5 de setembro de 2006

LUGAR PARA MORAR





Chegou ontem da gráfica Pallotti, de Porto Alegre, os exemplares do meu mais novo livro, O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento. O primeiro lançamento será neste sexta-feira, dia 8, na Feira do Livro de Florianópolis (Sexto piso do Beiramar Shopping), a partir das 14 horas, no estande da Fundação Catarinense de Cultura. O livro publica o conto inédito que empresta o título a todo o volume, e que aborda uma lenda sobre os gigantes que habitavam a Ilha de Santa Catarina (uma história realmente soprada pelo vento e escrita em 1981). O conto é uma reflexão sobre o papel histórico e cultural de Florianópolis, mas se presta a outras leituras. No livro, dividido em duas partes - Mar e Pampa - enfeixei uma seleta da minha colaboração no Donna DC, do Diário Catarinense, e do Diário da Fonte. A Editora é a Cartaz, selo literário da Editora Empreendedor, onde trabalho, do jornalista e empresário Acari Amorim. O projeto visual, diagramação e capa é de Juliana Duclós. O livro já começa a ser distribuído nas livrarias de Santa Catarina (Catarinense e Entrelivros) e está também disponível na feira do Beiramar. Está chegando também em Porto Alegre e em breve será distribuído para todo o Brasil. A seguir, a crônica de hoje publicada no Caderno Variedades, do Diário Catarinense.

Nei Duclós

Ter um canto nem sempre significa teto, cama, criado-mudo, escrivaninha, TV. Pode ser que morar seja um verbo mais amplo e se refira à atual fase da oferta excessiva de informações, onde nos sentimos desprotegidos e procuramos um lugar onde descansar as retinas. Trata-se de uma armadilha: notícia demais nem sempre quer dizer diversidade de fontes, variedade de protagonistas, multiplicidade de situações. A maçaroca de coisas que nos atingem, ou procuram atingir, por meio de todas as mídias, podem circular pelo Mesmo, aprisionando nossa percepção em alguns guetos, ruas reviradas, casas demolidas, eventos recorrentes, personalidades eternas.

Há uma surda insurreição contra essa impostura que é o resultado da filtragem que fazem dos fatos, como se de repente estivéssemos com a visão limitada em 60 graus disponíveis nas telas ou nas páginas impressas. O olhar que varre a realidade se sente traído pelo que vê e ouve e que lhe é oferecido como a versão acabada de tudo. Há uma contradição entre o que precisamos e queremos saber, e o que nos colocam à frente, tudo amarrado com alguma mensagem ditada por todo tipo de interesse.

Mas isso é outro paradoxo, pois tudo está disponível, inclusive o que aparentemente nos é negado. Hoje é possível escutar os clássicos cantados pela Doris Day sem ter viajado a Nova York ou ido a alguma cdteca caríssima; rever pela milésima vez o filme definitivo (que, como todos sabem, é Os sete samurais, de Akira Kurosawa); lembrar a letra da marchinha de carnaval perdida ("dizem, em voz corrente, que em Goiás será a nova capital, leve, tudo para lá seu presidente, mas deixe aqui o nosso carnaval"); provar que existe um filme chamado O quinto poder, de Carlos Pedregal, que é sobre as mensagens subliminares no Rio de Janeiro dos anos 1960; tudo isso faz parte do grande acervo que a tecnologia colocou à nossa disposição.

É pela seleção do que gostamos de ter por perto (Lord Jim, de Joseph Conrad, traduzido por Mário Quintana), de reler (Um mestre na periferia do capitalismo, de Roberto Schwarz), de escutar (Morning has broken, de Cat Stevens), que formamos nosso ninho, o lugar para morar. Podemos estar em qualquer parte do mundo, coloque Frank Sinatra para cantar. Fuja para o deserto, desde que seja possível escutar Villa-Lobos rodopiando sobre o beijo entre Ioná Magalhães e Othon Bastos. Donos desse espaço único, podemos então enfrentar a mesmice dos fatos, já que temos o alimento necessário para cruzar o Inverno.

Basta deixar de lado a moda, esse condomínio impessoal que a todos nivela. Acabamos incorporando outro tipo de perfil, muito parecido com muitos de nossos pares. Somos capazes de ver O filho da noiva, de Juan José Campanella, a comédia dramática encantadora que os argentinos souberam produzir em 2001, sem sentir vergonha de estar falando de algo tão distante (cinco anos hoje é mais ou menos um século). Moramos nesse lugar encantado em que a cultura não é a medalha que brilha na festa, mas o pão que aguarda, perto do fogo, o momento de nos aquecer na noite interminável.

O resto é tornado, enchente, contratempo. Talvez, no miolo do furacão, algo nos deslumbre e fique fazendo parte das relíquias que juntamos ao longo dos anos.

Um comentário:

  1. ...dizem, em voz corrente, que em Goiás será a nova Capital, leve tudo pra lá seu Presidente, e deixe aqui o nosso carnaval..."
    ...
    só me lembro desse trechinho da letra, e tambem sei canta-la, pois minhas tias cantarovam essa marchinha na minha infância, em época de carnaval na minha cidade (interior de Minas Gerais). Essas coisas ficam registradas para sempre na nossa memória (hoje tenho 65 anos!).

    Pena que não sei como enviar áudio por aqui. Estou estudando Piano, quando estiver mais avançada (pois ainda estou muito no começo do curso), vou tentar aprender a tocar essa saudosa marchinha e postar no YouTube. Será apenas um trechinho, único que me lembro, mas poderá contribuir para resgatar parte das composições e canções do nosso amado País, tão rico nessa arte.

    Caso queiram, podem me contar pelo e-mail: liviamariagomes55@gmail.com

    ResponderExcluir