2 de abril de 2005

A DIALÉTICA EM JOÃO PAULO II



João Paulo é um nome que vem de dois papas, o revolucionário João 23 e o conservador Paulo VI. João Paulo I teve a idéia de encarnar essa contradição, mas não durou um mês no trono. Seu sorriso permanente era a máscara de uma impossibilidade, o de unir duas tendências incompatíveis. João Paulo II teve um longo papado e encarnou a fertilidade dessa dialética. Fortaleceu os frouxos laços do conservadorismo, que tinha sido abalado, primeiro, pela crise da fé que originou a radicalidade de João 23 e, depois, pelo Vaticano II, o Concílio que mudou tudo. "Levaremos 40 anos para desfazer o que ele fez em quatro", disse uma vez um cardeal da igreja. Ao mesmo tempo, Woytila disseminou a idéia de uma igreja atuante, sintonizado com as mudanças do tempo, criativa nos métodos de abordagem (a peregrinação permanente) e tolerante em relação às outras religiões. Conseguiu assim alinhar-se às principais propostas do concílio revolucionário: os rituais continuaram modificados, não houve um retrocesso para a missa em latim e a igreja aprofundou-se no ecumenismo, aproximando-se dos ortodoxos gregos e reconhecendo em Alá o mesmo Deus dos cristãos.

FUTURO - Ele soube aplacar a linha ultraconservadora dando-lhe o que mais gosta e precisa, poder, e reprimindo os excessos da teologia da libertação (filha direta da igreja transformada nos anos 60). E definiu o perfil de uma Igreja flexível e atuante, corajosa, que foi a campo para enfrentar a própria crise (encontrou saídas no rebanho disperso, no planeta indefeso, nas terras devolutas do mundo em transformação). Essa dupla natureza que soube ser uma só criatura, encarnada no próprio Papa, é a herança principal do Cardeal Woytila, o homem que assumiu as contradições do seu tempo e agiu dialeticamente. O que virá a seguir? Woityla foi um descuido dos conservadores, que não possuíam ainda força para reassumir o poder deixado vago depois de Pio XII e Paulo VI. É possível que um cardeal italiano, da linha dura, ganhe a parada e faça um papado que tenha mais a ver com Bush e seu império, com o pavor à democracia que assalta os povos e com as ameaças de colapso global tantas vezes anunciado. Mas também pode ser que Deus continue sendo misericordioso e nos envie alguém que possa ajudar o mundo a respirar de novo.

OS INDIGNADOS - A cena mais patética da pseudo-democracia em que vivemos é a falsa indignação dos incompetentes que juram fazer justiça e acabar com a impunidade. O problema é mais fundo e não depende de revoltas morais. Os exército estaduais sempre foram instrumentos dos poderes federativos, das nações-estados e em algumas vezes participaram brutalmente dos movimentos armados contra a União. Com a consolidação do regime de 64, em que a desfaçatez do coronelato civil chega às raias de Sarney eleger-se pelo Amapá, Severino virar presidente da Câmara, e um deputado federal usar a serra elétrica para mutilar os inimigos, os exércitos estaduais estão por sua conta, divididos entre as grandes mordomias do sangue bom das cúpulas e a estupidez das rotinas da falta de segurança pública. As chacinas da Baixada Fluminense, tenham sido ou não obra de soldados do exército estadual do Rio de Janeiro, significa que a ditadura exerce seu poder por meio da força bruta contra a população inerme, deixando-a à mercê de todos os tipos de crimes. As pessoas clamam por justiça nos velórios e enterros, mas precisamos antes de tudo de dialética. É preciso entender como funciona a partilha de poder na federação e como é exercido o mando nos grotões e nos palácios. O coronelato civil perdeu o controle sobre seus próprios comandos, mas isso não ameaça o sistema. É um escândalo que o poder se exerça pela ausência do estado não só nas periferias, pois até os condomínios de luxo entraram na dança.

POMBAS - O que há é a morte do Brasil soberano, que não possui mais a força para enfrentar o desmando das quadrilhas. Enquanto não houver governo de verdade, fundado na centralização do poder exercido com ética e voltado para as necessidades do povo e da nação, viveremos sempre esse pavor. A única solução é nos opor frontalmente a esse regime. Para isso, é preciso entendê-lo em todas as suas sutilezas e não apenas ficarmos indignados ou sairmos pelas ruas vestidos de branco jogando pombas para o alto (pomba é alvo bom para o tiroteio).

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