15 de dezembro de 2009

PRESENTES DA FÉ


Nei Duclós (*)

É complicado o caminho da fé. Acredito que o futebol obedeça à geometria clássica na base e à mecânica quântica na ação. Posso provar: a esfera jogada nos limites de um retângulo voa em direção à linha de fundo, mas some por instantes, refaz a rota e despenca miseravelmente beijando a rede, deixando o goleiro atônito. Jamais atribuo esse fenômeno aos deuses dos estádios, entidades inverossímeis inventadas pela crônica esportiva.

O que é imaginado costuma existir. Há exceções. O trem bala, por exemplo. Inúmeras vezes esteve na bica de ser implantado, ligando celeremente grandes cidades na velocidade da luz, mas fica apenas no papel. Outra armadilha é o Papai Noel. Assassinado todos os anos quando a criança já pode ser alvo da má notícia, ele ressurge dando colo no Natal seguinte. A resistência do santo que virou herói do consumo deve ter origem no seu entorno de milagres. Pois ele não existe sozinho. Há os presentes. Cada embrulho encerra algo que se mantém vivo na memória pela vida afora.

Nem vou falar do pião que rodava sob pressão e emitia um apito. Ou o tanque de guerra movido a pilha que desviava de obstáculo e bombardeava o mundo com suas luzes coloridas. Ou a bola número cinco de couro novinha, pronta para ser destruída nos pedregulhos do terreno baldio. Ou do livro inesquecível que até hoje mora na estante, com sua dedicatória datada. Mas da sensação, do brilho, do encanto que é acordar na noite de Natal e correr para o lugar onde os sapatos acolhem os pacotes tão aguardados.

Isso faz parte do passado, me dizem. O problema é que também não acredito nisso. A árvore da sala não ultrapassa um metro de altura, mas já está engalanada com soberba estrela no pico e, por força da pressão exercida pelo público infantil, com dúzias de calçados em prontidão. Isso aconteceu naturalmente, sem que ninguém fizesse nenhum esforço. Os rituais do fim de ano se impõem pela fé limpa e objetiva. Se houver acusação de consumismo, temos o presépio, para anunciar a esperança.

Depois, chegam os votos para o ano seguinte. Tenho fé que, se elaborarmos nossos sonhos com cuidado, haverá mais chances de fazê-los acontecer. Um deles é andar de trem. Nem precisa ser bala. Basta ser como um presente, desses que ficam para sempre.

RETORNO – 1. Imagem desta edição: trem japonês, meu presente de Natal. Tirei daqui.2. (*) Crônica publicada nesta terça feira, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

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