29 de setembro de 2009

FRASES LONGAS


Nei Duclós (*)

A frase longa servia para expressar pensamentos completos, complexos. Para isso eram usados todos os recursos, especialmente os apostos, aquele tipo de oração complementar que ajuda a refletir a intensidade do autor. Mas como a frase longa assumiu prestígio num tempo em que não havia tanto ruído, e as pessoas se dedicavam a escutar ou ler o que os outros diziam ou escreviam, imediatamente os oportunistas adotaram o estilo, para prejuízo geral.

Os textos adquiriram ostentação, em que os ornamentos escondiam objetivos escusos, sob a pretensa preocupação com a integridade das mensagens. O excesso contribuiu para a imposição de uma cultura artificial que contaminou a literatura e sufocou a cidadania. Quando vemos as catilinárias dos políticos, as justificativas extenuantes dos advogados ou as arengas do Executivo, sabemos que o pesadelo da linguagem assumiu o poder.

Para compensar o desvio de conduta, os escritores dedicaram mais espaço para a frase curta, que servia de contraponto nos textos clássicos, mas que, com as vanguardas, atingiu status de grande arte e beneficiou outras atividades, como o jornalismo, evoluindo para a contundência expressa em poucos caracteres, como vemos hoje nos microblogs. Ao mesmo tempo, a escassez das palavras, no lugar de representar a profundidade do pensamento sem os arabescos e firulas, acabou produzindo um rastro de ruínas. Vemos diariamente, em todas as rodas, a redução da lógica em função da repetição de jargões, tidos como pílulas fundamentais de sabedoria.

Ficou abandonado o ofício árduo capaz de reunir, num único conjunto de revelações, todo o espectro de uma situação real, reproduzida de maneira compensatória para interlocutores atentos e exigentes. Diminuiu o nível da compreensão, com o efeito colateral de ter sido jogado no ralo um acervo razoável de conhecimento. Ficamos com a reprodução infinita de sons recorrentes, restos de sílabas e palavras, em que se invoca o dom da telepatia para entender o que no fundo não guarda nada dentro de si.

É preciso resgatar a frase longa, no que ela de tem de grandeza e lucidez. Isso vai também recolocar no devido lugar a eficiência das frases curtas, quando perdem o excesso de importância insuflado pelo hábito, a soberba ou a preguiça.

RETORNO - 1. Imagem deste post: Island girl, obra de Juliana Duclós. 2. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 29 de setembro de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

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