30 de outubro de 2009

FROST/NIXON: A PAUTA IMPROVÁVEL


Atualidade absoluta: os americanos fazem um filme que resgata os crimes de Nixon, com o objetivo de acusar a gestão Bush, mas está sob medida para o Brasil. Temos casos idênticos, como Collor, que também renunciou à presidência para escapar de ser deposto, ou Lula, que também nada sabia sobre o que faziam seus assessores. Só essas sintonias já justificam tratar como obrigatório o filme Frost/ Nixon (2008), de Ron Howard, baseado em peça do mesmo nome de Peter Morgan e que recebeu cinco indicações para Oscar (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator - Frank Langella, no papel do ex-presidente -, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Montagem).

A pauta era improvável, já que ninguém queria saber de Nixon a não ser que fizesse um mea culpa em público. As grandes figuras carimbadas do jornalismo americano não queriam pagar esse mico, arriscar sua credibilidade caindo nas armadilhas de Nixon, que poderia sair fortalecido do embate. Talvez, e nisso acreditavam os que tinham muito a perder na mídia americana, em vez de ser destruído publicamente num balanço da sua presidência, o ex-presidente poderia recuperar espaço e fazer um retorno humilhante para seus adversários, como aconteceu aqui depois dos grandes escândalos, quando vimos antigos acusados gargalhando juntos nos palácios republicanos.

O desastre quase aconteceu para o jornalista britânico David Frost e sua brava equipe. Mas lá existe imprensa, opinião pública, preparo, fôlego. Os Estados Unidos são outra coisa. Não quer dizer que foi uma tarefa fácil. A seriedade, a responsabilidade, a coragem encontraram dificuldades. Pois a entrevista, para a televisão, de 12 horas que Frost fez com o ex-presidente em 1977, cinco anos depois da sua renúncia em função do escândalo de Watergate, tinha tudo para dar errado.

O entrevistador não era do ramo, acreditavam, já que amargava um exílio na Austrália, fazendo show de entretenimento depois de meteórica passagem por Nova York. Enquanto Nixon era considerado do ramo, tinha manha televisiva, e iria esmagá-lo. Esqueceram que a especialidade do jornalista é o jornalismo, não a política ou qualquer outro assunto. E que um político, em frente as câmaras, por mais experiente e vivo que seja, sempre será uma fonte, jamais um jornalista, que no seu meio está em vantagem.

O filme foi concebido como uma luta de boxe, decisão do título de campeão dos peso pesados. As equipes jogavam a toalha, interrompiam, falavam na cara do lutador na hora do intervalo. Os contendores escutavam, recuperavam o fôlego, se preparavam para mais um round. O estudo detalhado das fitas gravadas do caso Watergate, a pesquisa minuciosa, a elaboração exaustiva de cada pergunta, o exercício de dramaturgia que tentava adivinhar o que o adversário iria dizer, fazem do filme uma sucessão de golpes com o único objetivo de destruir o adversário.

Os dois personagens principais se superam na briga. Nixon, que vinha de uma derrota absoluta, a condenação geral da nação e amargava um isolamento que o deixava exasperado, começa a ganhar pontos nas primeiras horas de entrevista, quase levando o entrevistador a nocaute. Foi um detalhe importante, conseguido pelo pesquisador interpretado pelo excelente Sam Rockwell, autor de quatro livros sobre Nixon, que descobriu a prova do crime. Ou seja, de que o presidente sabia da invasão do prédio onde funcionava o Partido Democrata e que tentou obstruir a justiça por meio do suborno das testemunhas.

Isso foi fatal para virar o jogo. De cara no chão, o entrevistado confessa que errou, mas se recusa a pedir desculpas e a se humilhar. Arrosta toda a responsabilidade e exibe, no final, o rosto demolido de sua grande derrota, que era o que a população queria ver. O sucesso da entrevista foi tremendo. Enriqueceu os poucos investidores que ajudaram a cacifar os 600 mil dólares de custo, cobrados por Nixon para falar. E devolveu Frost para o centro do mundo. Hoje ele continua em destaque em Londres, onde é Sir.

Grandes atores em cena nos mantém em atenção constante ao longo da narrativa. Além de Langella, soberbo, há Mike Sheen no papel de Frost (ele tem um ar de Tom Cruise). E além de Sam Rockwell, há Oliver Platt, hilário na equipe de Frost, e Kevin Bacon, no papel de um oficial da Marinha e confidente de Nixon.

Frost/Nixon: ver para aprender como se faz. Mais do que obrigatório, antológico.

RETORNO - Imagem desta edição: Mike Sheen (Frost) e Frank Langella (Nixon): quem vai a nocaute?

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