10 de setembro de 2009

GOSTEI DO CHILE


A seleção chilena jogou em Salvador na noite desta quarta-feira como um time coeso, perigoso, objetivo, contra um Brasil que quase se esgarçou no momento em que, no final do primeiro tempo, resolveu brindar a torcida com um inoportuno olé e quase dançou no jogo. Isso aconteceria fatalmente não fosse a seleção brasileira um time com identidade, preparada e pronta para a Copa, mesmo tendo que colocar jogadores de última hora para substituir quem ficou afastado por motivos de cartão amarelo e contusão. Quase nos tornamos os argentinos dessa vez, perdendo o jogo para os adversários, que poderiam arrancar sua classificação, como fizemos em Rosário no sábado passado contra o time do Maradona.

Não devemos cair no lugar comum de que o maior adversário do Brasil é o Brasil. Neste jogo, foi o Chile. O fato de facilitarmos não é o fato principal. O mais importante é o preparo do Chile que, junto com o Paraguai e o Equador, é uma das estrelas ascendentes do futebol do continente. Argentina e Peru são exemplos de decadência, o Uruguai é uma possibilidade de ressurreição e a Bolívia, Colômbia e Venezuela marcam passo numa situação de falta de competência. Os chilenos já aprontaram muito e não eram de confiança. Já simularam contusão num célebre jogo em que o goleiro Rojas colocou mercurio no rosto para justificar o abandono do time de campo no momento em que decidia com o Brasil. Costumava partir para expedientes traiçoeiros e bate sem dó quando se vê pressionado. Mas com o tempo eles aprenderam a jogar com mais desenvoltura e, sob a batuta de um técnico argentino, apresentam agora um futebol certeiro, que merecia mais respeito em campo.

Sorte que o Brasil contou com alguns trunfos, como Nilmar, craque leve e ágil, que se movimenta por todo o campo e tem, além de poder de fogo na hora da finalização, sorte. Comparem a tentativa de Adriano de cabecear e, logo ao lado, o gesto de Nilmar espichando a perna. O lance diz bastante sobre a situação dos dois. Adriano se esforça para chegar até a bola, que parecia vir sob medida para ele. Mas logo ao seu lado, Nilmar, praticamente sem ângulo, com o corpo navegando no ar, consegue acertar o chute e fazer o gol. Adriano é a retomada do seu futebol que já foi maior e procura encontrar o caminho para uma nova chance. Essa palavra, chance, significa também sorte. E Nilmar está liso para entrar no time que vai para a Africa. A sorte lhe sorriu, ele que é um dos grandes talentos da nova geração dos craques brasileiros.

Fiquei preocupado com Dunga, que viu seu stress subir de maneira assustadora. Debaixo da chuva, discutindo com quem cuidava as margens do campo, completamente encharcado, fazendo gestos incisivos e gritando, Dunga era o retrato do desespero. Não há motivos aparentes para se desesperar, pois, como não cansa de dizer a televisão a cada dois segundos, estamos classificados. Iso já não significa nada para Dunga. Foi um alivio, uma alegria que durou alguns minutos ou horas depois do jogo com a Argentina.Ele agora está de novo com gana de acertar e tudo parece conspirar contra.

Acusam Dunga de mau humorado, mas se trata de outra coisa. Não, não vou usar a batida palavra guerreiro. Dunga é um escravo do senso de responsabilidade. Encara seu trabalho como missão, sem ser missionário, é apenas um profissional do futebol. Mas sua formação, que conheço bem porque nasci naqueles lados, é de jamais baixar a guarda. Aprendemos isso com nossos pais. Não bastava tirar a média mais alta do colégio, não era mais do que a obrigação. Não tínhamos o direito de celebrar. Poderíamos fazer festa, mas jamais poderiamos esperar que uma figura paterna, grave e poderosa, viesse te dar tapinha nas costas. Isso desmoralizaria a relação familiar entre pai e filho. Um pai é um penhasco à beira mar. Contra ela batem nossas ondas da infância. Até aprendermos a subir pela pedra e a chegar ao lugar mais inacessível. Só então recebemos um aperto de mão.

Dunga faz parte dessa cultura: não está acessível para o elogio ou a punição de quem não entende ou não aceita o espírito do seu trabalho. Ele está focado apenas na necessidade de cumprir sua missão. Está só, como um navio em direção à tormenta. Assim é Dunga e sua seleção que surpreendeu todo mundo. Contrariou todos, menos o Diário da Fonte, que acertou ao insurgir-se contra a má vontade que cercou nosso capitão nos primeiros tempos de seleção. É justo que se rebele, que reclame e cobre. Agora ele está bem na fita. Vão todos ficar incensando o cara, loucos para derrubá-lo no primeiro deslize? Pois é assim que costumam fazer. Aqui, neste jornal de combate, dizemos nesta altura do campeonato: todo cuidado é pouco. Facilitamos com o Chile. Poderíamos ter perdido. Não seria um desastre, mas, mesmo com os 4 a 2 a nosso favor (três gols de Nilmar), foi um aviso.

Tivemos sorte, a chance de sairmos mais uma vez vitoriosos. Mas poderia ser diferente. Devíamos ter desconfiado desde o início, quando vimos a letra do hino chileno, cheio de suavidade e poesia, ao contrário de tantos outros hinos hispânicos, em que sobra sangue e violência. Tem até independência ou morte ("tumba dos livres"). Um país que tem um hino assim, pode ir longe. Com letra de Eusebio Lillo, Bernardo de Vera y Pintado e música de Ramón Carnicer, é uma beleza, vejam:

Puro, Chile, é teu céu azulado,
puras brisas te cruzam também,
e teu campo de flores bordado,
é a cópia feliz do Éden.
Majestosa é a branca montanha
Que te deu por baluarte o Senhor
e esse mar que tranquilo te banha,
te promete um futuro esplendor.

Refrão
Doce pátria, receba os votos
Com os que Chile em teus altares jurou
Que ou será tumba dos livres,
ou o asilo contra a opressão

Nenhum comentário:

Postar um comentário