7 de fevereiro de 2025

CICATRIZ

 Nei Duclós 


Minha arte cala quando consente

Por isso rala onde mata o tempo

Assim reduz o coro dos contentes 

E fica firme como raiz ao vento


Era para cansar tanto sofrimento 

Mas a poesia não vem a passeio

Acampa se houver tiroteio


Quando dizem você tem sorte

Mostro a cicatriz dos ferimentos 

Nasci torto, no canto me indireito


Nei Duclós

6 de fevereiro de 2025

ESTRELA

 Nei Duclós 


Não há vantagem em dizer o que penso

Perco tempo, perco dinheiro

Antigas amizades vão para o brejo


A solidão da consciência 

O exílio da diferença 


Vantagem faz falta mas não me atrevo

Calar o que grita aqui dentro 

Nada paga essa esgrima violenta


Não sei se sigo, estrela cadente


Nei Duclós

5 de fevereiro de 2025

SOBREVIVER

 Nei Duclós 


Respeito aos mais velhos é honrar o que você desconhece

Esse trecho de tempo que está no comando

Essa pele riscada por desavenças 

Esse passo exausto de andar e já não anda 

Essa boca murcha, esse olhar de sombra

Essa voz sem razão que aconselha o medo


Não porque você um dia chegará lá, porque não chega

Vidas perdidas foram a última chance

Mas porque você prefere esquecer o que jamais lembra

Que pretende ser o que ninguém é, um gigante

Pois tudo escorrega no alto da montanha

E somos água corrente em cachoeira

E jamais saberemos o que é sobreviver

Quando tudo está morto


Nei Duclós

1 de fevereiro de 2025

LICENÇA

 Nei Duclós 


Licença poética não existe.

Poesia não pede licença.

Poesia é seu próprio canal.

Mora em si mesma.

Cultiva um punhal

Com raízes de espuma

Água do verbo seminal


Tem o poeta, que cuida do jardim.

E oferece os frutos do pomar.

O amor que medra no quintal


Nei Duclós

27 de janeiro de 2025

MISSÃO

 Nei Duclós 


A nós cabe cumprir as profecias

E não profetizar, como os fundadores 


Fora do cânone somos o que chamaram de esperança 

Confiando no futuro

Como se o porvir já estivesse pronto 


Ficamos com a parte mais difícil 

Herdar certezas que não fazem mais sentido 

E lavrar a terra bruta que nos legaram entre espinhos 


Temos poucas mãos 

para essa missão de manter o mundo

Mesmo depois de destruído


Nei Duclós

23 de janeiro de 2025

LIMITE

 Nei Duclós 


De você não quero nada

De você, amiga

De você irmão, amada

Das promessas, asas, falas 


De ti, destino

De você, futuro

De mim, mendigo


Não é cansaço, apenas digo

Uso o fruto da palavra

Nada demais

Depois de tanta vida

Antes do tempo surdo


Não espero, não consigo 

Não carrego compromisso

Sou meu limite

Esse porte de arma

Esse pote de arco-íris


Nei Duclós

19 de janeiro de 2025

ALVENARIA

 Nei Duclós 


Não discordei de quem me considera

Poderia ser desaforo, mas não era

Apenas meu jeito de ficar na cela

A remoer opiniões que não libero 


Quisera ser outra pessoa 

Não esta fera

Sem compromisso

De agradecer por permanecer vivo

Chutar o balde, dizer isso e mais aquilo

Será que essa decisão me aliviaria?


Difícil conjugar o verbo na alvenaria

Da gramática bruta e frases de granito

Escolho as vogais, letras do espírito 

Vozes do que serei, mais ou menos dia


Nei Duclós

17 de janeiro de 2025

PASSA PASSARÁ

 Nei Duclós 


Pássaro é o amor que canta

Não o que virá

Mas o que se apresenta 

Voz de outras bandas

Plumas ao vento


Pássaro é no fio um pouso

Ninho de galhos tortos

Saliva no barro podre 

Água que cabe no bico

Cisco para o almoço 


Pássaro é corpo, é coro

Que joga na janela

Uma flor, só de retoço 

Te convida para o voo

Não vais, e parece nojo

Mas é que também passas

Para não ficar à toa


Pássara, esse é o assombro 

Pintada de branco e roxo


Nei Duclós 

9 de janeiro de 2025

DESAPAREÇO

 Nei Duclós 


Não posso recusar tua presença 

Que veio do amor e hoje é doença 

Teu corpo feito de promessa

Olhar que inunda e fere como lança 


Dizer eu te amo tem controvérsia

Sou súdito anônimo, mísero poeta

Diante da deusa sumo de vista

Fica o perfume de um coração exausto


Nei Duclós

8 de janeiro de 2025

PROMESSA

 Nei Duclós 


Quisera dar esperança 

Mas isso não me pertence

Nada que eu tenho te alcança 

Exceto doses de espanto 

Precária flor da alma tensa


O que eu sou não te resolve

Não propõe força e confiança 

Frágil som de muda banda

Corpo exausto em fé humana


Mas o que tens me complementa 

O que és impede o tombo

Vens de longe como um vento 

Gerado em firme promessa


Nei Duclós

6 de janeiro de 2025

ESPERANÇA

 Nei Duclós 


O mundo derreteu aos nossos olhos

Os heróis se revelaram patifes

E o que era vasto

Tornou-se mesquinho


Tínhamos presença nessa época

E o respeito, que se desvaneceu


O maior crime foi a palavra

Que apodreceu dentro de nós 


E o amor tornado inútil

Depois que você partiu

Dos meus espaços 


Só a esperança permaneceu

Como cão que guarda a alma

De quem o alimentou


Nei Duclós