15 de outubro de 2012

LETRA MIÚDA



Nei Duclós
 

Tuas intenções não estavam no início, mas no pé da página, em letra miúda. Peguei uma lupa só quando te reli, e já ias longe.

Perto demais quebra o encanto. Longe demais não tem jogo. A solução é fazer de conta que sou o anônimo cantor dos teus refrões.

Bato na porta de vidro. No outro lado teu corpo dormido desperta com o barulho. É o poema no domingo.

Somos areia da clepsidra, gargalo do tempo. Medida de sede, secura.

Acordo quando lembras de mim, mesmo no sonho.

Bato em tudo o que doeu, para que não volte, amor meu.

Já que me pediste, vou ceder. Vou piorar.

Toda compreensiva depois da balada em lugar desconhecido. Aí tem.

Se dormiu demais é porque é culpada. Eu acordei cedo, ímpia.

Cadê meu beijo é algo que perdeste o direito de pedir. Passe no departamento impessoal e leia o bilhete.

Nunca mais preste atenção em mim. Passe lotada por minha parada de ônibus. Aguardo algo de outra dimensão.

Eu tinha me reservado só para ti. Mas te achaste. Vou ligar para quem detestas.

Onde estavas que perdi a pista do teu cheiro? Deves ter borrifado um perfume de traições.

Demorou. Agora contente-se com o vento que desloquei quando saí para sempre.

Não preparei o molde para outro usar. Vou quebrar tudo.

Não cola mais. Meus cartazes não duram mais de cinco segundos no teu muro.

Não precisa acordar, eu já fiz café para a solidão.

Quando voltar, o poema está no forno.

Somos indivisíveis, não podemos ser servidos em porções.

Te escondeste em imagens falsas. Tens medo que eu descubra teu maior segredo, o rosto que aparentas diante do espelho.

Ninguém forçou a barra. A não ser que tudo tenha sido obra da fantasia, que não deixou barato.

Nos encontramos por acaso. Foi quando enfim consegui chegar nos teus lábios.

Depois do evento te deixei em casa. Mas te recusaste a descer.

Vimos o concerto grudados, sob a pressão da multidão ao redor. Por algum motivo desmaiavas a cada cinco segundos.


RETORNO – Imagem desta edição: Sonya Walger.