24 de outubro de 2009

O ESTRANHO BENJAMIN BUTTON


Leio entrevista do roteirista Eric Roth, o mesmo de Munique (de Steve Sipelberg) e Forrest Gump (de Robert Zemeckis), sobre O Caso Curioso de Benjamin Button, de 2008. Consultando especialistas, descobriu que Scott Fitzgerald não levava a sério o conto, que fez apenas por dinheiro, pois era para ser publicado em revista e não em livro. Reli o conto depois de ver o filme. Como o gênio jamais descansa, Fitzgerald criou uma fábula com extrema consistência na estrutura narrativa, tanto é verdade que continua firme e forte, apesar do tema bizarro: o sujeito que nasce ancião e morre bebê. Esse núcleo é que deu margem para a indústria cinematográfica arriscar 150 milhões de dólares no filme, dirigido por David Fincher, o mesmo do violento Clube da Luta.

Eric Roth perdeu os pais enquanto preparava o roteiro do filme, protagonizado por Brad Pitt e a onipresente Cate Blanchet, a nova Emma Thompsom, já que todos os filmes são com ela. Não lembram de convidar outra atriz. Por que será? Lembro de Hitchcock fugindo do assédio de James Stewart, que queria ser de novo o ator principal de um novo filme dele depois de ter feito quase todos os outros. Tom Hanks diz que Eric escreve roteiros sobre a solidão. Ele não concorda, mas é verdade. Button é a saga de uma criatura excêntrica que sofre sua sina com parceiros eventuais que vão sumindo aos poucos, conforme sua vida vai se desenrolando pelo avesso.

Apesar de reclamar da voragem presencial de Blanchet, ela está ótima, como sempre. Mas Brad Pitt, que poderia ser apenas um rosto de Hollywood, se supera a cada lançamento. Vi grandes filmes com ele, sendo o maior, sem dúvida, o brilhante O assassinato de Jesse James, de Andrew Dominik Neste, desenvolve um personagem concentrado, sofredor, emocionado. A tecnologia e a maquiagem fazem horrores, mas o que vale é a interpretação dos atores, que nos convencem numa história de extrema originalidade (a idéia teria sido soprada por Mark Twain). O que será que significa o texto, se é que ainda toleram a leitura de significados na atual fase de relativização e abandono de velhos paradigmas teóricos?

Não podemos esquecer que o conto se passa na sociedade escravista do sul, em que a extrema bizarrice e marginalização era jogada nas costas dos negros. Eric Roth faz com que Benjamin seja rejeitado pelo pai e acolhido por uma babá negra estéril (não podia ter filhos) que cuida de um asilo de velhos. As convenções condenam o recém nascido, mas o amor, que se recolhe ao reduto dos marginalizados, o salva. No conto, o pai de Benjamin diz que gostaria que seu filho fosse negro, assim não passaria tanta vergonha.

Todos os personagens do filme acompanham essa maldição de serem outsiders numa sociedade que leva gerações sucessivas para a carnificina das guerras. Eric coloca a história como um contraponto do conflito, pois andando para trás o relógio poderia devolver os solados mortos para os pais e a sociedade, onde poderiam crescer e envelhecer com suas famílias. Fitzgerad teria usado o artifício da vida ao contrário para passar o recado de que a humanidade deve acordar para o amadurecimento e fazer dele uma fonte infinita de renovação?

O conto foi escrito nos anos 20 e a história se passa a partir da Guerra Civil americana. O filme começa na Primeira Guerra e vai até o furacão Katrina, no século 21. Vivemos hoje a inversão dos valores, com os jovens desprezando a herança das gerações passadas e os velhos querendo engrossar as fileiras do desfrute e da irresponsabilidade. Há marginalização da Terceira Idade, empurrada para roupas “jovens” e comportamentos estranhos, enquanto a meninada, liberta pelas novas tecnologias, vive um mundo à parte, tendo rompido com a velha linhagem do repasse da experiência. Algo se partiu no mundo e o conto apenas captura uma tendência que se consolidou no século 20 e hoje faz parte da natureza das coisas.

Não sei se é isso. O filme é bom, intrigante, super bem feito. Destaque para os coadjuvantes que trazem para a tela momentos inesquecíveis do capitão bêbado e tatuado do rebocador, que se considera um artista, o pigmeu contador de histórias, freqüentador de bordel, o velho que vivia contando como escapou de sete raios mortais, a mãe negra de Benjamin, entre outros. Uma galeria de anti-heróis magníficos, que fazem deste filme um dos grandes lançamentos desta primeira década do século.

RETORNO - Imagem desta edição: Brad e Cate em Benjamin Button.

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