17 de junho de 2009

BRIC A BRAC DO APOCALIPSE VIRTUAL


Nei Duclós

Que fim deram os observadores internacionais? Como não há resposta tangível (no google) resolvi ir até uma obscura taberna situada nos arredores de Istambul. Uma visita virtual, claro, via Voip, pois todos sabem que Istambul só existe em livros antigos de aventuras. Descobri que eles bebem absinto e relembram os bons tempos dos anos 70, quando eram capazes de mudar o mundo com apenas algumas frases. O assunto do momento era os Bric, sigla criada em novembro de 2001 pelo economista Jim O'Neill, do grupo Goldman Sachs, que colocou no mesmo saco os quatro principais países emergentes do mundo, Brasil, Rússia, Índia e China. Eles ficaram impressionados quando souberam que o grupo Sachs mapeou as economias dos países Brics até 2050. Baseados nisso, eles resolveram criar os Bracs.

Os Bracs reúnem quatro países nada-a-ver que poderão sobreviver a um iminente apocalipse virtual. São eles: Barbados, Ruanda, Andorra e Cazaquistão. São nações que obedecem aos parametros necessários para definir uma posição oculta e cheia de significados. Barbados é o país mais oriental das Caraíbas, situado a leste da área conhecida como Índias Ocidentais (ou seja, é puro século 17, com piratas e tudo). Ruanda é um pequeno país montanhoso da África, encravado entre o Uganda, a norte, a Tanzânia, a leste, o Burundi, a sul e a República Democrática do Congo, a oeste; sua capital é Kigali (“encravado” mata a pau). Andorra é um pequeno país europeu localizado num enclave nos Pirineus (enclave é fundamental). Cazaquistão é fundamentalmente asiático, embora também inclua uma região européia entre o rio Ural e a fronteira russa (nada mais misterioso do que “fundamentalmente asiático”).

Os observadores internacionais, fazendo suas projeções usando velhos ábacos e infográficos coloridos tipo Newsweek, e em preto e branco tipo Economist, profetizam que os Bracs, por não disporem de banda larga, poderão continuar existindo, enquanto o resto do mundo irá travar miseravelmente. Pensem com os grandes eruditos confinados na taberna de Istambul. As profissões todas acabaram, com exceção dos passeadores de cachorro e os arrastadores de ferro. Esses não podem ser substituídos pelos blogs. No mais, é o que vemos. Não temos mais jornalistas, economistas, professores, burocratas, estadistas, engenheiros, médicos. Só temos blogueiros. Isso significa o fim da espécie humana.

Não adianta mais fazer qualquer consulta, basta acionar a ferramenta de busca. É inútil produzir qualquer coisa que preste, voce não vai mais ganhar dinheiro com isso. Desista de ser ator, os personagens avatares já são uma realidade. Promotor de eventos? Não me faça rir. As pessoas hoje vivem nos estandes virtuais fazendo negócios. E quais negócios? Poucos restaram e em questão de meses não haverá quase nenhum, pois tudo está sendo devorado pelo apocalipse virtual. É um travamento total da realidade. Ninguém mais vive. Só falta terceirizar a respiração, já que comer virou horário de novela faz tempo. Janta-se na novela das seis.

Mas toda essa tragédia, segundo os observadores internacionais, não será visível, ou não acontecerá, como queiram, nos Bracs. Os países que são enclaves encravados a leste das Indias Ocidentais, ou que são fundamentalmente asiáticos, mesmo tendo uma pequena porção européia limitada pelo rio Ural, terão grandes chances então de se desenvolverem. Só deverão ter o cuidado de não implantar a banda larga entre eles. Será o fim, e irão para o brejo da mesma forma que os Brics, que exibem estadistas que se abraçam confiantes num futuro incerto.

No bric a brac da vida, será possível no futuro continuar vivendo desses pequenos badulaques que fazem a vida uma realidade. Um canivete suíço, um pião usado, uma pandorga sem rabo, um velho LP do Sinatra, um toca-discos com a agulha rombuda, uma carta de amor sem destinatária, uma caixa de bombons rasgada, uma flor amassada entre livros de amor. Será nossa salvação, essa de frequentar lugares atulhados de coisas inúteis e maravilhosas, mas concretas, que se possam pegar, cheirar, provar. E que façam barulho quando jogadas no chão.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: obra de Tavik František Šimon (1877-1942), artista tcheco, do acervo do The British Museum em Londres. 2. Meu amigo internacional Osmar Freitas Jr. me telefonou ontem a tarde de São Paulo, quando tentamos colocar em dia uma conversa acumulada de vinte anos. O texto acima foi inspirado nesse papo proveitoso. Osmar é um dos maiores talentos do texto pátrio e mora em Nova york, onde está estabelecido com a família. Prometeu uma visita para definirmos ao vivo os rumos do jornalismo mundial e o futuro da humanidade.

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