3 de novembro de 2018

O CINEMA EM PRETTY WOMAN


Nei Duclós

É de cinema, como acontece sempre na Sétima Arte, que trata o filme Pretty Woman (Uma Linda Mulher) , de1990, dirigido pelo veterano Garry Marshall (1934) com script de J.F. Lawton – com 30 anos na época do lançamento - interpretado por Julia Roberts e Richard Gere, que atingiram o estrelato como o casal romântico formado pelo empresário e a prostituta. O escritor J.F tem DNA em Hollywood: é filho de Harry Lawton, autor do livro que originou o clássico Willie Boy (1969), a perseguição e morte de um fora da lei, dirigido por Abraham Polonsky, que fez dessa antológica obra sua reentrada em Hollywood depois de ter sido alvo do macartismo.

A crise econômica e a decadência dos costumes é o foco principal de Pretty Woman, com sua consequência direta no cinema. A calçada da fama, que eterniza os ídolos cinematográficos do passado, é território dividido pelo trottoir. As pessoas despossuídas pela crise se amontoam disputando migalhas até que surge um protagonista da situação, o grande especulador financeiro que compra empresas em decadência para loteá-las e obter mais lucro. O encontro entre o cara perdido em Hollywood e a profissional que o orienta na vida amorosa é a reiteração do sonho do cinema, que fez a fama da América em épocas mais esperançosas.

O sucateador de empresas tem a ver com os predadores da própria indústria cinematográfica, também vítima da indústria financeira, que acabou gerando mais tarde, em 2008, o grande colapso do sistema, de onde jamais saímos. Em 1990 havia essa interseção entre o tradicional – o grande empresário construtor de navios e seu herdeiro – e a voragem emergente do advogado sem escrúpulos (Jason Alexander, de Seinfeld) e seu patrão ambicioso, que acaba mudando de rumo porque se apaixona.

O sonho retorna de qualquer lugar. Pode ser de uma calçada decadente, de um hotel de luxo, de uma ópera de Verdi, de botas de cano longo ou de uma limusine. Os americanos jamais tentam excluir os fatos que demolem cenários obsoletos, anexando-os em novo patamar, sempre no ritmo e no rumo de uma América indestrutível, porque se adapta. Enquanto nós nos entregamos ao horror das transgressões, os americanos não se opõem à multiplicidade das situações terminais, deixam fluir e reiteram sua pertença.

Pretty Woman, um dos grandes sucessos do cinema, mostra a decadência de Hollywood ao mesmo tempo que salva o principal, o sonho de um amor impossível. O encanto vem do amparo que o filme tem no próprio cinema, pois o fato de Richard Gere tirar os sapatos e roçar os pés na grama vem de Descalços no Parque (1967, baseado em peça de Neil Simon), e nas adaptações cinematográficas dos contos de fados, no caso aqui Cinderela. Eis o segredo de Pretty Woman, sempre bom de ver, se observarmos suas camadas mais profundas.



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