19 de setembro de 2012

NÃO DURMA AINDA



Nei Duclós

Não durma ainda. Lembrei onde coloquei as estrelas.

Amor. Fazia tempo que eu não lembrava essa palavra. E você, que a pronuncia sendo o que é, ficou esperando que eu dissesse.


Certo, o poema não era grande coisa. É que perto de ti, tudo some.

Lua Nova finíssima, barra do teu vestido, sorriso que nos traz do fundo algum estímulo e nos leva pela mão até a noite infinita.

Agora vamos ao que interessa. Acorde respirando perto e pergunte onde estamos, olhando pela janela de Toscana

Águas do rio molham teus pés. Meu verso, o resto.

Pulei o momento dos versos. Fui parar no exílio, onde não te encontras. Voltei e estavas escondida. Precisei esperar o fim do esconderijo.

Não há beleza se não molhas a terra onde a semente aguarda teu toque decisivo.

Dizes mas não me deixas ouvir. Guardas, delícia.

Olhas de lado para o Tempo, que se esconde, mas contigo se entrega, como alguém que ama de longe.

Não deixo pontas soltas. Te amarro em meu cordão de sonho.

Já fiz a auditoria. Não descobri nada, mas valeu passar teus movimentos em revista.

Tão bonita, enche os olhos do príncipe, de cristal na mão, teu íntimo querer.

É cedo e estamos longe do domingo. Foi o que aconteceu com a Criação no meio do caminho. Era preciso respirar fundo quando tudo parecia sem sentido.


GELO

Vou devolver intacto o gelo que me deste. Verás como é bom sofrer no freezer.

Emudeça, arrependida. Tenho o que fazer na oficina. Há poemas que estão prontos, falata apenas teu espírito.

Vá para o rio, sou o crepúsculo ao meio dia. Rede de pesca em leito seco. Espinhel de epifania.

Pensas que estás a salvo tapando os ouvidos. Minha voz faz parte da pele, como o arrepio.

Que adianta o calor se jogas água fria? És véspera de ciclone sem serventia.

Não se preocupe, não estou sofrendo. Estou off line, entenda.

Falas por monossílabas tua enciclopédia faminta

É uma pena que não saibas o quanto tens de bela. Mas me conformo, sou um admirador no exílio.

Não me diga coisas usando meus versos. Costure sua fala nos lábios de delícia.

Faça o seguinte: conte até vinte. Depois aguarde, sentada, o meu convite.

Sei que não resistes. Mas agora é tarde. Cansei da água fria.


POSE

Passado um tempo, a pose feita para a foto vira tua essência.Era apenas uma representação de ti mesmo, que substitui o que perdes para sempre.

Curto tua imagem porque me dá na telha. Porque acho o máximo. Para que a bruta sinceridade te homenageie.

Tão linda que dá remorso por não tê-la conhecido antes.

Já vai alto o dia. Feliz por ficar distante, peregrina?

Mostraram um caminho que não existia. Sorte que o coração ilumina a trilha que inventamos ao longo da vida

Manchas solares são raios de Zeus na terra absurda. Ira contra Juno e os decadentes heróis da lenda.



RETORNO – Imagem desta edição: Louise Bourgoin.