1 de novembro de 2007

O JOGO DOS SETE ERROS


A Scotland Yard foi condenada pela Justiça britânica não por matar a sangue frio e sem nenhum motivo o brasileiro Jean Charles de Menezes, mas porque colocou a população (ou seja, os ingleses) em risco. A polícia londrina argumenta que foi um erro, mas não um crime. Como Charles levou sete tiros na cabeça, então foi sete vezes o mesmo erro. Os caras deram o primeiro tironaço, foi um erro, ok. Aí deram o segundo. Mais um erro. Mais outro e assim por diante. Erraram, erraram, erraram, erraram. O fato do cara ser destruído numa estação de metrô não conta. O que vale é o quanto os cidadãos ao redor correram perigo na hora do fuzilamento.

No fundo, não há culpados. São todos inocentes e voltaram ao trabalho numa boa. Quem foi processada foi a polícia “como um todo”, ou seja, ninguém. Você não pode colocar na forca a Scotland Yard, pois a forca era a condenação mais óbvia para quem acaba com a vida de um inocente pelo uso prepotente da força. Agora, a gracinha absoluta é a fotomontagem entre os dois rostos, um de Charles e outro do terrorista procurado. Como eram parecidos, não é inglesinhos de merda? Como toda essa gente do Terceiro Mundo é igual, parecem até japoneses. Desafio: veja as duas metades de rosto e ache os sete erros, as sete diferenças. É simples: o cara da esquerda não tem sete balaços na cabeça.

A questão é o seguinte. Já ouviram falar de um errinho desses em relação a um americano em Londres? Jamais confundiram um americano com o terrorista nem colocaram sete bitucas no côco dele. Mas como é um brasileiro, ou seja, ninguém, então o negócio é matar. Mas chega dessa merda. Nem ia comentar, mas a coisa vai tão fundo que chega a dar nojo. A verdade é que a polícia, mais ou menos em um país ou outro, mata sem parar. Aqui no Brasil, nem se fala. É a polícia que mais mata no mundo.

Aqui outros crimes são punidos sem dó. No Brasil você pode matar, esfolar, estuprar, foder, roubar, chantagear, seqüestrar, enganar mentir. Mas não pode ter cabelo crespo. Ou não pode conviver com alguém que tenha cabelo crespo. Porque sempre vai ter um boi corneta para punir esse crime, dizer que ele é crespo, não é mesmo? Tão crespinho, que coisa. Você matou, está limpo, mais limpo do que policial londrino. Mas não invente de ter cabelo crespo. Notam, apontam, indicam, jamais deixam escapar: puxa, eu conheci alguém assim também com o cabelinho bem crespo. Cabelo rebelde, não é? Cabelo ruim, mas ruim mesmo. Precisa fazer uns apliques, umas escovadas, aí fica normalzinho.

Não se trata de deixar para lá que passa. É uma pressão hegemônica, plural, vinda de todas as partes, na parentada, na vizinhança, no comércio. Qualquer conversa en passant e lá vem o comentário. Que crespo esse cabelo, puxa. Porque o cabelo normal é o liso e de preferência louro. Crespo quer dizer desvio de conduta, raça triste, negrada. E como pode ser assim tão crespo, por que crespo meu Deus, olha só, ele ou ela tem cabelo crespo.

Como o cabelo nos países baixos de todo mundo é crespo, fico imaginando como vou começar a reagir e dizer para cada um que cuide da sua própria crespice. Mas não vá andar por aí com seu cabelo crespo. Multidões vão se aglomerar gritanto: é crespo, crespo! Se for pegar o metrô em Londres, mesmo que tenhas cortado o cabelo, algum cara de barata vai atirar milhares de vezes contra essa invasão. Toma, toma, toma, toma, cabelo crespo. Viu no que dá ser tão crespo crespo crespo?

RETORNO – Imagem de hoje: foto montagem da política inglesa misturando Hussain Osman com Jean Charles. Matei a charada: ambos têm cabelo crespo!

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