21 de setembro de 2010

CACARECOS


Nei Duclós (*)

Há uma diferença radical entre Cacareco e Tiririca. Cacareco não era para valer, foi “eleito”, mas não assumiu, enquanto o humorista Everardo Oliveira Silva poderá ser deputado federal com 1 milhão de votos, segundo estimativas, um volume dez vezes maior do que o obtido pelo rinoceronte do zoo paulistano em 1958. Outra diferença é que Cacareco era um protesto, não fazia parte da política oficial, o que não acontece com Tiririca, que tem candidatura registrada e é membro de partido com firma reconhecida.

O que os dois tem em comum é que suas candidaturas não são espontâneas, foram plantadas. Nos anos 50, a sugestão do jornalista Itaboraí Matins, revoltado com a baixa qualidade dos concorrentes à Câmara Municipal de São Paulo, obteve apoio de peso do movimento pró-independência do antigo bairro de Osasco, que hoje é cidade. Já existiam 300 nomes da região para as eleições, mas a proposta foi podada pela Justiça. Revoltados, os líderes políticos de Osasco imprimiram cem mil cédulas do rinoceronte para serem colocadas nas urnas.

O povo foi estimulado a se insurgir contra aquilo que já tínhamos em excesso e hoje faz parte da paisagem: a incompetência e a falsidade, para não dizer coisa pior dos políticos. Como a situação não mudou, o fenômeno repercutiu tempo afora e resiste como modelo de denúncia contra quem se candidata a cargos públicos, vence e acaba fazendo tudo o contrário do que pregou. A história explodiu quando as marchinhas de carnaval, que na época ganhavam reforço dos humoristas, acolheram o novo personagem.

Um deles era Adoniran Barbosa. Na rádio ele interpretava uma criação sua, Espúrio da Silva, que teria perdido, segundo música de grande sucesso, a amada e pedia para ela voltar. O refrão era “aqui, Gerarda”, com o erre que é a marca do cancioneiro paulistano de Adoniran e que, curiosamente, sobrevive no Everardo de Tiririca. O sucesso influenciou outra marchinha, feita em homenagem ao Cacareco, por obra dos compositores Risadinha (Francisco Ferraz Neto ) e José Roy, que capricharam na citação. Enquanto Adoniran fala em “Você gosta de salsicha com mostarda”, a nova música descrevia o rinoceronte vitorioso “tomando chope com salsicha e rabanada” e repetindo o refrão consagrado de Adoniran.

Eram outros tempos. Quando havia Brasil, não ruínas.


RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 21 de setembro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: o rinoceronte zebrado tirei daqui.

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