22 de setembro de 2006

UM GIGANTE EM FLORIANÓPOLIS





"Com uma abertura que suspende ao máximo a curiosidade do leitor, antes do vertiginoso mergulho em um universo fantástico, o conto presta-se a uma reflexão sobre o papel cultural de Florianópolis", diz o escritor e jornalista Rodrigo Schwarz na capa do caderno Idéias, de A Notícia, de Joinville. A matéria é sobre meu novo livro, O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento (Editora Cartaz, 150 páginas, R$ 25,00) e tem bela ilustração de Fábio Abreu. Mostra a capa do livro e contém uma entrevista comigo, que reproduzo a seguir. Agradeço ao Rodrigo, romancista de primeira água, e aos editores do jornal, pelo magnífico espaço para este lançamento. O título desta edição do Diário da Fonte é o mesmo título da capa do caderno Idéias.

Nei Duclós apresenta o livro mais recente, uma coletânea de contos e crônicas chamada "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento"

Rodrigo Schwarz
Joinville

Elogiado por nomes como Mário Quintana e Raduan Nassar, o poeta e romancista gaúcho Nei Duclós está lançando a coletânea de contos e crônicas "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento" (R$ 25,00, 150 páginas), pela Editora Cartaz. Abre o livro de Duclós, o sexto de sua carreira iniciada em meados dos anos 70, um conto que narra a lenda de gigantes que teriam habitado Florianópolis, em tempos ancestrais. O escritor redigiu o trabalho em 1983, quando visitou a capital catarinense - cidade na qual viria a fixar residência quase duas décadas depois. Com uma abertura que suspende ao máximo a curiosidade do leitor, antes do vertiginoso mergulho em um universo fantástico, o conto presta-se a uma reflexão sobre o papel cultural de Florianópolis. Outro componente importante da coletânea é o pampa gaúcho, que remete à infância do autor, em Uruguaiana. Duclós, que além da labuta literária é jornalista, tendo passado por veículos como a "Folha de São Paulo" e "Veja", conversou com A Notícia sobre o novo livro, as paisagens que o inspiram e a produção de crônicas e poemas, que ganhou um novo sopro de vida com a internet.


Nei Duclós - Poeta e romancista

A Notícia - No conto "O Refúgio do Príncipe", a lenda sobre os gigantes que habitavam Florianópolis foi criada por você?
Nei Duclós - A lenda que está dentro do conto me foi "soprada" pelo vento, inteira, em alguns dias em frente ao mar. Eu estava em São José, numa casa na praia. Claro que é um trabalho de criação e também de mediunidade. É um mistério, mas nem tanto. Tem a ver com o trabalho diário de escritor, com minhas leituras, meu foco nos poderes da paisagem, que sempre me invocou, principalmente esses vestígios existentes no Brasil, essas pedras arrumadas, gigantescas e sem explicação. Você vê isso em todo o litoral, e também no Piauí, no Paraná, entre outros lugares. Uma das minhas fontes é Jeronymo Monteiro, autor de "A Cidade Perdida", que enxergava as terras brasileiras como as mais antigas, as primeiras que se formaram e por isso são tão estáveis, sem terremotos. Elas teriam abrigado as primeiras civilizações, que deixaram vestígios tão ancestrais que, segundo ele, viraram a própria paisagem. A partir dessa constatação, escrevi o conto. É a presença gigantesca de algo perdido para sempre, que está na nossa frente e só podemos enxergar afastando o olhar para ver melhor. Ou conduzindo a inspiração para o território da lenda.

AN - De que forma a narrativa reflete o papel histórico e cultural de Florianópolis?
Duclós - Aí entra o papel do narrador, o migrante que entra em contato com a Ilha nos anos 70 e 80. Por meio de um habitante estranho que o leva para um transe mediúnico, a lenda se revela. Esse narrador tenta explicar a cidade que vê, especialmente o fato de ser um lugar de muitas promessas, que segundo ele não se cumpriam. Ele nota que há algo misterioso na Ilha, que assombra os habitantes e assusta os migrantes. Procura ver nesse poder que emana da paisagem um fator desestabilizador, apesar de seus encantos, especialmente nas pessoas que se dedicam à arte. Isso tem a ver com minhas reflexões sobre a ilha, onde sobra gente vindo para cá para mergulhar em um trabalho de criação. O conto se presta a várias leituras, e uma delas é que só encarando esse mistério de frente será possível estar à altura do que a cidade propõe. O narrador imagina Florianópolis como um centro cultural, "uma Grécia antiga sem escravos", como ele diz. Para que isso aconteça, é preciso conhecer a maldição do poderoso príncipe, que aqui se deixou encantar e por isso renunciou ao trono a que tinha direito.

