16 de novembro de 2007

DATAS DE NOVEMBRO



Novembro tem muitas datas e todas passam ao largo da cidadania em fuga, ou sob a forma de escapadas para o litoral ou em desconhecimento puro e simples. O 15 de novembro, por exemplo, passou em brancas nuvens. Não vi nada sobre a Proclamação da República na mídia. Fizeram feriado, com direito à folga nesta sexta-feira, e pronto. O Consciência Negra, dia 20, está sendo bem comemorado pelos turistas, já que cai numa terça-feira, o que permite enforcar a segunda. Juntando com esta sexta, fica assim uma semana de férias.

Viva as férias, por mim ninguém teria que encher o saco nos empregos. O que me invoca é o que fazem com as datas. Já o 10 de novembro foi muito lembrado. Setenta anos de Estado Novo! Quanto ódio, quanta bílis. Falaram que o Estado Novo deveria ser expurgado do imaginário nacional e que as “festas da redemocratização” de 1945 e 1985 deveriam ser celebradas.

Celebrar o quê? 1945 começou com um golpe militar (em 29 de outubro), continuou com a expulsão do Partido Comunista para a ilegalidade e teve seu primeiro governo orientado pela direita, a UDN, que sentou em cima do presidente eleito, Marechal Dutra. Este, recebeu como pagamento da dívida que os americanos contraíram conosco durante o conflito mundial alguns navios cheios de brinquedos de plástico. E 1985 já estamos fartos de saber: arreglo de elites que consolidou a ditadura de 1964.

O Estado Novo foi a vitória da ala nacionalista do Exército contra a ala nazista (nas Forças Armadas argentinas, essa tendência nazista de extrema-direita foi vitoriosa, por isso Perón apoiou Hitler e recebeu toda a nazistada depois da guerra) O Estado Novo lutou com armas na mão contra o nazi-fascismo, consolidou as leis trabalhistas, negociou com os aliados a siderúrgica de Volta Redonda, a base da nossa industrialização, zerou a dívida externa, combateu o banditismo, enfrentou uma tentativa de golpe dos fascistas brasileiros, os integralistas (em 1938). Durante o Estado Novo, o Brasil foi paparicado, respeitado e os operários brasileiros tinham salários com níveis de Primeiro Mundo. O Rio de Janeiro, capital da República, era um encanto. Hoje é uma cloaca.

Perseguiu comunistas? Sim, pois os comunistas tinham dado o golpe de 35 contra um governo democraticamente eleito pela Assembléia Constituinte. Perseguiu adversários? Sim, mas não fez como 64 que destruiu a inteligência nacional e massacrou sucessivas gerações. A literatura e a música brasileira não foram destruídas durante o Estado Novo, ao contrário (Monteiro Lobato e Graciliano Ramos, entre outras grandes personalidades literárias, publicaram suas obras). Erradicou o voto direto? Sim, foi um regime de exceção que coincidiu com a Segunda Guerra Mundial. Imaginem FHC ou JK durante a Segunda Guerra. Ficariam de calças abaixadas para que viessem os gringos meter aqui.

Fez mal para o país? Também, pois manteve o cunho autoritário do governo, o que tínhamos desde a Colônia. Mas pelo menos não era um arremedo de democracia como hoje, em que estamos nas mãos dos tiranos e ainda nos culpam por elegê-los. Getúlio era querido e respeitado pelo povo. Tanto é que foi eleito pelo voto direto em 1950 (o que jamais perdoaram).

Vamos à Consciência Negra. Fizeram um teste de DNA na ginasta gaúcha Daiane dos Santos (nome próprio americano, grafado conforme aqui se pronuncia, dos Santos, sobrenome dado pela Igreja aos órfãos cativos), pretíssima e descobriram que ela tinha 60% de ascendência européia. É consenso entre os cientistas que raça humana não existe, tudo é fruto de muitas misturas (inclusive os alemães, resultado de mistura de povos não arianos). Por que então celebrar a raça negra e, pior, chamar os brasileiros de afro-descendentes? Isso significa negar a cidadania brasileira. Os povos africanos que foram trazidos para cá se misturaram como nunca fizeram no continente de origem. Então não temos africanos nenhum, temos brasileiros.

Revi ontem um filmeco com o Nickolas Cage e a Penélope Cruz, o “Capitão Borelli” (única qualidade é ter o grande John Hurt como um dos protagonistas). Como o Cage se acha italiano, fez o papel de um italiano. É de chorar. O cara é americano. Apenas imitou trejeitos que ele identifica com a Itália. Somos seres culturais. Sem essa de sangue. Mas o Consciência Negra é para lutar contra o preconceito, dizem. Replico: não se pode lutar contra o preconceito colocando outro no lugar. Mas o negro é perseguido no Brasil e precisa se auto-afirmar, encontrar sua identidade, continuam. Acho o seguinte: o negro, o branco, o pardo, o índio, todos somos brasileiros. Nossa identidade é o Brasil. Não o Brasil de “isso é Brasil”, da negação da nacionalidade, da unidade territorial. Mas o Brasil soberano, aquele fundado em 1930 e que foi erradicado em 1964.

Precisamos ter claro isso: somos o Brasil, país sucateado pela ditadura de 1964, que continua no poder, só que sem os militares. Tendo isso claro, fica fácil entender o resto. O cineasta Sérgio Bianchi, diretor de “Cronicamente inviável”, identifica a raiz dos nossos males na nossa endêmica falta de competência para lidar com conflitos e problemas. Como se fossem fruto de causas naturais! Somos assim, Sérgio, porque houve um golpe de Estado em 1964, dado contra o trabalhismo. E por que a ditadura continua? Porque quem lutou contra ela foi assassinado e nós não lutamos porra nenhuma. Ficamos sentados vendo o Delfim Neto gargalhar com seu passo de elefantinho.

RETORNO – Imagem de hoje: captura de escravos na África (acervo UFRGS). Atentem: os dois tem pele escura, mas são de povos diferentes, nacionalidades diferentes, culturas diferentes. Então um escraviza o outro.

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