5 de agosto de 2011

O CLIENTE DE TEXTOS


Nei Duclós

Cadeia produtiva implica um conjunto de clientes encadeados. Acontece também quando o produto é o texto. Quem confecciona artigo, nota, conferência, discurso; ou notícias, relatórios, campanhas, projetos especiais para atender necessidades institucionais e de marketing, precisa estar sintonizado com uma rede de interesses. Primeiro, se reportar a quem faz a encomenda diretamente, e que está a serviço de outra demanda, situada em posição mais remota em relação a quem produz o texto. No fundo, é uma linhagem de terceirização, que acaba caindo no colo do especialista, redator, artesão ou mestre de ofício da palavra.

Por que precisam do escriba? Não por seus belos olhos, ou porque saiba “dourar a pílula”, como dizem. Há preconceito contra a profissão porque todos acham que escrevem. Ao redator profissional, cabe detectar o que clientes próximos ou distantes querem dele. Não é difícil, basta perguntar e escutar. Desse contato, repassado em forma de briefing, surge, em meio à tralha comum de inutilidades verbais, o núcleo da questão, que pode ser o mote, ou mesmo um achado, uma solução pronta de linguagem, mas limitada porque a fonte não tem a maestria, o conhecimento para completar o serviço.

É um trabalho cheio de desdobramentos. O escriba precisa ter o desprendimento necessário para saber que vai produzir algo que não lhe pertence, mesmo que coloque no texto final todo o seu acervo e mesmo repasse até o desenho de um estilo. É preciso descolar-se do trabalho e ao mesmo tempo se envolver profundamente com ele, pois disso depende a sobrevivência. Seu objetivo principal é colocar no texto não o que vai imaginar, criar, bolar, mas o que vai conseguir a partir daquela migalha que recebeu da cadeia de clientes. Essa semente deve ser colocada na primeira linha, ou pelo menos deve ocupar o primeiro parágrafo, para que o receptor reconheça ali a própria marca e crie confiança desde o início no resultado do trabalho.

Se fosse só isso, o especialista nem seria convocado. Mas o amador em texto, o profissional de outra área que precisa dos préstimos dessa especialidade, não consegue a costura necessária para realizar o intento. O briefing precisa estar mergulhado numa solução de prata, o peixinho colorido deve ter ambiente na água limpa do aquário que só o escriba possui. Esse visgo, essa liga, essa arte, é o que define o valor do texto, sua razão de ser. É um resultado rápido de conseguir se o autor tiver traquejo de atender o freguês no prazo e na qualidade exigidos. Não se dorme sobre uma encomenda como se fosse uma sesta depois do vinho. Mas se embrulha o peixe ainda fresco para levar à porta do cliente.

Chocante? Nem um pouco. O ghost writer, o articulista sob encomenda, o cara da criação da área das letrinhas, é um trabalhador comum, que pode chegar à excelência, como em qualquer artesanato. Isso significa convencer primeiro o cliente mais próximo e, de quebra, por tabela, o que está mais distante e é quem decide a parada e libera a remuneração. Se a obra for bem feita, há retorno, ou seja, nova encomenda. Se o preço for razoável, pensado como um entre muitos que virão, há chances de continuar atendendo.

No caso de alguém que for contratado só para isso, e não apenas um freelance, que é mais comum, os cuidados devem ser redobrados, pois o hábito pode virar vício e quando menos se espera o empregado acaba com uma pilha de currículos para ser distribuído em muitas portas. Para evitar transtorno, é preciso agüentar no osso e muitas vezes engolir sapo. Isso não significa ser submisso e puxa saco. Humildade e eficiência garantem longevidade numa colocação profissional. A criatura das palavras, que vive do que escreve, é um abnegado e devoto colaborador que usa o verbo como instrumento. Vale ouro, mas nem sempre é bem pago.

Nesse embrulho, é preciso ser o menos vaidoso, o mais bem humorado, uma postura que é fruto do desprendimento citado acima. Mas cuidado. Perca a piada mas não perca o cliente. Não há muitos lugares onde um peão das letras pode domar o potro bravo das linguagens corporativas e institucionais. Precisa ser do ramo.

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