AN - "O Refúgio do Príncipe" inicia como um texto de Poe e H.P. Lovecraft, algo um tanto diferenciado de seu romance "Universo Baldio", que retrata de forma realista a ditadura militar no Brasil. há mais obras inédita no estilo de "O Refúgio do Príncipe"?
Duclós - Sim, tenho alguma coisa inédita em livro. Um conto como "O Dragão de Jade", escrito logo depois do tsunami que varreu a Ásia, tenta colocar no poder de um amuleto a explicação para a tragédia. Outro exemplo é "Trolé e o Gafanhoto Mutante", que é um conto de Natal sobre uma viagem louca até o fim da internet. Quando escrevi o "Refúgio" não tinha lido ainda Lovecraft, que é uma referência obrigatória para esse tipo de literatura. E Poe é mestre absoluto, inspiração para todo escritor. Nesse tipo de conto, o fantástico chega sem cerimônia e não há como evitar. Eles diferem bastante de outros contos, mais cruzados com a realidade dura que estamos vivendo hoje.

AN - Por que apenas agora publicou esse conto?
Duclós - Não há explicação lógica. Tentei a primeira vez por meio da Secretaria de Cultura de Florianópolis. O projeto foi aprovado, mas depois não foi adiante. Mais tarde, tentei publicar como brinde de fim de ano de uma empresa de Florianópolis, mas contratempos impediram também a realização desse sonho. Depois, o texto ficou misturado às minhas coisas em São Paulo. Felizmente, meu filho Daniel, que ficou morando lá, resgatou o conto, digitou (estava apenas datilografado) e me enviou. Esse foi o início do resgate. Sorte que a Editora Empreendedor resolveu criar o selo de literatura Cartaz (o mesmo nome da revista cultural da editora), inaugurado exatamente com este livro, em que o conto é integrado a uma seleta de crônicas que escrevi nos últimos três anos. Os textos fazem parte do mesmo livro porque são histórias, em forma de contos e crônicas, que refletem a viagem literária desse narrador que aos poucos se adapta à paisagem que o assombrou e no fim faz o resgate das raízes.

AN - Como atesta a obra, Florianópolis e Uruguaiana são marcantes para a sua literatura. São Paulo, onde morou tanto tempo, também deixou marcas significantes nas suas obras?
Duclós - Sim, deixou. Minha literatura está muito impregnada da minha vivência cosmopolita em São Paulo. No fundo, São Paulo me permite fazer um distanciamento das outras cidades, para as quais acabo retornando. Essa perspectiva é altamente fecunda e inspiradora. Meu romance "Universo Baldio" é ambientado em parte em São Paulo. Meus livros de poemas "No Meio da Rua" e "No Mar, Veremos", também têm muito da capital paulista. O pampa e o mar são estuários para onde deságuam as palavras que passaram pela dura experiência da megalópole. São Paulo é o desafio de uma vida árdua, mas também, a seu modo, gratificante.

AN - Onde podem ser lidos os seus textos?
Duclós - Escrevo diariamente. Publico tanto no meu blog (www.outubro.blogspot.com), quanto no site (www.consciencia.org/neiduclos) e também crônicas para a mídia impressa, como acontece com o "Diário Catarinense", e para outros sites, como o "Comunique-se", a revista literária virtual "Cronopios", além de colaborações em sites estrangeiros como o "La Insignia", de Madri e o "Sagarana", de Lucca, na Itália. Fiquei muito tempo calado. A internet é a oportunidade de um escritor se manifestar sobre tudo. Meu blog é pioneiro, é de 2002 e o "Diário da Fonte", que é um jornal dentro da ferramenta blog, aborda de tudo: cultura, política, humor, literatura etc... O hábito de escrever crônica todos os dias tem sido gratificante e este livro é o primeiro resultado de uma série que pretendo ainda publicar. Na gaveta, tenho um livro de ensaios literários, de crônicas sobre o cinema, um novo livro de poemas e também um novo livro de contos.

RETORNO - Imagem de hoje: o mistério das pedras da Ilha.

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