1 de dezembro de 2009

O COLUNISTA E A NOVEMBRADA


Defesa ardorosa do regime militar e ataque aos que se manifestaram contra João Figueiredo em Florianópolis em novembro de 1979 – a célebre novembrada -, foram o estopim das críticas contra um dos colunistas da RBS, Luiz Carlos Prates. Teve blog que pregou uma suástica em sua roupa, entre outras acusações. A revolta contra Prates obedece ao esquema pré-estabelecido entre os que são contra e os que são a favor da ditadura. Trata-se de um erro, pois a esta altura do campeonato, 25 anos de presidentes civis, é preciso abordar o tema com mais maturidade e não se deixar levar pelas paixões, em ambos os lados, como se política fosse futebol (e assim mesmo futebol está dando de dez em complexidade, basta ver a recente febre gremista entre os colorados).

Não, não sou a favor da ditadura nem acho que Prates tem razão ou que precisa de que alguém o defenda. Mas é inegável que ele tem argumentos e, apesar de serem expressos na sua tradicional contundência, merecem uma contra-argumentação à altura dos motivos elencados por ele. Aviso que esses motivos são aceitos por uma parte da população, pois ficou claro que o regime dos que lutaram contra a ditadura passou do dólar na cueca para o real na meia. Se falam tão mal do regime militar e vivem envolvidos em falcatruas, então será que o regime militar foi mesmo essa coisa hedionda? É o que perguntam.

Outra advertência: a ditadura foi civil-militar e hoje é só civil, mas essa é a minha percepção dos fatos e não vem ao caso aqui, por enquanto. O importante é que os argumentos de Prates a favor da ditadura são: 1. Havia segurança, todos podiam sair às ruas, até de madrugada sem serem molestados. 2. Houve crescimento econômico significativo. 3. João Figueiredo morreu pobre, ou seja, não era corrupto. Todas essas evidências podem ser comprovadas pelo depoimento do próprio Prates, que invocou seus tempos de juventude, de início de carreira no jornalismo, em que ele estava no front dos acontecimentos e pode, portanto, confirmar tudo.

Em contraposição a esses dados positivos sobre o regime militar, Prates colocou que hoje ninguém pode sair às ruas sem ser importunado, e que somos governados por pessoas que, segundo suas palavras, não sabem o que é miséria depois de passar pelo governo. “Demos para trás”, diz Prates e encerra sua defesa saudando Figueiredo, que “soube nos levar para a verdadeira democracia”. O que há de ofensivo nesse acervo favorável ao regime desmoralizado a partir de 1985? Muita coisa, mas não por obra de Prates, uma pessoa que acredita no que diz, diz o que sente e pensa e prega diariamente disciplina e erradicação da pouca vergonha que tomou conta da nação.

Tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente quando lancei meu livro O Refúgio do príncipe. O gentil homem, o entrevistador certeiro, o jornalista vocacionado é a expressão de um carisma raro entre os profissionais da imprensa. Prates criou um personagem para ser visto por milhares de pessoas e é esse personagem que está em pauta, e que na defesa da ditadura serviu-se da biografia pessoal para reforçar o que estava sendo dito. Pelo pouco que pesquisei, Prates começou sua carreira em 1960, quando não havia ditadura, ou seja, cai por terra seu argumento que no início da sua carreira ele tinha segurança porque o regime estava fechado.

Havia democracia desde 1946, quando uma Assembléia Constituinte votou uma Constituição e eleições diretas elegeram o presidente Dutra. Três anos depois do nascimento de Prates, que se criou assim num regime democrático. Sua formação se deu na época do Brasil Soberano. Fez o primário no governo Dutra, o ginásio no governo eleito Vargas e formou-se nos governos JK e Jango. Só quando atingiu a maioridade foi colhido pelo golpe de 1964, que estabeleceu a censura à imprensa, e em conseqüência a censura às falcatruas, roubos e desvios do dinheiro público, já que tudo estava sob o tacão da ditadura.

Só quando houve a distensão de Geisel e a abertura de Figueiredo é que a imprensa pôde começar a respirar. O crescimento econômico, sabemos, foi feito à custa do aumento do fosso entre as classes sociais, do endividamento externo brutal, da superconcentração de renda e de populações, que migraram em massa do interior e incharam as capitais, entre outros desastres. Houve a militarização da sociedade, com a tortura e a violência sendo disseminada em rede, já que tanto na época de Vargas quanto na da democratização de 1945 a 1964, o banditismo não teve o crescimento que se verificou mais tarde, quando a direita civil deu o golpe. Os militares empalmaram o Planalto, mas os civis continuaram na política econômica, o Congresso, os governos estaduais e municipais, os ministérios mais importantes etc.

A novembrada aconteceu em plena Abertura, contra um presidente que tinha se comprometido a devolver a democracia ao país. Um presidente voluntarioso, que pediu briga e saiu para o desforço físico. Um sujeito que teve vários peripacos no coração e que ao ser operado nos Estados Unidos declarou que lhe “abriram como um frango assado”. Os estudantes tinham seus motivos, o movimento foi importante, de confronto não só contra o regime, mas contra a manipulação da História e da memória, pois o estopim foi uma placa comemorativa ao marechal Floriano Peixoto.

Não foi, portanto, um movimento de fracassados nem a ditadura foi um modelo. O problema é que a ditadura se consolidou em 1985, se legitimou ao se livrar dos militares. A direita civil, via Sarney, tomou todo o poder e está lá até hoje, ou alguém duvida que o PMDB (vindo a oposição consentida da época da ditadura explícita) governa o país? É preciso debater e não se deixar abater ou tentar abater a tironaços quem pensa diferente. Prates é importante, não só por ser jornalista como todos nós, e portanto merece respeito, mas porque expressa o sentimento de muita gente. Uma senhora que conheço me falou que “ele diz o que a gente pensa”.

Isso deve ser levado em consideração. Colocar suástica na sua roupa depõe contra a democracia dos que dizem defendê-la. O papel da imprensa não é apontar o dedo contra quem assina o que escreve, mas não deixar passar a oportunidade de destrinchar os fatos, que podem muito bem ser analisados a partir de uma fala contundente. Esta, jamais pode ser considerada um crime de opinião. Sabemos em que túnel nos metemos quando inventaram o crime de opinião.

RETORNO - Imagem desta edição: Novembrada.

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