores. É exatamente o que acontece na história inglesa, adaptada em 2010 de maneira genial pelo estúdio do mestre japonês Hayao Miyazaki. A direção de Kari-gurashi no Arietti (Arrietti Pega Tudo Emprestado), ou simplesmente Arrietty, a garota que vai completar 14 anos e mora com os pais e é descoberta por um menino normal, é do discípulo de Hayao, o jovem talento de 37 anos Hiromasa Yonebayashi, que trabalhou no departamento de animação dos clássicos Princesa Mononoke, A Viagem de Chihiro, O Castelo Animado e Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar.

Quando lembramos de Walt Disney,queu assinou tudo o que talentos da sua equipe criaram (só mais tarde ficamos sabemos de Carl Barks e outros criadores), temos de prestar atenção na seriedade e na ética do gênio Hayao, que assim repassa o crédito para quem o acompanha e aprende com ele no seu Studio Ghibli. Arrietty é sobre um tema recorrente, o rito de passagem da menina para a mulher, como acontece tantas vezes nessas obras-primas da animação japonesa. Para variar, o filme é um assombro visual e narrativo, com detalhes impressionantes e uma ação pautada pela perseguição aos pequeninos e como eles fazem para sobreviver. O foco é o amor, a vontade de viver e a fantasia.

O garoto normal que descobre a garota minúscula sofre do coração e está na casa da avó descansando, deitado a maior parte do tempo. É obrigado a se mexer quando a malvada empregada da casa, Haru, descobre a existência da mini-família e decide chamar os Exterminadores. A família dos pequeninos pode ser vista como fruto da imaginação do garoto confinado, que precisa de estímulo e apoio, já que sofre de uma orfandade brava, pois perdeu o pai e a mãe vive viajando. Essa fantasia, confinada no porão, aflora em forma de menina-moça, a garota corajosa que tenta romper os limites familiares estimulada pela curiosidade própria da idade e para cumprir seu destino de criatura amorosa em busca da realização.

O encontro e a despedida entre os dois são duas cenas antológicas, de fazer chorar as pedras. A impossibilidade do amor em dois mundos paralelos e incomensuráveis, ligados por um sentimento confuso e esplendoroso, jorra nesses momentos encantadores e toma conta da tela. Os dois ganham algo com o sonho que os aproxima: ele sabe que para se sair bem da cirurgia precisa acreditar em viver e ela descobre que para crescer precisa romper com a tradição e ao mesmo tempo manter-se fiel aos princípios que definem a decência de seu ambiente.

A música, maravilhosa, do filme foi composta pela francesa Cécile Corbe. Arriety foi lançado há poucos dias na França e na Inglaterra e está para chegar ao Brasil e aos Estados Unidos. O Brasil já tinha o plot, mas vocês sabem o que fizeram com o Sítio do Pica-Pau Amarelo: destruíram tudo na TV. Tínhamos estatura, tínhamos tamanho e dispúnhamos da chave. Mas foi tudo abandonado. Pior para nós. Os estrangeiros sabem o que fazer com uma idéia brilhante, que é clássica na literatura, a começar pelas Viagens de Gulliver.

Depois de ver, emocionado, a história da menina que guarda para sempre o amor do garoto que a descobriu e protegeu, liguei na TV aberta. Passava um filme asqueroso, numa cena de banheiro,alguém travestido fazia caretas sentado no vaso. É assim que a bandidagem funciona no Brasil: desabitam o espírito da coletividade com toda sorte de baixaria e deixam no limbo as maravilhas produzidas na nossa época, que tentam exatamente reverter a avassaladora onda de barbárie que toma conta do mundo.

RETORNO - Algumas informações para este artigo foram tirados do IMDB, o grande portal de cinema mundial e deste site.

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